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Covid-19 e a necessidade do nexo causal para a emissão da CAT

A CAT (Comunicação de Acidente do Trabalho) deve ser emitida para todos os empregados contaminados pelo novo coronavírus?

terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Atualizado às 08:02

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Já não é novidade a ampla discussão trazida em razão da possibilidade da caracterização ou não do covid-19 enquanto doença ocupacional. Todavia, novamente o tema gera repercussão, uma vez que o Ministério da Economia publicou a nota técnica SEI 56376/2020/ME, e o Ministério Público do Trabalho, por sua vez, publicou a nota técnica GT covid-19 20/20, que, aparentemente, possuem determinações conflitantes. Afinal, a CAT (Comunicação de Acidente do Trabalho) deve ser emitida para todos os empregados contaminados pelo novo coronavírus?

Antes de adentrar no mérito que se busca atingir com o presente artigo, é de suma importância salientar a natureza das normas técnicas, independentemente do seu órgão emissor.

A nota técnica é um instrumento pelo qual, determinado órgão exterioriza o seu posicionamento e a sua recomendação, com base em estudos e pesquisas realizados acerca do tema.

Dessa forma, muito embora não se negue a força das notas técnicas, especialmente no que diz respeito ao seu poder de influenciar nas decisões dos magistrados, esta não possui força coercitiva e vinculante.

Dito isso, também é importante Destacar que, conforme já defendido no nosso artigo "A (des)caracterização do covid-19 como doença ocupacional", tal vírus pode ser caracterizado como doença do trabalho.

Buscando introduzir os novos leitores, a Doença Ocupacional, que tem previsão no artigo 20, II, da lei 8.213/91, é caracterizada como modalidade de enfermidade que possui ligação com o trabalho do empregado em razão da forma como este era exercido, todavia, não possui necessariamente um nexo causal com este.

Vejamos:

Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:

[...]

II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.

A temática da discussão da possibilidade ou não da caracterização do covid-19 como doença ocupacional correu em razão do artigo 29 da medida provisória 927, que possui redação semelhante ao § 1º, alínea D, do artigo 20 da lei 8.213/91. Confira-se as redações dos referidos dispositivos legais.

Medida Provisória 927/20

Art. 29. Os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal.

Lei 8.213/91

Art. 20. Omissis...

§ 1º Não são consideradas como doença do trabalho:

[...]

d) a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.

Tais disposições determinavam que, a princípio, o coronavírus não seria considerado doença ocupacional, salvo se o empregado se comprovasse cabalmente que sua contaminação ocorreu no ambiente laboral ou decorrente deste.

Encontrou ainda resguardo, a tese de quem defendia a impossibilidade do enquadramento, a inexistência de previsão do covid-19 no decreto 3.048/99 (anexo II).

Todavia, fora defendido em nossa publicação, com base ainda na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que, no dia 29/4/20, suspendeu a eficácia do artigo 29 da medida provisória (MP) 927/20, que  não seria necessariamente ônus do empregado comprovar o nexo causal, face a dificuldade de tal produção probatória, mas, que, em realidade deveria ser analisar o caso concreto, buscando, dessa forma, analisar a forma como o obreiro exercia seu ofício, bem como se a empresa adotou as medidas cabíveis para prevenção da contaminação do funcionário, em conjunto ainda com a possibilidade de realização de prova pericial  medica a realizada pelo médico perito do INSS, nos termos do artigo  art. 21-A da lei 8.213/91.

Dessa forma, em nossa visão, covid-19 poderia ser caracterizada como doença ocupacional, devendo, para análise do caso concreto, ser averiguada todas as variáveis supracitadas, e não dependendo necessariamente de uma comprovação do nexo causal com ônus probatório exclusivamente do empregado.

Em relação a inexistência de previsão do covid-19 no decreto 3.048/99 (anexo II), defende-se, nesse momento, que tal possibilidade encontra previsão no parágrafo segundo do artigo 20 da lei 8.213/91, face a excepcionalidade da Pandemia vivenciada. Veja-se:

Lei 8.213/91

Art. 20. [...]

§ 2º Em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação prevista nos incisos I e II deste artigo resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho.

Nessa entoada, em entendimento semelhante ao nosso, o Ministério da Economia, em sua nota técnica SEI no 56376/2020/ME, concluiu o seguinte:

Nota Técnica SEI no 56376/2020/ME

Conclusão

Ante o exposto, resta evidenciado que "à luz das disposições da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, a depender do contexto fático, a covid-19 pode ser reconhecida como doença ocupacional, aplicando-se na espécie o disposto no § 2º do mesmo artigo 20, quando a doença resultar das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relacionar diretamente; podendo se constituir ainda num acidente de trabalho por doença equiparada, na hipótese em que a doença seja proveniente de contaminação acidental do empregado pelo vírus SARS-CoV-2 no exercício de sua atividade (artigo 21, inciso III, lei no 8.213, de 1991); em qualquer dessas hipóteses, entretanto, será a Perícia Médica Federal que deverá caracterizar tecnicamente a identificação do nexo causal entre o trabalho e o agravo, não militando em favor do empregado, a princípio, presunção legal de que a contaminação constitua-se em doença ocupacional."

