Descumprimento na aplicação da lei sobre dano moral no setor aéreo
A falta da segurança jurídica, prejudica as operações das empresas que aqui estão, haja vista que o grande volume de processos enseja um efeito caixa extremamente negativo.
segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021
Atualizado em 8 de março de 2021 11:40
A lei 14.034, de 05 de agosto de 2020, cujo objetivo é o de diminuir os danos causados na aviação civil em razão da pandemia de Covid-19, manteve alguns dos benefícios previstos na MP 925, de 18 de março de 2020, tais como o reembolso do valor de passagem por cancelamento de voo, que segue sendo de 12 meses. Ademais, o consumidor que desistir de voo com data de início no período entre 19 de março de 2020 e 31 de dezembro de 2020 poderá optar por obter crédito de valor correspondente ao da passagem aérea, sem incidência de quaisquer penalidades contratuais.
A referida lei, que alterou alguns artigos da lei 7.565/86 (Código Brasileiro de Aeronáutica - CBA), também buscou regulamentar situações que fundamentavam, e ainda fundamentam, a propositura de ações judiciais por danos morais, na relação entre os passageiros e as companhias aéreas. Isto porque, a Lei 14.034/20 condiciona o pedido de indenização por danos morais à efetiva demonstração da ocorrência do prejuízo e de sua extensão pelo passageiro.
Tal alteração apenas acompanhou aquilo que já era determinado pelo STJ, que, no REsp 1.584.465 decidiu que não se pode falar em dano moral presumido em casos decorrentes de transporte aéreo.
Vale ressaltar que o entendimento adotado pelo STJ em 2018 reflete alterações de entendimento jurisprudencial que há anos vem sendo desenhada: em 1999 a situação era completamente contrária às companhias aéreas, tendo em vista que o entendimento do STJ era de que, em casos de atraso de voo, o dano moral seria presumido (REsp 214.824). Tal situação começou a ser alterada em 2010, com a edição, pela ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil), da Resolução 141/10, que previa que somente se poderia considerar inadimplemento do contrato de transporte aéreo atrasos superiores a 4 horas.
Demorou anos para que o Poder Judiciário incorporasse às decisões o que dispunha a referida Resolução. Somente em 2017 o entendimento jurisprudencial passou a ser de que o dano moral não é presumido quando o atraso do voo é inferior a 4 horas.
No entanto, apesar do entendimento do STJ em 2018, da edição da MP 925 em 2020 e da lei 14.034/20, este entendimento vem encontrando barreiras no Poder Judiciário. De agosto de 2020 até hoje se observam pouquíssimas decisões judiciais que levam em consideração o que dispõe a referida lei no que se refere à comprovação efetiva da ocorrência do prejuízo para que haja condenação em danos morais.
A justificativa para deixar de aplicar da lei 14.034/20 e, consequentemente o artigo 251-A do CBA, é que, como dito anteriormente, com relação à indenização por danos morais, ela alterou o CBA, que, por sua vez, já há muito tempo não é aplicado pelo Poder Judiciário para julgar ações indenizatórias. O atual entendimento majoritário dos tribunais é de que o CDC prevalece sobre o CBA, ignorando-se a regra de especialidade da lei para aplicação ao caso concreto, no caso o CBA.
Desta forma, os tribunais aplicam o CDC de forma equivocada, visto que o reconhecem como o único norteador basilar para as relações de consumo, sem se atentar que, com relação ao Direito Aeronáutico, existe lei mais específica do que o CDC, ignorando a existência do princípio da especialidade, que afirma que a norma especial afasta a incidência da norma geral.
Não obstante, como se não bastasse a aplicação equivocada do CDC, uma vez prolatado um acórdão pelo respectivo tribunal, dificilmente as companhias aéreas conseguem reverter a decisão em razão das Súmulas 7 do STJ e 279 do STF, as quais não permitem o reexame de fatos e provas. Assim, não ocorre sequer a apreciação da maior parte dos recursos interpostos perante o STJ e STF, em razão da jurisprudência defensiva aplicada com base nas súmulas supracitadas.
No entanto, reconhecer que a lei mais específica é a que deve ser aplicada ao caso concreto é de extrema urgência, tendo em vista que a chamada indústria do dano moral se aproveita dessas falhas de interpretação da lei para crescer cada vez mais, prejudicando o setor aéreo.
Destaque-se que o crescimento da indústria do dano moral não gera prejuízos somente para as companhias aéreas, que estão em delicada situação em razão da pandemia (as três maiores empresas brasileiras do setor aéreo acumularam prejuízo de 19,7 bilhões de reais em 2020¹), mas também para a economia do país, visto que a indústria do dano moral coloca o Brasil como um mercado menos competitivo, com baixa segurança jurídica, seja para a entrada de novas empresas aéreas, seja para que as empresas que aqui atuam deem continuidade às suas atividades de forma perene.
Conclui-se assim que é importantíssimo que os Três Poderes vejam a necessidade de ajuda ao setor aéreo, pois de nada adianta os Poderes Executivo e Legislativo atuarem sem que o Poder Judiciário aplique devidamente as legislações.
Logo, se o Judiciário continuar com este entendimento, corre-se o risco de cada vez mais ser prejudicada a operação do setor aéreo, visto que a soma de fatores que imperam hoje no país (altos impostos, cultura da judicialização, resistência do judiciário na aplicação de leis específicas para o setor) tornam a operação das companhias aéreas muito caras em relação ao aspecto econômico.
Portanto, a falta da segurança jurídica, prejudica as operações das empresas que aqui estão, haja vista que o grande volume de processos enseja um efeito caixa extremamente negativo. Soma-se a isso a vultosa quantia que é provisionada pelas empresas para pagamento das condenações em ações judiciais. Tudo isso inibe a chegada de novos players no mercado aéreo brasileiro, inclusive as empresas "low cost" devido ao "custo Brasil" cujos fatores acima compõem parte desta somatória de resultado, ao final, negativo.
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1- Disponível aqui.
Danielle Pereira Silva
Advogada e sócia da Lee, Brock, Camargo Advogados (LBCA).
Fabiano Oliveira Rodrigues
Advogado e sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados (LBCA).