Os honorários sucumbenciais no STJ
O tema 1.076 e a sua falta de fundamentação jurídica.
quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021
Atualizado às 08:34
Recentemente a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça afetou para julgamento pelo rito de recursos repetitivos uma matéria (1.076)1 que não é uma novidade para os advogados, mas que, mesmo diante de regras cristalinas do Código de Processo Civil de 2015, ainda causa certa perplexidade a sua discussão (nos termos estabelecidos) para objeto de futuro precedente vinculativo. Trata-se de saber se a fixação de honorários sucumbenciais pelo critério equitativo, no qual o Código reserva apenas e tão somente para aquelas causas de valores irrisórios ou inestimáveis (art. 85 § 8º), pode ser aplicado para causas de valores altos (ou se preferir, de proveito econômico elevado).
A quantificação dos honorários de sucumbência sempre foi objeto de lutas e argumentos que beiravam a desvalorização do trabalho do advogado. O sistema no CPC/73, pela falta de clareza e objetividade, dava margem a necessidade de precificação, pelo julgador, do trabalho executado pelo advogado. Não raras foram (e ainda são) fundamentos como: quantas petições foram feitas pelo referido patrono, quantos recursos interpostos. Como se a atuação contenciosa se resumisse aos limites do gabinete ou da quantidade de folhas dos autos. Neste aspecto, encontravam-se decisões que sequer fundamentavam o percentual ou valor dos honorários, desrespeitando sobremaneira a profissão.
O Código de Processo vigente, tentou, de forma heróica, positivar regras objetivas para que cessassem os inconformismos dos advogados e impedir que o julgador tenha mais um encargo de precificar o trabalho. E de fato, conseguiu. O problema não é a lei. O sistema atende principalmente a segurança jurídica e, dado a sua objetividade, afasta qualquer sensação de injustiça, pois a precificação advém da norma.
O tema objeto de afetação pelo STJ pretende discutir se é possível fazer do artigo que estabelece uma exceção (art. 85 § 8º) uma possibilidade de regra dois, de cunho alternativo (e não subsidiário). Majoritariamente, nos casos que deram origem ao dissenso nas turmas do STJ a discussão travada residia na fixação de honorários sucumbenciais em face da fazenda pública. Porém, na decisão de afetação, deixa-se claro que a tese a ser adotada poderá ser aplicada tanto para casos de direito público ou privado.
Em relação as causas envolvendo a Fazenda Pública o art. 85 § 3º é categórico em prever de forma objetiva, o cálculo para honorários sucumbenciais. Não há qualquer espaço hermenêutico que possa fazer acreditar que causas de valor elevado deveriam ser desviadas para aplicação da norma subsidiária, qual seja, § 8º do art. 85, a permitir a fixação de honorários por equidade. A uma porque tal parágrafo é literalmente residual e excepciona todo o sistema vigente de honorários que previu de forma bem extensa toda a sua regulação para maior objetivação do tema. A duas porque sendo norma de aplicação subsidiária (somente aplicável se não houver outra forma de fixação estabelecida nos demais parágrafos do dito dispositivo) não pode ter a sua interpretação ampliada, sob pena de tornar o sistema incongruente e até negar a vigência da norma positivada. A três (e especificamente no caso de honorários em face da Fazenda), o parágrafo regente não faz qualquer limitação para causas de valores elevados. Ao contrário, o seu último inciso (art. 85, § 3º, V) prevê percentuais para valor de condenação ou do proveito econômico obtido acima de 100.000 (cem mil salários-mínimos), sem um teto para a sua aplicação, deixando claro, portanto, a intenção legislativa de não dar espaço a precificação por equidade em valores mais altos. Ou seja, a regra já existe, e representa uma forma de distribuição razoável, tendo em vista que leva em consideração o valor da condenação, reduzindo o percentual para cada uma das faixas ali expostas. Esse é o sistema vigente!
Quando se pretende discutir, se o critério de equidade (regra de cunho restritivo) pode ser aplicado nas causas de alto valor, o que se pretende é criar uma regra alternativa para o julgador afastar o dispositivo específico. Se decidido desta forma, se permitirá ao julgador negar vigência da lei federal. Se pretende assim, nada mais que revogar as disposições de fixação já previstas, por mero critério subjetivo, sem se preocupar com a higidez e a legalidade. O grau de subjetividade dará margem ao retorno do sistema de honorários do CPC/73 (REVOGADO!), onde os advogados que atuavam nas causas (principalmente contra a Fazenda), eram remunerados (e mal), sem qualquer critério, numa precificação predatória que sequer se preocupava com fundamentações técnicas.
