A criação dos NUGEPNACs nos tribunais (resolução CNJ 339/20) e seu importante papel no sistema de casos repetitivos e ações coletivas
A resolução CNJ 339/20 determinou a instalação dos Núcleos de Ações Coletivas - NAC nos tribunais brasileiros, o que vem sendo feito através da integração aos seus igualmente importantes Núcleos de Gerenciamento de Precedentes - NUGEPs.
sexta-feira, 29 de janeiro de 2021
Atualizado às 08:21
Reconhecido pela valorização do precedente judicial e pela preocupação com o gerenciamento de casos repetitivos, o Código de Processo Civil de 2015 instituiu e aprimorou importantes técnicas necessárias a garantir segurança jurídica e isonomia, como os julgamentos de recursos extraordinários com repercussão geral (arts. 1.035, § 2º do CPC e 102, § 3º, da CRFB), recursos repetitivos (arts. 1.036-1.041 do CPC), incidentes de resolução de demandas repetitivas (arts. 976-987 do CPC) e incidentes de assunção de competência (art. 947 do CPC).
Em síntese, ressalvadas as distinções entre cada uma das técnicas, é possível afirmar que em tais microssistemas há afetação de temas relevantes, a seleção de casos representativos para discussão e julgamento da matéria perante um órgão colegiado qualificado, e a prolação de acórdão com entendimento vinculante para os processos pendentes e futuros no âmbito do respectivo tribunal, até que haja eventual revisão ou superação da tese.1
O efetivo funcionamento de tais mecanismos depende, no entanto, da identificação e gestão dos dados relativos aos temas afetados, aos processos paradigmáticos ou representativos, aos casos suspensos e que sofrerão os impactos do entendimento firmado pelo tribunal, e, claro, às próprias teses vinculantes. Esse papel é atribuído, em larga medida, aos Núcleos de Gerenciamento de Precedentes - NUGEP dos tribunais.
Os NUGEPs (previstos na resolução CNJ 235/16, com as alterações da resolução CNJ 286/19)2 têm crucial importância: atuam ao lado do Conselho Nacional de Justiça no gerenciamento e publicização3 de dados relativos aos temas afetados para julgamento nos sistemas de precedentes e de casos repetitivos.4
Na mesma linha, o Banco Nacional de Demandas Repetitivas e Precedentes Obrigatórios,5 também previsto na resolução CNJ 235/16, centraliza as informações e estatísticas relativas aos julgamentos de repercussão geral, repetitivos e IACs de todo o território nacional, dados essenciais para a compreensão da litigiosidade brasileira. Atualmente, ressalvadas as atualizações pendentes por parte do CNJ e dos tribunais,6 em matéria de IRDR, o Banco indica, por exemplo, que existem 359 temas instaurados na Justiça Estadual, em sua maioria no TJ/MG (68 IRDRs), com um total de 325.925 processos sobrestados em âmbito nacional.
Além do trabalho já desenvolvido pelos NUGEPs, a resolução CNJ 339/20,7 passou a prever a criação e instalação, no âmbito dos Tribunais, de seus Núcleos de Ações Coletivas (NACs).
A instalação dos NACs se preocupa ainda com a efetiva implementação do Cadastro Nacional de Ações Coletivas (CACOL),8 instituído conjuntamente pelo CNJ e pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) com o fim de possibilitar a consulta pública das ações coletivas, inquéritos civis públicos e termos de ajustamento de conduta.9 Nesse banco de dados, é possível verificar, por exemplo, que, dentre os tribunais estaduais, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP) é o que conta com o maior número ações coletivas registradas, no total de 53.317, das quais 89,9% são Ações Civis Públicas, 6,8% são Ações Populares, 2,1% são Mandados de Segurança Coletivos e 1,2% são Ações Civis Coletivas.
Seguindo a linha da resolução CNJ 339/20, no Superior Tribunal de Justiça, em dezembro de 2020,10 o NUGEP foi aperfeiçoado para agregar a gestão dos dados das ações envolvendo direitos coletivos e difusos e promover "o fortalecimento do monitoramento e da busca de eficácia no julgamento das ações coletivas": o Núcleo de Ações Coletivas - NAC,11 passando a ser denominado de NUGEPNAC.
Os NUGEPNACs, junto com os bancos de dados de ações coletivas e de precedentes e temas repetitivos, são ferramentas importantes na promoção do acesso à justiça, da segurança jurídica e da isonomia, desestimulando, ainda, a pulverização de demandas seriadas ou repetidas. As informações auxiliam, por exemplo, na melhor delimitação da controvérsia, na identificação das ações afins e dos titulares dos direitos discutidos e, claro, na identificação e no tratamento de questões processuais relevantes, como conexão, litispendência e coisa julgada.
