A Justiça eleitoral e sua incompetência para inclusão do artigo 9º da lei 8.429/92 em razão da súmula 41 do TSE
A Corte Eleitoral tem tomado decisões que são confusas, aplicando uma insegurança jurídica enorme em seus posicionamentos para caracterização da inelegibilidade por ato de improbidade administrativa.
sexta-feira, 22 de janeiro de 2021
Atualizado às 12:30
A Justiça eleitoral, através de sua Corte, o TSE, após as modificações na lei da Ficha Limpa, que foi a primeira Lei de cunho popular, vem decidindo questões que trazem uma insegurança jurídica sem um precedente fixo.
Em se tratando de inelegibilidade, nas épocas de eleições, geralmente os candidatos com algum processo judicial, são levados pelo Ministério Público ou pelos Opositores, a se definir seu Registro de Candidatura, até a palavra final do TSE.
Quando um candidato possui condenações por ato de improbidade administrativa, transitado em julgado, ou julgado por órgão colegiado, tem seu registro de candidatura sempre analisado pela Justiça Eleitoral, de acordo com o artigo 1º, inciso I, alínea "l" a LC 135/101.
A Lei de Improbidade Administrativa 8.429/92, possui 4 (quatro) tipos de Improbidade, podendo ser condenado cumulativamente. No artigo 9º, que é o objeto deste artigo, trata-se das pessoas que obtiveram enriquecimento ilícito.
No artigo 10, são dos que causam lesão ao patrimônio público, seguido pelo artigo 10-A, que decorrem de concessão ou aplicação de benefício financeiro ou tributário. Finalizando no artigo 11, aos que atentam contra os princípios da Administração Pública.
Após numa eventual condenação em qualquer um dos tipos de improbidade administrativa, suas sanções são tipificadas no artigo 12, começando pelo inciso I, que se remete aos que foram condenados pelo artigo 9º, já o artigo 12, inciso II, nas hipóteses do artigo 10, no artigo 12, inciso III, pelas incidências do artigo 11, finalizando pelo artigo 12, inciso IV, pela aplicação do artigo 10-A.
A definição das suas aplicações, são bem simples, de uma forma didática, porém quando uma pessoa tem condenação transitada em julgado ou por órgão colegiado, no período legal, solicita o Registro de candidatura, a Justiça Eleitoral vai analisar sob a égide do artigo 1º, inciso I, alínea "l".
A única definição que o TSE definiu na questão, foi de que, para incidência de inelegibilidade na alínea "l", são necessários que todos os requisitos sejam concomitantes, na ausência de um deles, não se caracteriza a inelegibilidade.
O ministro Gilmar Mendes no RO 288045, deixou pacificado, que nem todo ato de improbidade administrativa é capaz de fazer incidir a inelegibilidade2. Tratou pontuar de acordo com os dispositivos legais da condenação da Justiça Comum, que se trata da aplicação mais correta dos acórdãos vistos do assunto3.
O ponto que gera debates intensos, são do requisito do enriquecimento ilícito, pois existem entendimentos que é desnecessário constar no acórdão tal condenação, podendo a Justiça Eleitoral analisar os requisitos, conforme decisão do ministro Tarcísio Vieira de Carvalho Neto no RESP 36966/MG4.
Como corrobora o artigo, são 4 (quatro) requisitos concomitantes, que o (i) agente tenha expressamente a suspenção de deus direitos políticos, (ii) tenha trânsito em julgado ou prolatada por órgão colegiado judicial, (iii) seja reconhecido ato doloso de improbidade administrativa, (iv) declare que o ato doloso de improbidade administrativa representou enriquecimento ilícito e, cumulativamente, dano ao erário.
Dessa forma, deverá a Justiça eleitoral analisar se na decisão, realmente a Justiça comum definiu tais cumulatividades, não podendo analisar tipificações que nem sequer foram objetos da demanda.
Uma afronta enorme quando a Justiça eleitoral, afere e inclui quaisquer requisitos de inelegibilidade, que não foi debatido com provas, como feito na Justiça comum. Esse posicionamento por parte da Especializada, traz insegurança jurídica na aplicação e, muita discricionariedade nas decisões.
