Bem de família e fiança em contrato de locação: Instabilidade e medo
As decisões emanadas do STF não são uniformes, causando instabilidade no mercado locatício.
sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021
Atualizado às 09:07
A lei Federal 8.009/90, que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família, em seu artigo 3º assim determina: "A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: (...) VII - por obrigação decorrente de fiança em contrato de locação."
Assim, cronologicamente, desde que a fiança prestada em contrato de locação foi inserida nas exceções trazidas pela lei em comento, sempre se entendeu que qualquer que fosse a modalidade de locação contratada, ou seja, residencial ou comercial, a proteção conferida pela lei do bem de família não prevaleceria.
Todavia, no ano de 2005, um precedente originário do STF modificou a orientação que vigorava até então. Tal precedente surgiu de uma decisão do então ministro Carlos Velloso ao julgar um recurso extraordinário de um casal de fiadores de São Paulo.
Ao analisar o pedido do casal, o ministro observou que, embora a lei 8.245/91 permita a penhora de imóvel qualificado como bem de família por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação, já que acresceu o inciso VII ao art. 3º, da lei 8.009/90, o art. 6º da Constituição Federal, com a redação da EC 26, de 14 de fevereiro de 2000, não o recepcionou.
Dessa maneira, ante o precedente do STF, a partir da Emenda Constitucional de 2000, somente seria possível a penhora de imóvel não qualificado como bem de família.
Destarte, os locadores passaram a exigir a prova da propriedade de mais de dois imóveis pertencentes aos fiadores, ou que aquele apresentado não fosse residencial para sua moradia.
Ocorre que o precedente mencionado de 2005 não vingou sequer no próprio STF e o fiador, de qualquer espécie de contrato de locação, passou a não encontrar proteção na lei 8.009/90.
Posta a questão, tanto o STJ quanto o STF consolidaram o entendimento de que o bem de família do fiador, em contrato de locação de qualquer espécie, pode ser objeto de penhora. Vejamos:
Bem de família do fiador em contrato de locação - Constitucionalidade. O tribunal, no julgamento do Recurso Extraordinário 407.688-8/SP, declarou a constitucionalidade do inciso VII do art. 3º da lei 8.009/90, que excepcionou da regra de impenhorabilidade do bem de família o imóvel de propriedade de fiador em contrato de locação (STF, RE nº 409.105/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ: 27.11.2013).
Após, o assunto foi sumulado pelo TJ/SP, por meio da súmula 8, bem como pelo STJ, por meio da súmula 549.
Contudo, nova reviravolta no assunto.
No dia 12 de junho de 2018, até de maneira surpreendente, a 1ª Turma do STF retomou o assunto e decidiu modificar decisão anterior que havia sido proferida no plenário daquele, decidindo pela impossibilidade de penhora do único imóvel do fiador, se a fiança foi concedida em razão de locação não residencial (RE 605709).
Entretanto, a instabilidade tomou conta do assunto.
No ano de 2020, mais precisamente aos 27 de março de 2020, por meio do RE 1.240.968, a mesma 1ª Turma do STF voltou atrás e passou a entender que fiador, seja de contrato de locação residencial ou comercial, não tem proteção, ante a inexistência de inconstitucionalidade no inciso VII, do art. 3º, da lei 8.009/90. Esse entendimento foi aplicado em outros recursos extraordinários a partir de março.
Mas pasmem!
A 2ª Turma do STF, fazendo menção ao julgado de 2018, proferido pela 1ª Turma, RE 1.278.427, em julgado recente proferido em 4 de novembro de 2020 (RE 1.280.519), entendeu que o fiador de contrato de locação não residencial tem proteção da lei do bem de família.
Diante de tantas mudanças, coloca-se em xeque o princípio da segurança jurídica, posto que a instabilidade provém da própria Suprema Corte, tornando-se indispensável, aos que buscam exercer a condição de locador, locatário e fiador, a busca por assessoria adequada, com o fito de resguardar os seus direitos ou, ao menos, mitigar eventuais danos futuros.
Leandro Martins
Advogado e sócio fundador do escritório Mansani e Martins Sociedade de Advogados, graduado em Direito pela Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU).