A digitalização simplificando a entrega de diplomas no ensino superior
Como a adoção da tecnologia pode ajudar a resolver um problema antigo das faculdades e dos alunos formados. Entenda as causas, os responsáveis e o papel do MEC no atraso na entrega de diplomas.
terça-feira, 9 de fevereiro de 2021
Atualizado às 09:01
Ano após ano, faculdades enfrentam um grande volume de ações judiciais em razão de atraso na entrega de diplomas. Os alunos formados terminam, não raramente, buscando provimento jurisdicional que as obriguem a fornecer seus diplomas sem mais demora, além de indenizações por danos morais causados pelos mais diversos motivos.
Grande parte desse problema se deve ao fato de que nem todas as Instituições de Ensino Superior (IES) possuem a atribuição de registrar seus próprios diplomas. As instituições privadas, que são originalmente credenciadas como faculdades (art. 15, §1º, do decreto 9.235/17), não são detentoras da prerrogativa de autonomia para o registro, o que as fazem depender de uma IES universitária para registrar seus diplomas.
Sendo assim, apenas universidades, Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia e os Centros Federais de Educação Tecnológica - que atenderem a determinados requisitos (Parecer CNE/CES 287/02) - possuem autonomia para registrar os diplomas por eles próprios expedidos e, também, os expedidos pelas faculdades, denominadas IES não universitárias, conforme autoriza o art. 48, §1º, da lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), e nos moldes dos arts. 4º e 5º da portaria 1.095/18 do MEC.
Caso a faculdade pretenda conquistar autonomia para registrar seus próprios diplomas, duas são as maneiras: (a) poderá pleitear seu recredenciamento como centro universitário, desde que atenda às exigências de organização administrativa impostas pelo art. 16 do decreto 9.235/17 do MEC; ou (b) através do reconhecimento de sua alta qualificação (art. 57, §2º, da LDB), que depende do preenchimento dos requisitos previstos na Portaria Normativa MEC n.º 23/2017 (art. 50-A) e art. 27 do decreto 9.235/17 do MEC.
Nem todas as faculdades, contudo, logram seguir por esses caminhos, permanecendo dependentes, nesse tocante, das IES universitárias credenciadas.
Nessa relação, nunca houve um prazo legalmente fixado para que se ultimasse o processo de registro dos diplomas expedidos pelas faculdades, de sorte que, diante dessa flexibilidade, os prazos sempre foram dos mais variados. Do momento da colação de grau até o recebimento do diploma pelo aluno formado, o transcurso médio de um ano inteiro (ou um pouco mais) tem se revelado como tempo suficiente para que muitos deles acionem o Judiciário.
Lícito afirmar que a responsabilidade pelo atraso não pode ser sempre imputada à IES na qual o aluno se formou, a faculdade expedidora. No mais das vezes, o diploma é expedido a tempo e modo, mas as IES universitárias registradoras não conseguem dar vazão à demanda, eis que, para além de precisar registrar os diplomas por elas próprias expedidos, também precisam registrar grande volume de diplomas expedidos pelas faculdades, dentro dos limites de sua unidade federada.
Nesse cenário, os dramas e angústias alegados são dos mais variados. Com rigor técnico, fala-se muito na teoria da perda de uma chance (perte d'une chance droit), configurada sempre que alguém, sem ter culpa (por fato de terceiro), perde uma chance séria e real, que vai desde a perda de oportunidades de trabalho, à impossibilidade de tomar posse em concursos públicos.
Digno de nota que, diferente do que pensam muitos desses alunos formados, o atraso em si não dá azo, automaticamente, a uma indenização. Não se trata de dano in re ipsa, até porque, muitas vezes, é o próprio aluno quem dá causa ao atraso, deixando de entregar documentos ou de resolver pendências outras. A indenização depende da comprovação de que se perdeu uma chance por falha da faculdade (prejuízo material), da comprovação de que o atraso gerou um efetivo dano de ordem psíquica (prejuízo moral), não bastando alegações genéricas, pois nosso ordenamento jurídico não autoriza indenização por dano hipotético ou remoto.
Como tentativa de resolver ou minorar esse tipo de problema, depois de tantos anos relegando o tema, o MEC, a partir da multicitada portaria 1.095/18, estabeleceu prazos para os registros. Para as IES universitárias, o prazo para a expedição do diploma é de sessenta dias, contando-se, a partir da expedição, mais sessenta dias para o registro. Para as IES não universitárias, a partir do momento da expedição do diploma, este deverá ser encaminhado para as IES registradoras em até quinze dias, que deverão registrar os diplomas no prazo máximo de sessenta dias, contados do recebimento. Os prazos de expedição e de registro podem ser prorrogados por uma única vez, a depender de justificativa.
Nada obstante, a fixação de prazos, quando desacompanhada de medidas desburocratizantes, tem mostrado pouca efetividade, de modo que as IES (registradoras e expedidoras), muitas vezes, não conseguem realizar esse processo no tempo aprazado, e, assim, terminam se sujeitando, para além das inúmeras ações judiciais, a incorrer em irregularidade administrativa (art. 22 da portaria 1.095/18 do MEC).
