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Como o processado vê o processo administrativo disciplinar

E qual a melhor forma de auxiliar o servidor processado.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

Atualizado às 08:54

 (Imagem: Imagem Migalhas)

(Imagem: Imagem Migalhas)

Embora todos os serviços desempenhados no âmbito do serviço público tenham sua inegável importância, alguns desses acabam não reverberando tanto, mesmo tendo especial relevo e sendo constitucionalmente previstos. É nessa categoria que se enquadram os Processos Administrativos Disciplinares (os famigerados "PADs"), previstos nos artigos 1º, caput e III; 5º, LIII, LIV, LV; 37, caput; e, especialmente, 41, §1º, II, da Constituição Federal1.

Mesmo não reverberando tanto externamente, basta ver um servidor processado para se entender o óbvio: os procedimentos administrativos disciplinares são sim importantíssimos, e causam verdadeiro vendaval na vida profissional e particular desses. O que saber sobre os servidores processados e como auxiliá-los juridicamente da melhor maneira, será o mote desse texto.

Conceitualmente, processos (ou procedimentos) administrativos são uma garantia constitucional dos servidores estáveis, que só podem ser punidos por eventual falha após o devido processo legal, instrumentalizado e materializado pelos PADs (HARGER, 2017).

A doutrinadora Carmem Lúcia Antunes Rocha (1997) complementa essas ideias quando expõe:

É que se não estiver juridicamente amparada a competência e formalmente realizada a atividade processual da Administração Pública surge o que pode ser considerado um 'poder punitivo informal' exercido antijuridicamente por administradores atuando abusivamente. A competência disciplinar, no exercício da qual pode haver punição de algum responsável, é jurídico, formal e objetivo. (p. 190)

Sobre a modalidade disciplinar de processo administrativo, algumas peculiaridades iniciais saltam aos olhos, a saber:

a) mesmo que isso possa ser visto como aparentemente contraditório, o PAD é (e deve ser visto) como uma vantagem do servidor processado, e não como uma punição, afinal, que trabalhador da esfera privada não desejaria ter a prerrogativa de só poder ser punido e/ou demitido do cargo após o devido processo legal, em que fossem garantidos o contraditório e a ampla defesa?!;

b) embora seja um processo administrativo (o que faz com que alguns o subjuguem), ele tem grande importância, tanto que é constitucionalmente previsto, rígido, extenso e bem esmiuçado nas leis competentes, sendo que cada ente federativo legisla, dentro de premissas e regras comuns, acerca da forma de operacionalização e de tramitação desses (sobre isso, CGU, 2020);

c) mesmo na via administrativa, responder a um PAD deve ser levado muito a sério pelo processado, uma vez que as punições possíveis podem ser severas (demissão do serviço público, suspensão, desconto de salários e afins), além do que a possível revisão judicial do ato encontra vários limitadores. Sobre essas limitações ao Judiciário quando da análise de PADs, inclusive, acórdão da Controladoria Geral da União diz que:

Ao Poder Judiciário não cabe discutir o mérito do julgamento administrativo em processo disciplinar, mas, por outro lado, compete-lhe a análise acerca da proporcionalidade da penalidade imposta, nos termos de farto entendimento jurisprudencial. (RMS 19.774/SC, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, Quinta Turma, DJ 12/12/05)

d) quem preside e conduz o processo administrativo disciplinar desde a primeira oitiva do processado até emissão de relatório conclusivo final são, via de regra, colegas de mesma carreira e hierarquia de cargo que o processado, cabendo, após gerido o processo por esses, o devido encaminhamento à autoridade julgadora indicada em lei, que vai receber o PAD pronto e decidir pela eventual punição ou não, em decisão fundamentada e de acordo com o livre arbítrio dessa autoridade;

e) para o servidor que se encontra ainda em estágio probatório e que foi processado, uma das possíveis implicações do resultado desse PAD seria a ruptura do vínculo dele com o Estado, o que o impediria de atingir a sonhada estabilidade (e todos seus potenciais efeitos decorrentes).