Para evitar essa intromissão da Justiça eleitoral nas decisões da Justiça comum, foi editada a súmula 41 do TSE5.
Essa Súmula, quase nunca seguida à risca pelos Julgadores, aplicando seu bel prazer, analisando os acórdãos da justiça comum e, colocando o que bem entender, mesmo após não ter o contraditório como teve na ação de improbidade administrativa. No RESp 154.1446, tem decisões acertadas.
Em muitas decisões da Justiça eleitoral, por exemplo, RO 140804 da ministra Maria Thereza Rocha de Assis Moura, que citou, "embora ausente o enriquecimento ilícito na parte dispositiva da decisão condenatória de improbidade administrativa, incide a inelegibilidade se é possível constatar que a justiça comum reconheceu sua presença".
No acórdão do RESp 5039, "é lícito à Justiça Eleitoral examinar por inteiro o acórdão da Justiça comum em que proclamada a improbidade, não podendo incluir ou suprimir nada, requalificar fatos e provas, conceber adendos e refazer conclusões". Percebe-se que existe uma ampla contradição na aplicação da inelegibilidade.
Esse objeto foi questionado na ADPF 778, que está no STF com a ministra Carmen Lúcia.
Desenvolvimento.
A Justiça eleitoral, toma decisões sobre inelegibilidade com base na alínea "l" da lei da Ficha Limpa, que não deveria, ou seja, para sua aplicação como vem sendo feita atual, necessita de mudança na lei, através de processo Legislativo.
A competência para julgar ações de improbidade administrativa, é da Justiça comum, que são adstritas no Direito Administrativo, sendo com base no princípio da legalidade e da tipicidade.
Se existe um acórdão transitado em julgado, com condenações que foram pela ausência de enriquecimento ilícito, com base no artigo 9º da lei 8.429/92, fazendo coisa julgada material, como pode a justiça eleitoral aplicar esse requisito analisando novamente o acórdão?
Se for remeter no que seria o enriquecimento ilícito, esse como ato de improbidade administrativa, está bem evidente na lei. Pois é extraído da condenação na lei de Improbidade Administrativa, não há justificativa para argumentar e incluir sem estar na parte dispositiva da decisão.
Mesmo que a fundamentação ou os motivos não são alcançados pela coisa julgada material, a Justiça eleitoral não é competente para julgá-la conforme bem entender.
Se a Justiça eleitoral manter esse posicionamento que vem tomando, violam os limites objetivos da lide, com base no artigo 503 do CPC, quando ainda não transitado em julgado o título judicial, ou da coisa julgada com base nos artigos 502 e 504 do mesmo Códex. Sem contar que usurpam a competência do órgão judiciário comum.
Em observância ao dispositivo da condenação, incluir qualquer sanção pela Justiça Eleitoral, estariam processando e julgando pelos mesmos fatos, sendo vedado com base no artigo 508 do Código de Processo Civil, sobre a eficácia preclusiva da coisa julgada.
Desta feita, a violação dos princípios constitucionais pela Justiça eleitoral, quando condenar novamente com base nos mesmos fatos, atingem o princípio da legalidade, tipicidade, do devido processo legal, do contraditório e ampla defesa e do Juiz natural.
Enquadrar uma inelegibilidade, reanalisando apenas a fundamentação, a Justiça Eleitoral, sem que tenha constado uma conduta típica de forma cumulativa e a sanção no dispositivo, julgando novamente os fatos e valorando provas, firmando que o agente praticou conduta na lei 8,429/92, que não constou no dispositivo, é totalmente incabível.
No ponto que causam dúvidas quando analisa pela Corte eleitoral, se dá pela confusão entre enriquecimento ilícito e ressarcimento ao erário. Esse último tem caráter compensatório e não como pena, pois seu caráter não é punitivo, como o enriquecimento ilícito7.
Cumpre salientar que, de acordo com o STJ, o ressarcimento do dano, desde que ocorrida repercussão patrimonial negativa no erário, não é sanção, mas, consequência da lesão econômico-financeira, de tal sorte que é dever jurídico de restituição. Corolário é que "caracterizado o prejuízo ao erário, o ressarcimento não pode ser considerado propriamente uma sanção, mas apenas consequência imediata e necessária de reparação do ato ímprobo, razão pela qual não pode figurar isoladamente como penalidade"8.
