Reparação integral em desastres ambientais decorrentes de barragens de mineração
Assim, se espera que ocorra, afinal, como tem citado o Juiz Federal do caso Samarco: "os atingidos não aguentam mais esperar!"
segunda-feira, 25 de janeiro de 2021
Atualizado em 23 de fevereiro de 2021 09:11
Este artigo faz uma reflexão sobre o modelo ideal de reparação integral para pessoas afetadas por desastres ambientais, decorrentes de rompimentos de barragens de rejeitos de minério. Utiliza como exemplo as medidas adotadas no caso da Mineração Rio Pomba, ocorrido em 10 de janeiro de 2007, no desastre da Samarco (em Mariana) ocorrido em 5 de novembro de 2015 e, por fim, as adotadas no caso da Vale, no dia 25 de janeiro de 2019 (em Brumadinho).
É fato notório que desastres ambientais, como os decorrentes de rompimentos de barragem de rejeitos de minério, geram os mais diversos danos ao meio ambiente afetando e alterando drasticamente o meio físico, químico, social, econômico e cultural. Nas palavras do maior especialista em direito dos desastres no Brasil, Dr. Delton Winter de Carvalho, "Desastre é sempre uma triste derrota de uma comunidade em todos os sentidos: humanos, não humanos, econômicos, sociais e ecológicos1."
Os casos brevemente analisados geraram diversos danos ambientais que, para facilidade de compreensão deste artigo, cita-se de forma resumida. O da Mineração Rio Pomba afetou diretamente a população de Miraí e Muriaé, bem como cidades a jusante e decorreu de rompimento da barragem de rejeito São Francisco, advinda de lavra de bauxita, em um total aproximado de 2 milhões de metros cúbicos. Foi o segundo vazamento da barragem que havia rompido em março de 2006, com um total de 130 mil metros cúbicos2. Os impactos foram os mais diversos:
"Cerca de 60 pessoas ficaram desabrigadas e 765 desalojadas com o rompimento da barragem de rejeitos da Rio Pomba Mineração. Pelo menos 2 mil pessoas foram afetadas pelo vazamento e 35 casas destruídas. Outras 235 moradias precisaram ser reformadas. Duas indústrias também foram danificadas pela mistura de água e argila, que destruiu ainda três pontes urbanas, uma na área rural e interditou 15 ruas, em sete bairros de Miraí. No total, cerca de 150 mil pessoas de municípios da bacia do rio Paraíba do Sul foram afetadas pelo corte no abastecimento de água. A população também sofreu com a falta de informações sobre os riscos de contaminação que os rejeitos poderiam provocar. O alumínio presente na argila aumenta a acidez do solo e, com isso, limita a produção agrícola."
O desastre da Samarco, ocorrido em 5 de novembro de 2015, é considerado o maior já ocorrido no Brasil. Segundo o site do MPF3:
"No dia 5 de novembro de 2015, aproximadamente às 15h30, aconteceu o rompimento da barragem de Fundão, situada no Complexo Industrial de Germano, no Município de Mariana/MG. Além do desastre ambiental, a tragédia ceifou a vida de 19 pessoas.
O empreendimento, sob a gestão da Samarco Mineração S/A, empresa controlada pela Vale S/A e BHP Billinton, estava localizado na Bacia do rio Gualaxo do Norte, afluente do rio do Carmo, que é afluente do rio Doce.
O colapso da estrutura da barragem do Fundão ocasionou o extravasamento imediato de aproximadamente 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro e sílica, entre outros particulados, outros 16 milhões de metros cúbicos continuaram escoando lentamente. O material liberado logo após o rompimento formou uma grande onda de rejeitos, atingindo a barragem de Santarém, localizada a jusante, erodindo parcialmente a região superior do maciço da estrutura e galgando o seu dique, após incorporar volumes de água e rejeitos não estimados que ali se encontravam acumulados.
Em sua rota de destruição, à semelhança de uma avalanche de grandes proporções, com alta velocidade e energia, a onda de rejeitos atingiu o Córrego de Fundão e o Córrego Santarém, destruindo suas calhas e seus cursos naturais. Em seguida, soterrou grande parte do Subdistrito de Bento Rodrigues, localizado a 6 km da barragem de Santarém, dizimando 19 vidas e desalojando várias famílias. Já na calha do rio Gualaxo do Norte, a avalanche de rejeitos percorreu 55 km até desaguar no rio do Carmo, atingindo diretamente várias localidades rurais, como as comunidades de Paracatu de Baixo, Camargos, Águas Claras, Pedras, Ponte do Gama, Gesteira, além dos municípios mineiros de Barra Longa, Rio Doce e Santa Cruz do Escalvado.