Nesse sentido, tratando especificamente das ações coletivas, não se pode perder de vista os projetos de lei 4.441/20,12 de relatoria do deputado Paulo Teixeira, e 4.778/20,13 do deputado Marcos Pereira, com o objetivo de alterar a Lei de Ação Civil Pública. Ambos os PLs tratam da publicidade das referidas ações, com ampla atuação do CNJ no cadastro e divulgação das ações coletivas, dos termos de ajustamento de conduta (TACs) e acordos.
Apesar da crítica ao fato de a consulta prévia aos cadastros ser tratada, a nosso ver indevidamente, como requisito necessário à "demonstração do interesse processual" no art. 11 do PL 4.778/20,14 certo é que a busca no Cadastro Nacional - que pode ser feita pelos próprios órgãos cartorários judiciais ou, melhor, pelos NUGEPNACs - é importante ferramenta para a gestão das ações coletivas.15
Revela-se imprescindível, portanto, a atuação conjunta e eficaz dos NUGEPs e NACs na alimentação e atualização dos respectivos Bancos de Dados. Se tratados adequadamente, os dados de tais demandas continuarão dando ensejo ao desenvolvimento dos meios de formação de precedentes e gerenciamento de casos repetitivos e do sistema de ações coletivas.
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1 Ver, sobre o tema: TEMER, Sofia. Incidente de resolução de demandas repetitivas. 4 ed. Salvador: Juspodivm, 2020.
2 Disponível clicando aqui Acesso em 27/1/21. Vejam-se os seguintes exemplos: Clique aqui, aqui, aqui e aqui.
3 Com relação aos casos repetitivos e de repercussão geral, disciplina o art. 979, caput, e § 3º, do CPC, que "serão sucedidos da mais ampla e específica divulgação e publicidade, por meio de registro eletrônico no Conselho Nacional de Justiça".
4 Antes da vigência do CPC/15, os tribunais contavam com o NURER (Núcleo de Repercussão Geral e Recursos Repetitivos) em suas estruturas administrativas, criado pela resolução CNJ 160/12 com o fim de gerenciar os processos submetidos à sistemática da repercussão geral e dos recursos repetitivos e aqueles que foram sobrestados. Com a edição da resolução CNJ 235/16, que revogou a resolução CNJ 160/12, os NURERs foram convertidos em NUGEPs pelos tribunais.
5 O Banco Nacional de Demandas Repetitivas e Precedentes Obrigatórios pode ser consultado clicando aqui Acesso em 27/1/21.
6 A confiabilidade das estatísticas reproduzidas pelo CNJ depende da fiel atualização do sistema. No site do STJ, por exemplo, acessando a consulta aos repetitivos e IACs, verifica-se que há um total de 1.079 repetitivos instaurados, enquanto o Banco do CNJ tem apenas 1.076 repetitivos registrados.
7 Disponível clicando aqui Acesso em 27/1/21.
8 Disponível clicando aqui Acesso em 27/1/21.
9 Resolução Conjunta 2/11. Disponível clicando aqui Acesso em 27/1/21.
10 Resolução STJ/GP 29/20. Disponível clicando aqui Acesso em 27/1/21.
11 Disponível clicando aqui e aqui Acesso em 27/1/21.
12 Disponível clicando aqui. Acesso em 27/1/21.
13 Disponível clicando aqui Acesso em 27/1/21.
14 Art. 11. Proposta a ação, deve-se-lhe dar toda a publicidade possível, por meio de edital, do cadastro a ser criado pelo Conselho Nacional de Justiça, pelo site de agência reguladora envolvida e por outros meios.
§ 1º Do cadastro do Conselho Nacional de Justiça constarão todas as ações coletivas existentes no país, os Termos de Ajustamento de Conduta e acordos realizados, a que se dará publicidade por meio de relatórios mensais.
§ 2º Caberá ao Conselho Nacional de Justiça manter tal cadastro atualizado, com a divulgação de relatórios mensais, que serão necessariamente consultados antes da propositura da ação, para a demonstração do interesse processual e para evitar eventual litispendência.
15 Com relação aos inquéritos civis, o PL 4.441/20 determina ainda a ampla publicidade de acordos coletivos, para viabilizar a adesão de beneficiados (art. 30, § 7º).
Sofia Temer
Doutora e mestre em Direito Processual pela UERJ. Membro do IBDP, do ICPC e da Processualistas. Sócia do escritório Gustavo Tepedino Advogados.
Juliana Esteves
Graduanda na PUC/RJ. Membro do Grupo de Estudos Processuais da PUC/RJ. Colaboradora do escritório Gustavo Tepedino Advogados.