Não devendo reconhecer a causa de inelegibilidade prevista no artigo 1º, I, alínea "I", da LC 135/10.
Considerações finais
Por certo que a Justiça Eleitoral usa fazer um novo julgamento com o que bem entender da decisão da Justiça Comum, violando princípios constitucionais, barrando injustamente candidatos que não preenchem os requisitos de inelegibilidade na alínea "l".
A Justiça Eleitoral, deve julgar conforme os dispositivos das decisões da Justiça Comum, não devendo valorar provas ou julgar sobre os mesmos fatos já decidido pelo Justiça competente.
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1- l) os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena;
2- "Nem toda condenação por improbidade administrativa é capaz de fazer incidi-la [inelegibilidade], mas somente as que preencham cumulativamente os requisitos elencados: i) decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado do Poder Judiciário; ii) condenação em improbidade administrativa na modalidade dolosa; iii) conduta ímproba que acarrete dano ao erário e enriquecimento ilícito; iv) condenação à suspensão dos direitos políticos; v) prazo de inelegibilidade não exaurido."
3- "Com efeito, diferentemente do TRE/SP, entendo que o registro da candidatura de José Izidro Neto deve ser deferido, uma vez que se mostra incontroverso que o recorrente fora condenado tão somente nos arts. 10 e 11 da lei 8.429/92, ficando ausente, portanto, um dos requisitos indispensáveis a atrair inelegibilidade do art. 1º, inciso I, alínea l, da LC 64/90, qual seja, a condenação também por enriquecimento ilícito, descrita no art. 9º da lei de improbidade"
4- Nesse contexto, forçoso reconhecer a incidência da causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, l, da LC nº 64/90, na linha da jurisprudência fixada pelo Tribunal Superior Eleitoral, especialmente no que concerne à possibilidade de a Justiça Eleitoral "examinar o acórdão da Justiça Comum - em que proclamada a improbidade - em seu conjunto" (REspe nº 50-39/PE, Redator para o acórdão o Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, PSESS de 13.12.2016), o que afasta a necessidade de o enriquecimento ilícito estar expressamente consignado no dispositivo do acórdão da ação de improbidade administrativa. (RESPE - Recurso Especial Eleitoral nº 36966/MG, Acórdão de 14/09/2017, Relator(a) Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto)
5- Não cabe à Justiça Eleitoral decidir sobre o acerto ou desacerto das decisões proferidas por outros órgãos do Judiciário ou dos tribunais de contas que configurem causa de inelegibilidade.
Ac.-TSE, de 10.5.2016, no PA nº 32345.
6- Não cabe à Justiça Eleitoral proceder a novo enquadramento dos fatos e provas veiculados na ação de improbidade para concluir pela presença de dano ao erário e enriquecimento ilícito, sendo necessária a observância dos termos em que realizada a tipificação legal pelo órgão competente para o julgamento da referida ação.
7- Como frisado, impera correlação entre a espécie de improbidade administrativa e o bloco sancionador respectivo. Assim, por exemplo, se ocorrido enriquecimento ilícito de agente público a sentença só pode aplicar as sanções do inciso I do art. 12, por sua correspondência ao art. 9º. Contemplando cada uma dessas relações sanções fixas ou variáveis em função do tempo e do valor a dosimetria deve esclarecer a quantidade ou dimensão adotada dentro de cada um dos limites legais. Se, contudo, o ato praticado puder ser classificado em mais de uma espécie de improbidade administrativa, haverá o fenômeno da absorção, resolvendo-se pela espécie e consequente reprimenda de maior gravidade.
8- STJ, REsp 1.376.481-RN, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 15-10-2015, v.u., DJe 22-10-2015
Wellison Muchiutti Hernandes
Procurador Geral do Município de Sidrolândia/MS; Advogado e Professor Universitário; Pós graduado em Direito Público com ênfase em Gestão Pública (Complexo Damásio de Jesus), Direito Penal (Faculdade Metropolitana de São Paulo) e Mestrando em Direito, Justiça e Desenvolvimento no IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público); Ex-Vice-prefeito da Cidade de Sidrolândia/MS (2017-2020).