Existiriam, ainda, várias outras particularidades e curiosidades sobre o Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD), mas o objetivo aqui não é o de falar com profundidade sobre essas. Quer-se, isso sim, apresentar as nuances e premissas básicas que norteiam o instituto (e suas possíveis implicações) para, a partir daí, discutir os efeitos práticos e não previstos devidamente em lei que responder um PAD gera aos envolvidos, sobretudo ao processado.

Para isso, utilizar-se-ão, como exemplos, situações e impressões já vivenciadas com PADs de servidores do Judiciário Estadual. Mesmo sem constar expressamente em manuais, a longa vivência possibilitou concluir que, quem responde a PADs, tem quase sempre uma situação pessoal envolvida/mal resolvida, geralmente oriunda de uma dessas relações: entre chefe/servidor, servidor/servidor, cidadão/servidor e/ou efeitos decorrentes de falta de infraestrutura adequada. São exemplos:

a) situação pessoal chefe/servidor:

Exemplos: a insubordinação; o não cumprimento tempestivo de uma ordem; a recusa no aceite de alguma nomeação de função extra não remunerada; o cometimento de algum erro que o chefe entenda como grosseiro/desídia etc.;

b) situação pessoal servidor/servidor:

Exemplos: rixa de trabalho; discussão acerca de real culpado por alguma falha no serviço; insubordinação de servidor subordinado com servidor de carreira chefe (exemplo: escrevente que se recusa a cumprir ordens de escrivão); etc.;

c) situação pessoal cidadão/servidor:

Exemplos: quando advogado e/ou parte alega ter sido mal atendido; advogado e/ou parte que têm recusado pelo servidor algum direito que entende possuir; pessoa afetada por uma falha do servidor (exemplo no Judiciário: pessoa que teve seu processo extraviado/sumido na escrivania após recebido, ou aquele que fora dado como intimado pelo oficial de justiça, mas nunca o viu na vida, etc.);

d) situação pessoal decorrente de falta de infraestrutura adequada:

Exemplos: não cumprimento por parte do servidor de prazos previstos nos Regimentos internos e CPC; furto de documentos/processos dentro da repartição pública; falhas no sistema que geram prejuízos à parte; não intimação tempestiva da parte para audiência por excesso de mandados distribuídos ao meirinho etc.

Por ser oriunda de algum tipo de situação pessoal envolvendo o servidor, a regra é que quase nunca o processado seja pego inadvertidamente com a instauração do PAD/sindicância, pois não é raro que, salvo em casos muito graves, hajam advertências informais e/ou pedidos de mudança de rota pelos envolvidos antes da formalização da denúncia.

Portanto, o PAD é muito mais o efeito de alguma insurgência/dissabor de alguém com algum ato do servidor público do que qualquer outra coisa mais elaborada ou rebuscada.

Por isso mesmo, o PAD gera sempre, no envolvido, profundo sentimento de perseguição, de estar sendo injustiçado, além de um temor e pavor, tanto de perder o emprego público para o qual se qualificou, como também dos prejuízos indiretos que podem incidir sobre ele (má fama, má reputação, suspensão dos serviços e do salário durante o PAD e, em alguns casos, impossibilidade de remoção2 - para servidores estaduais/federais e etc.).

Por todos os efeitos que os PADS podem gerar, e pela situação pessoal quase sempre envolvida de plano de fundo, o processado quase sempre perde a sanidade e a paz desde o momento que tem que dar seu primeiro depoimento. É comum (e regra), inclusive, o processado apresentar comportamento arredio, estar com medo e receoso o tempo inteiro, ser arisco com o advogado, indicar perguntas a serem feitas a testemunhas, querer participar e saber o tempo todo sobre a estratégia de defesa e da peça que será interposta, dar sugestões de teses, etc.

E como a tramitação e julgamento do PAD não costumam respeitar o prazo célere e rápido previsto nas legislações de regência aplicáveis, esses sentimentos e sensações do processado, descritos acima, são potencializados e anabolizados ao longo dos dias, meses e até mesmo anos (dependendo dos casos) que o feito tramita, o que gera muita angústia no servidor envolvido e muita pressão ao advogado responsável pela condução dessa defesa.