Deixar aplicar honorários equitativos quando já existe regra impondo a fixação de honorários simplesmente por achar que se está diante de uma causa elevada (e sabe-se lá o parâmetro que será adotado para tal) é negar vigência a um artigo que veio reduzir a dúvida no momento da fixação e trouxe, para o profissional que atuou na causa, a certeza do valor do seu trabalho. É contribuir para o dissenso e a insegurança jurídica.
Causa espécie, no entanto, e verdadeiramente entristece, a falta de fundamentos jurídicos para se pensar nessa ampliação dos honorários equitativos diante do CPC atual. Entristece ler nos acórdãos que atestam a divergência de posicionamento da Corte, expressões como "evitar o enriquecimento ilícito" para aplicar o critério de equidade, emprestando ao art. 85 § 8º hipótese que dele não se extrai no seu texto. Exemplificamente, no ano de 2019, em julgamento na 2ª Turma, constou assim a ementa do julgado: PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. ACOLHIMENTO DA EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. ARBITRAMENTO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. INTERPRETAÇÃO CONJUNTA DO ART. 85, §§ 3º E 8º DO CPC/2015, DESTINADA A EVITAR O ENRIQUECIMENTO ILÍCITO OU DESPROPORCIONAL. POSSIBILIDADE." (grifos nossos)2
A conclusão do acórdão incide em vários erros, dentre eles, de não enxergar o esforço legislativo para justamente objetivar a fixação de honorários de modo a todas as partes, poderem, de antemão, saberem os custos do processo de modo inclusive a terem cuidado e zelo na propositura da demanda, desestimulando-se assim aquelas aventuras jurídicas ou exercício da ação sem qualquer respaldo. No caso concreto, o fisco havia ajuizado uma execução fiscal de dívida já paga pelo contribuinte, movendo assim de forma descuidada um processo judicial sem qualquer necessidade. Impôs ao contribuinte a pecha de inadimplente fazendo-o ter que contratar assessoria jurídica para se "defender" do erro da fazenda. O STJ, ao fixar honorários por equidade, acaba por "premiar" a Fazenda pela sua desídia, olvidando-se de todas as prerrogativas que já possui em sede processual, entre elas a bem contestada "remessa necessária" que representa (na prática) uma verdadeira blindagem de eventual má atuação processual. A objetivação na fixação dos honorários é fator a ser considerado pelas partes para ingresso de ações judiciais e assim deve ser tratado na análise econômica do processo.
Porém, não se deve admitir no debate hermenêutico, discussões sobre enriquecimento ilícito de honorários. Obviamente não se trata de nenhuma ilicitude, pois a fixação advém da lei de regência. Se pretende-se negar a sua vigência através de malabarismos interpretativos a ilicitude não pode recair sobre aquele que, ciente da norma, percebe aquilo que a lei estipula. Lei esta que foi concebida em ambiente de discussão democrática e constitucional e que trouxe a inovação em virtude sim de vários casos injustos (e ausentes de fundamentos técnicos) de fixação de honorários pelo critério equitativo. Utilizar o fundamento de enriquecimento ilícito para os honorários advocatícios é negar a importância constitucional da advocacia. É uma afronta que não pode ser tolerada ainda mais vindo do próprio Poder Judiciário.
Ainda que se queira debater sobre a ampliação do dispositivo (o que se admite em ambiente pleno do contraditório), tem que se fazer respeitando a importância do trabalho de todos os sujeitos do processo. O fundamento de enriquecimento ilícito para afastar uma regra legal, e aplicar, alternativamente e subjetivamente, uma regra dois, não pode prevalecer por si, pois desrespeita o advogado. Existe uma lei que hoje define hipóteses e a estipulação por equidade, foi, propositadamente, posta como exceção.
Que a discussão que se travará na Corte Especial seja pautada em fundamentos técnicos-processuais, que seja respeitada a regra legal já existente e que não se deixe criar alternativas subjetivas para negar a sua vigência e retroceder a um sistema que já foi revogado.
Viver do passado pode resultar em negar vigência a norma constitucionalmente concebida e vigente. Seria como fazer Narciso sair do espelho e conviver em sociedade, afastando, como da sua índole, tudo que não for espelho.
2 REsp 1789913/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/2/2019, DJe 11/3/2019.
Scilio Faver
Advogado e sócio do escritório Vieira de Castro, Mansur & Faver Advogados.