Na tentativa de simplificar, e assim acelerar e tornar menos custoso esse processo, já nos idos de 2010, a Universidade Vale do Paraíba (UNIVAP) passou a emitir diplomas em formato e com certificação digital, em substituição ao papel impresso, fato que, à época, ensejou a investigação do Ministério Público Federal, inclusive, realizando consulta ao Conselho Nacional de Educação (CNE), através da Câmara de Educação Superior (CES), sobre a viabilidade de tal medida. No Parecer CNE/CES n.º 226/2012, o Conselho cuidou de responder a essa consulta, argumentando, no básico, o seguinte:
"Sobre o procedimento a ser analisado, há que se reconhecer a louvável iniciativa da UNIVAP em implantar a certificação digital na confecção, expedição e registro de diplomas e certificados elaborados de forma eletrônica, no âmbito da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras -ICP -Brasil, produzindo, assim, os mesmos efeitos que os diplomas e certificados impressos em papel. No entanto, a rápida implantação da sistemática pela UNIVAP não foi acompanhada pelos demais órgãos envolvidos no processo, o que tem gerado certos contratempos aos formandos. Por se tratar de tema novo, alguns órgãos de classe ainda não estão devidamente atualizados com a utilização da nova tecnologia. Outros, como será demonstrado a seguir, embora preparados para a nova tecnologia, fazem exigências que descaracterizam a certificação digital. O ponto que ainda não foi discutido pelos órgãos envolvidos é o prazo de validade da mencionada certificação. Segundo informações disponibilizadas no portal do ITI, o prazo máximo de validade da certificação digital é de 3 (três) anos, o que não se mostra adequado para a área educacional, especialmente no que se refere à confecção, expedição e registro de diplomas e certificados".
Concluiu-se, portanto, que o tema, em sendo muito novo naquela época e, até então, ainda sem disciplina pelo MEC, precisaria ter seus impactos melhor estudados. Em verdade, reconheceu-se a incapacidade de acompanhar, naquele momento, a grande inovação que batia à porta. Alguns órgãos de classe, por exemplo, exigiam a via impressa acompanhada da digital, sob pena de não inscrição em seus quadros. E, assim, a UNIVAP precisou seguir imprimindo papel.
Somente em 2018, o MEC finalmente se deu conta da necessidade de modernização, instituindo (portaria 330, de 05 de abril de 2018), e regulamentando (portaria 554, de 11 de março de 2020) o diploma digital, no âmbito das IES públicas e privadas.
Em seguida, a Nota Técnica 13/2019/DIFES/SESU trouxe as especificidades técnicas necessárias ao processo, iniciando-se, a partir de sua publicação, o prazo de vinte e quatro meses para a implantação. Assim, em dezembro de 2020, o diploma digital já era realidade para cinco IES, a saber, a Universidade Federal do Paraná (UFPR), a Universidade Federal da Paraíba (UFPB), a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), a Universidade Federal de Sergipe (UFSE) e o Instituto Federal do Rio Grande no Norte (IFRN).
Segundo informações1 do MEC, pretende-se, ainda no primeiro semestre de 2021, que a implantação do diploma digital abranja todas as 63 universidades e 47 institutos federais. Depois disso, a intenção é que as instituições públicas estaduais e municipais também se beneficiem. De sua vez, as instituições privadas devem estar alinhadas para que o fluxo de expedição e registro (este, repise-se, somente para os centros universitários e faculdades de alta qualificação) dos diplomas siga a nova era digital, o quanto antes seja possível. A ideia é que, nos anos que se avizinham, todos os novos diplomas sejam nato-digitais, com sua existência, registro, emissão e armazenamento inteiramente no ambiente digital.
Com isso, boa parte do processo burocrático para a emissão de diplomas será eliminada, subtraindo-se etapas que demandam tempo e dinheiro, a exemplo da coleta de dados, de assinaturas, a impressão de papéis, o deslocamento até a IES para a retirada do diploma etc. Basta olhar para o ano de 2020, em que muitos diplomas deixaram de ser emitidos a partir da suspensão das atividades presenciais das IES por imposição das autoridades competentes (fato do príncipe), em razão da pandemia do novo coronavírus, que impossibilitou, inclusive, atividades administrativas. Caso a digitalização dos diplomas tivesse sido pouco antes implantada, muitos alunos já estariam de posse de seus diplomas, a despeito da crise sanitária.
Não há mais dúvidas de que as inovações tecnológicas estão prontas para serem usadas a favor da tão almejada desburocratização, sobretudo na Administração Pública, com ganho de eficiência, celeridade e economia. A tendência é que cada vez mais documentos públicos sejam levados ao ambiente digital, a exemplo da CNH, CRLV, documentos de identificação profissional etc. Ganha-se, ainda mais, em segurança, com prevenção a fraudes, tudo sob a proteção da lei 13.709/18 (LGDP).
Talvez o próximo passo, agora, seja repensar as condições para que as faculdades detenham a prerrogativa de autonomia para proceder com os registros de seus próprios diplomas. Muito tem se falado a respeito autorregulação2, inclusive através de blockchain3.
Seja como for, parece que, nesta nova era digital, o Poder Público e a sociedade como um todo estão mais abertos às inovações. Velhos problemas estão encontrando novas soluções - ou nem tão novas assim. O diploma digital precisou esperar toda uma década para, finalmente, ganhar aceitação.
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2- Autorregulação do ensino superior privado será discutida em 2020. Acesso em 12 de janeiro de 2021.
3- Faculdades privadas pretendem usar blockchain para emitir diplomas digitais. Acesso em 12 de janeiro de 2021.
João Paulo Babini de Andrade
Advogado especialista na área Educacional do escritório Urbano Vitalino Advogados.