No trecho entre a barragem de Fundão e a Usina Hidrelétrica Risoleta Neves (também conhecida como UHE Candonga), a passagem da onda de rejeitos ocorreu de forma mais violenta, acarretando o transbordamento de um grande volume de rejeitos para as faixas marginais do rio Gualaxo do Norte e rio do Carmo, em enorme desproporção à capacidade normal de drenagem da calha desses corpos hídricos, ocasionando a destruição da cobertura vegetal de vastas áreas ribeirinhas, por meio do arrancamento da vegetação por arraste, inclusive com a remoção da camada superficial do solo. Observou-se, também, nessa área a deposição de rejeitos sobre o leito dos rios e vastas áreas marginais, soterrando a vegetação aquática e terrestre, destruindo habitats e matando animais.
Após percorrer 22 km no rio do Carmo, a onda de rejeitos alcançou o rio Doce, deslocando-se pelo seu leito até desaguar no Oceano Atlântico, no dia 21 de novembro de 2015, no distrito de Regência, no município de Linhares (ES).
No trecho entre a UHE Risoleta Neves, no município de Rio Doce (MG), e a foz do rio Doce, em Linhares (incluindo o ambiente estuarino, costeiro e marinho), o material seguiu preferencialmente pela calha do rio Doce, provocando uma onda de cheia especialmente em seu trecho médio (desde a confluência do rio Matipó até a divisa MG/ES), decorrente do aumento do fluxo hídrico gerado pelo rompimento da barragem de Fundão. Esse fenômeno alagou, temporariamente, áreas mais planas das margens, deixando nelas, após a normalização do fluxo, os sedimentos contendo rejeitos de minério. À medida que a onda de rejeitos avançava pela calha do rio Doce, sua força inicial foi dissipando, gerando, nesse trajeto, danos associados à poluição hídrica, mortandade de animais e à interrupção do abastecimento e distribuição de água em vários municípios, como Governador Valadares (MG), Baixo Guandu (ES) e Colatina (ES).
O maior desastre ambiental do Brasil - e um dos maiores do mundo - provocou danos econômicos, sociais e ambientais graves e tirou a vida de 19 pessoas. Os prejuízos que se viram às primeiras horas e que aumentaram com o passar do tempo, projetam-se mesmo hoje como um devir que não tem tempo certo para findar. Danos contínuos e, em sua maioria, perenes."
O desastre da Vale em Brumadinho, ocorrido em 25 de janeiro de 2019, também gerou os mais diversos danos ao longo da bacia do rio Paraopeba. Vale destacar notícia da Ação Civil Pública feita pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais no caso para buscar a reparação integral dos danos. Vejamos4:
"Ação requer reparação integral dos danos socioeconômicos causados pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho
O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) ajuizou Ação Civil Pública (ACP) contra a Vale S/A para reparação dos danos socioeconômicos causados pelo rompimento da barragem na Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho. Em 26 de janeiro, o MPMG propôs tutela cautelar antecedente e a Justiça bloqueou R$ 5 bilhões para a garantia da reparação integral dos danos socioeconômicos e humanos das pessoas atingidas. Nesses autos, foram feitos outros pedidos - todos deferidos - de caráter de urgência, tais como, responsabilização pelo acolhimento e abrigamento das pessoas que tiveram comprometidas sua condição de moradia, disponibilização de transporte, integral assistência aos atingidos por equipe intermultidisplicinar, prestação de informação adequada, fornecimento de alimentação, transporte, água potável, gastos com sepultamento e apoio logístico e financeiro às famílias. A presente ação tem como objetivo obter provimento jurisdicional que afirme a responsabilidade civil da Vale e sua consequente condenação para a reparação integral relativa aos danos sociais, morais e econômicos provocados às pessoas, comunidade e outras coletividades, ainda que indeterminadas, atingidas pelo desastre.
