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A boa-fé objetiva no adimplemento de promessa de compra e venda estipulada em grãos de arroz

Divergência entre o redimento do grão determinado no contrato e o entregue ao proemitente vendedor.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Atualizado às 09:41

É muito comum, na fixação de preço na promessa de compra e venda em negócios rurais, a utilização de grãos.

No caso do arroz, a precificação do grão depende do tipo e do rendimento do grão inteiro. Grãos classificados como tipo 1, quanto maior o seu rendimento de inteiro, maior será a sua precificação.

Coloca-se, então, a problemática.

Pensa-se em uma promessa de compra e venda em que o promitente comprador se compromete a entregar ao promitente vendedor a quantia de 35 mil sacos de arroz a granel, de 50 quilograma cada, tipo 1, com rendimento de  60% de grão inteiro.

Na prática, em cada carga de arroz que chega ao silo é feita a amostragem, sendo determinado, no momento da entrega, o tipo e a qualidade do grão inteiro.

No caso em tela, imaginando que essa quantidade de arroz seja transportada até o silo, onde restou estabelecido o depósito em contrato, por carretas de capacidade média de 700 sacos, serão necessárias, em média, de 50 cargas de arroz para quitar o contrato.  

Em cada uma destas cargas, será feita a análise do grão inteiro e a tipificação. Exemplificando, hipoteticamente, que 20, destas 50 cargas, foram classificadas como tipo 1, com rendimento de 60% de grão inteiro; 15, destas 50 cargas, foram classificadas como tipo 1, com rendimento de 58% de grão inteiro; 20 destas 50 cargas foram classificadas como tipo 1, com rendimento de 62% de grão inteiro.

No caso em análise, estas cargas de arroz poderiam valer como adimplemento do contrato? Poderia o promitente vendedor exigir do comprador a diferença das cargas de arroz que deram rendimento abaixo de 60% de grão inteiro?

O exemplo em questão retrata uma problemática própria da prestação destes contratos, pois, a menos que se transfiram as cargas já analisadas ao promitente vendedor,1 o que nem sempre é possível, restará inviável o recebimento homogêneo de grãos, com o mesmo rendimento estipulado no contrato.

Assim, posto o caso fático, verificar-se-á a questão a partir do princípio da boa-fé objetiva. O princípio da boa-fé objetiva exige que os contratantes guardem um padrão de conduta leal durante toda a relação contratual, independentemente de elementos da subjetividade. Na atual conjuntura do Artigo 422 do Código Civil,2 esse olhar refletido das partes, deve ser mantido desde a fase pré-contratual até a extinção da relação contratual.3 A boa-fé é um princípio que se adere a todos os contratos, independentemente de estar prevista ou não.

No caso das promessas de compra e venda determinadas em depósitos de grãos de arroz, a resposta da problemática encontra-se na formação do contrato.

Se o contrato foi estipulado com o preço de tipo 1 a rendimento de 60%, esse valor deve ser convertido em moeda no dia do vencimento do contrato, devendo, além disso, ser mantido esse montante, ainda que as cargas depositadas possam ter rendimentos diferentes. 

Por isso, não há empecilho ao adimplemento se existirem cargas com rendimento inferiores ao estipulado no contrato, desde que o montante das cargas equalize exatamente a mesma conversão em moeda no dia do vencimento.

O preço firmado na formação do contrato deve ser mantido no momento do adimplemento. Na presente situação, o promitente comprador só teria que indenizar a diferença das cargas abaixo de rendimento de 60% de grão inteiro se, expressamente, anuísse a essa obrigação ou, conforme o caso, se o valor integral das cargas fosse inferior aos 35 mil sacos de arroz, tipo 1, com rendimento de 60%, no dia do vencimento do contrato.  

Interpretação diversa é privilegiar uma das partes, uma vez que, pela boa-fé, nenhum dos contratantes pode ser surpreendido, ao final da obrigação, com interpretação que fuja do sinalagma estabelecido na formação contratual.

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1 arroz, tipo 1, com rendimento de 60% de grão inteiro

2 "Artigo 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé".

3 SILVA, Clóvis do Couto e. A Obrigação como Processo. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. p. 43-61.

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Clóvis do Couto e. A Obrigação como Processo. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006.

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Arnaldo Rizzardo Filho

Arnaldo Rizzardo Filho

Bacharel em Direito pela PUC-RS. Mestre em Direito Público pela Unisinos. Advogado, professor e autor.

Débora Minuzzi

Débora Minuzzi

Advogada; Mestre em Direito pela PUCRS, Área de Concentração: Teoria Geral da Jurisdição e do Processo; Especialista em Direito Ambiental pela UFRGS; Especialista em Processo Civil pela UFRGS.

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