Entenda como alteração na denunciação caluniosa impacta processos administrativos
O artigo 339 do Código Penal preencheu a lacuna que permitia à investigação atos notadamente caluniosos.
sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021
Atualizado às 14:48
A denunciação caluniosa evita que qualquer cidadão movimente o sistema investigatório ou punitivo, seja administrativo ou criminal, para imputar crime ou infração que sabe ser falsa. A alteração feita no artigo 339 do Código Penal, por meio da lei 14.110, favorece o cenário político atual - em especial, os servidores públicos, considerando a maior crise do sistema de saúde devido à pandemia do novo coronavírus.
No âmbito da administração pública, a nova redação do artigo 339 é mais uma forma de proteger os trabalhadores, independentemente da sua esfera de atuação. O funcionário público, servidor efetivo (aquele que prestou concurso) ou celetista só podem ser exonerados ou demitidos mediante processo administrativo prévio. Na situação, fica garantido a ampla defesa e contraditório.
Entre as principais modificações que ocorreram com a alteração do artigo 339 do CP também está a possibilidade de qualquer pessoa se proteger de acusações falsas em inquéritos policiais e procedimentos investigatórios criminais. Além disso, há a proteção de acusação falsas em processos administrativos disciplinares, em inquérito Civil, em ações de improbidade administrativa e em crimes e infrações ético-disciplinares de que se sabe que não terem ocorrido.
Mudança na prática
Com a alteração do artigo 339 do CP, antes do processo administrativo ser instaurado, devem ser realizados atos prévios de apuração dos fatos, por meio de sindicância investigatória. Tal passo a passo significa apurar os fatos que embasam a expedição da portaria que dá início ao processo administrativo.
Agora, o funcionalismo público se blinda das denúncias caluniosas que podem surgir de pessoas fora do sistema público. É uma alteração no CP que evita a abertura indevida de sindicância investigatória e de processo administrativo por fatos que não ocorreram.
COVID-19
A materialização desse cenário pode ocorrer no sistema de saúde, por exemplo, quando um servidor da área sofre uma ameaça de denúncia devido ao desempenho das suas funções. Essa situação tem sido comum diante do momento difícil que atravessa o sistema de saúde brasileiro, impactado pela pandemia de COVID-19.
O novo coronavírus trouxe à tona ineficiências do sistema público de saúde. Não é raro o descontentamento dos usuários em relação os serviços prestados pela área ser atribuído ao desempenho dos servidores. Apesar de trabalharem em uma situação desgastante, ainda sem férias, sem licença prêmio, sendo cobrados por um desempenho perfeito em condições de trabalho precárias, acabam sofrendo ameaças de exoneração. Muitas vezes, os profissionais passam por situações que caracterizam, inclusive, assédio moral.
A orientação é sempre o respeito ao próximo em todo funcionalismo público, bem como o devido acatamento de ordens superiores da forma mais razoável possível. No entanto, se um servidor público sofre processo administrativo devido à denúncia falsa de qualquer pessoa, e, ao final, fica comprovado que nenhuma das acusações era verdadeira, pode restar configurado o crime de denunciação caluniosa.
O artigo 339 do CP preencheu a lacuna que permitia à investigação atos notadamente caluniosos. A partir da alteração feita no fim de 2020, é possível responder pelo crime até mesmo o delegado de polícia e o promotor de justiça que deem causa a investigações de pessoas que sabiam inocentes.
Cynara Barbosa Martins
Faz parte da equipe técnica do escritório Aparecido Inácio e Pereira Advogados Associados. É advogada desde 2007, pós-graduada pela PUC de Minas Gerais em Direito Público desde 2012.