Diante de uma análise da conclusão colacionada, tem-se que o Ministério da Economia entendeu de forma semelhante, todavia, destinou como principal meio probatório para enquadramento do novo coronavírus como doença ocupacional a realização de perícia médica.

Acredita-se, de fato, que a perícia médica seja um meio importantíssimo para conclusão de existência ou não de nexo causal.

Todavia, não há como ignorar os demais meios probatórios, especialmente os que dizem respeito às condições nas quais o labor era exercido, bem como a utilização ou não das medidas de prevenção.

Isto porque, como é sabido, é possível a caracterização da responsabilidade do empregador em razão da culpa, em sua modalidade negligência.

Ou seja, o empregador que for negligente com seu empregado, no que tange a saúde deste, de forma especial em relação a prevenção do novo coronavírus, de tal sorte que, além da caracterização do covid-19 como doença do trabalho, em tal situação o empregador poderia ser responsabilizado pelas consequências do desencadear da doença.

Tanto é assim, que no texto da nota técnica, o próprio Ministério da Economia atesta que deve ser levado como fator contribuinte para caracterização os casos em que os empregados que trabalhem em situação de maior exposição.

Nota Técnica SEI no 56376/2020/ME

As circunstâncias específicas de cada caso concreto poderão indicar se a forma como o trabalho foi exercido gerou risco relevante para o trabalhador. Além dos casos mais claros de profissionais da saúde que trabalham com pacientes contaminados, outras atividades podem gerar o enquadramento.

Nesse contexto, como é sabido, todo o referido percurso seria necessário para a caracterização do covid-19 como doença ocupacional, que é fator desencadeador para a emissão do CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho), bem como as demais consequências já demonstradas no artigo anterior, especialmente a garantia provisória de emprego prevista no artigo 118 da lei 8.213/91.

Ocorre, que o Ministério Público do Trabalho, em sua nota técnica GT covid-19 20/20 recomenda que seja necessário a emissão do CAT para todos os funcionários que sejam contaminados pelo covid-19, inclusive aqueles que estiverem apenas sob uma condição de suspeita por critérios clínicos-epistemológicos. Confira-se:

7.1. DEVERÃO os médicos do trabalho, havendo a confirmação do diagnóstico de covid-19, seja por testes ou por critério clínico-epidemiológico, solicitar à empresa a emissão da Comunicação de Acidente do Trabalho (CAT) (NR 7, ITEM 7.4.8), ainda que na suspeita de nexo causal com o trabalho (art. 169 da CLT);

Todavia, data máxima vênia a posição do respeitável parquet, muito embora, de fato, seja indicado o afastamento do empregado sob condição de suspeita, como forma de medida sanitária preventiva ao vírus, não há que se falar em emissão de CAT para todos os funcionários contaminados.

Muito embora na referida nota técnica seja utilizado o termo "suspeita de nexo causal", tal determinação, inegavelmente, ocasionaria a necessidade de emissão de CAT para todos os empregados, visto que seriam raros os casos em que se excluiriam completamente a hipótese de contaminação decorrente do ofício exercido.

Isto porque, muito embora o artigo 169, CLT, preveja a necessidade da notificação, mesmo diante de suspeitas, acredita-se que, tendo em vista que a possibilidade enquadramento do covid-19 como doença ocupacional encontra previsão na exceção do parágrafo 2º do artigo 20, lei 8.213/91, e, tal dispositivo legal, exige que, para que sejam aplicados os seus ditames, torna-se imprescindível que reste cabalmente demonstrado que a enfermidade ocorreu em razão das peculiaridades nas quais o o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente.

Nesse contexto, acredita-se que primeiramente deve ser demonstrado o nexo causal entre a contaminação do empregado e o trabalho desempenhado, para que seja necessária a emissão do CAT.

Dessa forma, defende-se, em comunhão com o artigo outrora publicado, que é necessário a demonstração do nexo causal entre a contaminação do empregado e o seu ofício, devendo, em tal análise, ser destacado todos os meios de provas cabíveis, especialmente a perícia técnica médica, bem como a forma como o ofício era desenvolvido e a adoção ou não de métodos de prevenção da contaminação pelo coronavírus, para que seja necessária a emissão do CAT.

Pedro Henrique de Castro Gonçalves Leitão

Pedro Henrique de Castro Gonçalves Leitão

Advogado do escritório Aguiar Advogados. Pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho.

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