As peculiaridades do acordo de não persecução penal
Acordo de não persecução penal: A constitucionalidade da resolução 181/17 do conselho nacional do MP e a possível mitigação ao Princípio da Obrigatoriedade da Ação Penal.
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021
Atualizado em 15 de fevereiro de 2021 08:27
Com o passar dos anos iniciou-se a introdução de ferramentas de resolução de controvérsias penais no nosso ordenamento jurídico, bem como a justiça penal negociada ou pactuada. Conforme conceitua Flavio da Silva Andrade, em sua obra Justiça Penal Consensual (2019, p.57) "Trata-se de um modelo de justiça em que a solução é acordada entre as partes, ou seja, o desfecho para o caso criminal é forjado a partir da convergência de vontades dos litigantes, nos termos da lei".
Apesar de todas as opções de resolução pactuada de conflitos e com o intuito de coibir certos acontecimentos, o Conselho Nacional do Ministério Público, editou o artigo 18 da resolução 181/17, que logo foi alterada pela resolução 183/18, trazendo de forma expressa o instituto do acordo de não persecução penal.
Por meio da resolução 181, de 7 de agosto de 2017, editada para disciplinar a instrução e tramitação do procedimento investigatório criminal a cargo do Parquet, o Conselho Nacional do Ministério Público, instituiu o denominado acordo de não persecução penal, a ser celebrado com o investigado a fim de que, mediante o cumprimento de condições, haja a resolução antecipada do caso, resultando no arquivamento de investigações. (ANDRADE, 2019, p.266-267).
Neste sentido, no cenário de incentivo às diversas formas alternativas de solução de conflitos, não só no ramo do processo penal torna-se fundamental o estudo de novas formas de solução de litígios no que se refere aos casos criminais de um modo específico.
Em relação ao nosso CPP, o Pacote Anticrime fez surgir na organização jurídica alguns institutos, como a figura do juiz das garantias; o procedimento especial de defesa do agente de segurança; o arquivamento da denúncia pelo Ministério Público, entre outras; e inclusive, o instituto do acordo de não persecução penal (ANPP).
O acordo de não persecução penal por sua vez, pode ser conceituado como um instituto de cunho pré-processual, de direito negocial entre o representante do Ministério Público e o investigado, ou seja, trata-se de ato bilateral entre as partes. De toda forma, o acordo de não persecução penal poderá ser sugerido pelo representante do Ministério Público, ou até mesmo pelo próprio acusado, quando o delito em questão for a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, como por exemplo, furto e estelionato.
A disposição trazida no artigo 28-A, da lei 13.964/19, o famoso pacote anticrime, inserido agora no CPP, trouxe todos os requisitos para se ofertar o acordo de não persecução penal. Veja:
a) Não ser o agente reincidente;
b) Não seja cabível a transação;
c) Não seja caso de arquivamento da investigação;
d) O agente confesse o crime;
e) Não seja crime de violência doméstica;
f) A pena em abstrato seja inferior a 4 anos;
g) Não ter sido beneficiado nos últimos 5 anos com o acordo de não persecução penal, transação ou suspensão condicional do processo.
h) Não seja crime praticado com violência ou grave ameaça contra pessoa;
i) O agente não possua antecedentes que denotem conduta criminosa habitual
Agora, após a inserção do artigo 28-A ao CPP, não há que alegar sua aplicação sob o argumento de inconstitucionalidade, como era feito em relação a resolução 181/17, cabendo ao representante do Ministério Público, para formalização do acordo, apenas observar a norma em sua íntegra.
Neste mesmo sentido, o STF, na ADC 12 MC, de relatoria do ministro Carlos Britto já assentou que as resoluções do CNJ (por simetria com as do CNMP) possuem caráter normativo primário.
Rodrigo Leite Ferreira Cabral na obra Acordo de Não Persecução Penal (2019, p. 29), colaciona que:
É correto afirmar que de acordo com a estável jurisprudência do Plenário do STF, o Conselho Nacional do Ministério Público pode expedir regulamentos autônomos, desde que destinados a regulamentar diretamente a aplicação de princípios constitucionais. [...] a resolução 181 busca tão somente aplicar os princípios constitucionais da eficiência, proporcionalidade, celeridade e acusatório.
Nesta toada, temos ainda a presença do argumento de que a celebração do acordo de não persecução penal violaria o princípio da obrigatoriedade da ação penal. Neste sentido, o nosso CPP, em seu artigo 24 não estabelece uma obrigatoriedade a ação penal e sim uma faculdade, uma atribuição.
Art. 24. Nos crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público, mas dependerá, quando a lei o exigir, de requisição do Ministro da Justiça, ou de representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.
Lado outro, o Ministério Público possui independência funcional de seus membros e autonomia da Instituição, gerando assim a não obrigatoriedade dos membros do Ministério Público a processar os crimes pelo princípio da obrigatoriedade da ação penal.
Patrick Salgado Martins em sua obra Lavagem de dinheiro transacional e obrigatoriedade da ação penal (2011, p. 124), aduz que:
A regra da obrigatoriedade é implícita no ordenamento jurídico brasileiro e significa apenas que o Ministério Público deverá promover a persecução penal do fato, no prazo legal, submetendo a questão ao Poder Judiciário, mediante a promoção da ação penal, da transação penal ou do arquivamento, conforme o caso, não havendo qualquer norma que conduza à conclusão de que o Ministério Público esteja obrigado a acusar sempre
Isso posto, não restam dúvidas de que o instituto do acordo de não persecução penal apesar de entendimentos contrários, se faz uma boa
opção ao infrator da lei, bem como é completamente compatível com a nova fase do ordenamento jurídico brasileiro, a fase das resoluções pactuada de conflitos.
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ANDRADE, Flávio da Silva. Justiça Penal Consensual: controvérsias e desafios. Salvador: Editora Juspodivm, 2019.
ANDRADE, Mauro Fonseca. Sistemas Processuais Penais e seus Princípios Reitores. 2ª edição revista e atualizada. Curitiba: Editora Juruá, 2013.
ANDRADE, Mauro Fonseca; BRANDALISE, Rodrigo da Silva. Observações preliminares sobre o acordo de não persecução penal: da inconstitucionalidade à inconsistência argumentativa. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, Porto Alegre, 2017.
BARROS, Francisco Dirceu. et al. Acordo de não persecução penal: a Resolução nº 181/2017 do CNMP com alterações feitas pela Res. 183/2018. 2ª edição revista, atualizada e ampliada. Salvador: Editora Juspodivm, 2019.
BITTENCOURT, Ila Barbosa. Justiça restaurativa. Enciclopédia jurídica da PUC- SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Teoria Geral e Filosofia do Direito. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga, André Luiz Freire (coord. de tomo).
1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível aqui. Acesso em: 22 set. 2020
BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Diário Oficial da União, Brasília/DF, 13 de outubro de 1941. Disponível aqui. Acesso em: 22 set. 2020.
Acordo de não persecução penal penal. Acesso em: 05 de dezembro de 2020.
Justiça Penal negociada: o 'novo' acordo de não persecução penal. Acesso em: 05 de dezembro de 2020.
Ana Carolina Marinho
Advogada do Escritório Santos Perego & Nunes da Cunha Advogados Associados.