O MPMG realizou um mapeamento preliminar dos danos com a realização de diversas reuniões, entrevistas e visitas técnicas com as pessoas atingidas em 19 municípios (Brumadinho, Mário Campos, São Joaquim de Bicas, Betim, Igarapé, Juatuba, Esmeraldas, Florestal, Pará de Minas, São José da Varginha, Fortuna de Minas, Pequi, Maravilhas, Paraopeba, Papagaios, Curvelo, Pompéu, Caetanópolis e Felixlândia). Em razão desse trabalho foi possível ter contato próximo com as repercussões irradiadas do desastre, registrando-se uma gama de reclamações, demandas e prejuízos que revelaram novas dimensões da magnitude dos danos e dos direitos violados.
A ACP relaciona e expõe uma série de fatos e os consequentes danos deles advindos, entre os quais: perda de vidas humanas; destruição de casas, quintais, moradias, plantações e estruturas de produção; deslocamento forçado de pessoas; mudança abrupta do modo de viver das populações atingidas; desmantelamento, eliminação e/ou enfraquecimento das relações comunitárias e familiares; impedimento e/ou dificuldade de acesso à água; falta de informação e incertezas das pessoas atingidas sobre as repercussões futuras dos danos; desmantelamento, eliminação e/ou enfraquecimento das formas de produção rural nos municípios banhados pelo rio Paraopeba; perda da segurança alimentar das populações atingidas; perda e/ou diminuição das atividades econômicas e/ou comerciais; perda das práticas de lazer e turismo; interrupção de práticas culturais; morte de animais domésticos e/ou de produção; ofensa à saúde coletiva (saúde física e mental); perda dos bens pessoais (veículos, mobília, documentos etc.) e de bens imateriais; impactos e necessidade de gastos extraordinários com infraestrutura e políticas públicas; desvalorização dos imóveis.
Pedidos
O MPMG requer que sejam concedidos a título de tutela de urgência (liminarmente), entre outras medidas:
- Manutenção, em fundo privado próprio, de capital de giro nunca inferior a 100% do valor a ser utilizado, para os 12 meses subsequentes, nas despesas para custeio da elaboração e execução dos planos, programas, ações e medidas tratados neste feito;
- Constituição de garantia suficiente à reparação dos danos, no valor mínimo de R$ 50 bilhões, sem prejuízo do valor já acautelado;
- Custeio integral da contratação de entidades que prestarão assessoria técnica independente às pessoas atingidas;
- Custeio de entidade/corpo técnico multidisciplinar, independente, para elaboração de Diagnóstico Social e Econômico e Plano de Reparação Integral de Danos, bem como para execução dos planos, projetos e ações, inclusive os emergenciais, e de auditoria externa independente para análise finalística e contábil-financeira da execução dos planos;
- Antecipação de indenização de R$ 30 mil para as pessoas atingidas e em valor correspondente às dívidas e financiamentos relacionados às atividades produtivas de agricultores, pecuaristas, piscicultores e empresários que ficaram impossibilitados de serem saldados em razão do desastre;
- Fornecimento de água potável para consumo humano e de água para atividades produtivas, instalação das caixas d'água já entregues que, porventura, não tenham sido instaladas;
- Fornecimento de outros recursos, serviços ou materiais necessários para garantir a subsistência digna das pessoas, famílias e comunidades atingidas (tais como medicamentos, repelente, insumos médicos, transporte, alimentação, equipamentos ou insumos indispensáveis ao restabelecimento das atividades produtivas), que a ela solicitarem, coletiva ou individualmente.
Tendo em vista a necessidade de a Justiça tomar contato pessoal e imediato com a realidade, o MPMG pediu na ACP a realização de audiências públicas judiciais para ouvir a comunidade, garantindo a representatividade das diversas coletividades atingidas ao longo da bacia do rio Paraopeba."
Os desastres ambientais, independente da origem, são geradores dos mais diversos danos e conflitos nos territórios impactados. Quando decorrem de rompimentos de barragens de mineração, objeto deste estudo, tornam-se mais complexos, por conta de danos gerados ao longo de uma bacia hidrográfica afetando contingentes populacionais com características diversas e sem um liame prévio a permitir uma mobilização e luta por direitos de forma unificada. Isso faz com que os processos de reparação integral empreendidos dificilmente possam ser unificados ou padronizados, aumentando a dificuldade de sua efetivação.
- Clique aqui para ver a íntegra do artigo.
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1- O que devemos urgentemente aprender com o novel Direito dos Desastres
2- Informações retiradas do site MAPA DE CONFLITOS ENVOLVENDO INJUSTIÇA AMBIENTAL E SAÚDE NO BRASIL .
3- Clique aqui. Para informações detalhadas dos impactos vide pareceres e relatórios no site do MPF: Pareceres e Relatórios