Trocando em miúdos: o processado se preocupa e perde sua paz com a instauração do PAD, e acaba, sem ver, tentando colocar seu advogado de defesa nessa mesma sinergia. O advogado, que tem a incumbência de defesa em PAD, por sua vez, deve ser compreensivo com todas as situações pessoais que o cliente passa, porém, manter-se firme e com atuação técnica, fazendo o estudo de prognósticos e possibilidades dos possíveis resultados, a análise minuciosa das provas e formalismos, enfim, um trabalho sistêmico e cauteloso, seguindo uma linha de atuação racional e embasada.

Ouvir o envolvido com atenção, ser honesto com ele sobre os prognósticos possíveis e prováveis, explicar-lhe minuciosamente como é o trâmite de um PAD e ser diligente e proativo são obrigações inerentes a quem atua nessa área. Porém, como dito, é necessário tomar muito cuidado quando se envolve com o caso e suas nuances, para que a técnica e a racionalidade da estratégia de defesa não sejam perdidas; afinal, é a defesa devidamente amparada e estudada a melhor forma de auxílio do advogado ao servidor que se encontra nessa situação.

Para quem responde ao PAD, por sua vez, confiar na técnica do advogado escolhido é fundamental. Auxiliá-lo da maneira solicitada, dizer-lhe sempre a verdade, não esconder fatos e contextos são as melhores formas de ajudar a si mesmo, pois o patrono da causa, com prudente arbítrio, irá pinçar, de tudo o que for apresentado, aquilo que tem pertinência e validade para a defesa, salvaguardando os direitos do cliente.

Por fim, mas não menos importante, emerge dessas impressões e vivências a conclusão de que é fundamental que exista em cada administração pública infraestrutura adequada de pessoal e material. Mas não somente isso: evidencia-se também a importância da existência de um departamento de recursos humanos munido de bom efetivo, estrutura e de boas práticas, como um dos caminhos mais eficazes e módicos para prevenir o surgimento de possíveis PADs e sindicâncias.

Como visto, as sensações ruins geradas por responder a PAD devem ser evitadas com cultura preventiva adequada. Quando isso não é possível, o defensor do servidor deve ser técnico e racional, e o servidor processado deve subsidiá-lo com confiança e todas as informações possíveis sobre o caso. Ou seja, é uma missão para todos os agentes envolvidos!

_________

1- Constituição Federal:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III - a dignidade da pessoa humana;

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:    

Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público.        

§ 1º O servidor público estável só perderá o cargo:

II - mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa; [.]. 

2- Nos termos do artigo 36 da Lei 8.112/90 "Remoção é o deslocamento do servidor, a pedido ou de ofício, no âmbito do mesmo quadro, com ou sem mudança de sede."

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BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil.  Brasília, 1988. Disponível aqui. Acesso em: 04 dez.  2020.

CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO (CGU). Manual de Processo Administrativo Disciplinar. Brasília, setembro de 2019. Disponível aqui. Acesso em: 02 out. 2020.

HARGER, Marcelo. Processo administrativo: aspectos gerais. Enciclopédia Jurídica da PUC/SP, São Paulo, maio de 2017. Disponível aqui. Acesso em: 02 out. 2020.

ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais do processo administrativo brasileiro. Revista de Direito Administrativo, São Paulo, v. 34, nº 136, p. 5-28, out.-dez., 1997. Disponível aqui. Acesso em: 02 out. 2020.

MONROE, Marcel Reis. Regime jurídico do processo administrativo disciplinar. Jus.com.br, Teresina, jul. 2017. Disponível aqui. Acesso em 02 out. 2020.

STJ divulga mais dez teses sobre processo administrativo disciplinar. São Paulo, 10 fev. 2020. Acesso em: 02 out. 2020.

Arthur Coimbra Calixto

Arthur Coimbra Calixto

Advogado sócio da Jacó Coelho Advogados, consultor jurídico e pós-graduado em Direito Administrativo pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP).

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