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Alienação parental: O que é? O que não é? E por que é invisível ao judiciário?

O conceito da Alienação Parental é oriundo dos estudos do psiquiatra estadunidense Richard A. Gardner, nos anos 1980, e de pesquisadores do comportamento infantil pós-divórcio dos pais.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

Atualizado às 13:43

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Olá colegas migalheiros!

O artigo de hoje aborda esse tema da Alienação Parental, que não é novo, mas ainda causa muito polêmica, confusão, decisões judiciais equivocadas, etc.

O conceito da Alienação Parental é oriundo dos estudos do psiquiatra estadunidense Richard A. Gardner, nos anos 1980, e de pesquisadores do comportamento infantil pós-divórcio dos pais. Mas a lei 13.218/10 que trata da Alienação Parental é o resultado de debates, opiniões e questionamentos de pais, filhos, profissionais da Psicologia, Direito, Medicina e áreas afins, cientistas e pessoas interessadas no tema, que trouxeram suas contribuições para a estruturação da referida lei, em consonância com a triste realidade brasileira ("órfãos de pais/mães vivos", em quantidade significativa demais para ser ignorada!). Então, as críticas à pessoa dos pioneiros deste tema ignoram o fato de que a Alienação Parental é um fenômeno mundial, ocorre "desde que o mundo é mundo", sem distinção de classe social, faixa etária, raça/etnia, escolaridade, etc. Para comprovar o que estou dizendo, vejam o excerto da obra de Henry James, "Pelos olhos de Maisie" (original de 1857), p. 18:

(...); porém, conseguiu lembrá-las cinco minutos depois quando, na carruagem, sua mãe, toda beijos, fitas, olhos, braços, ruídos estranhos e cheiros gostosos, lhe perguntou: "E o biltre do seu pai, meu anjinho, mandou um recado para a sua mamãezinha querida?". Só então ela constatou que as palavras pronunciadas pelo biltre do seu pai tinham, afinal, entrado em seus ouvidos atônitos, de onde, atendendo ao pedido da mãe, elas passaram direto para seus lábios cândidos, de onde saíram numa voz límpida e estridente: "Ele pediu para eu dizer", repetiu ela, direitinho, "que a senhora é uma grandessíssima vaca!" (JAMES, 1857, p.18).

A propósito, em que pese a linguagem refinada da obra, com vocabulário que só vejo em Machado de Assis e Eça de Queiroz (no livro "Os Maias" aparece essa palavra!), a palavra "biltre" não é nem um pouco refinada: segundo dicionários, significa: que ou quem age de forma vil; canalha, infame. A música "Caluda, Tamborins" do compositor e ator Mário Lago também trazia essa palavra: "Um biltre meu amor arrebatou...". Ou seja, já naquela época existia a representação desse conflito familiar secular. A teoria de Gardner só 'deu o nome' para esse fenômeno...

Há também uma polêmica em relação ao termo 'Síndrome' de Alienação Parental, alegando-se que não se pode falar em 'síndrome' porque nem a própria Alienação Parental foi classificada como 'doença', seja pelo DSM-V (2014) nem pelo CID 11 (que vai vigorar em 2022). Ocorre que a lei 12.318/10 se refere à "alienação parental" porque procura coibir os atos de alienação parental, para que a criança não fique exposta aos efeitos da síndrome de alienação parental, que podem apresentar formas e intensidades imprevisíveis (por isso é uma síndrome).

Assim, a atual versão do DSM-V dispersou o diagnóstico de Alienação Parental (ou Síndrome de Alienação Parental) nas seguintes classificações:

  • V61.20 (Z62.820) - Problemas de relacionamento entre pais e filhos (atitudes e/ou sentimentos negativos dos pais contra as crianças).
  • V61.29 (Z62.898) - Criança afetada pelo sofrimento na relação dos pais (quando o casal ou a família apresenta altos níveis de conflito, brigas, ofensas, agressões, presenciados pela criança ou que esta ficou sabendo).
  • Grupo 995.51 - Abuso psicológico da criança (art. 3º da lei 12.318/10).
  • 300.19 (F68.10) - Transtorno factício (falsificação de sintomas em si e/ou em outrem - ex.: acreditar que a criança foi violentada, e causar lesões na criança para imputar culpa ao outro genitor).
  • 297 e 298 - Transtornos psicóticos (quando a família é disfuncional, e um (ou mais) membros apresenta algum delírio (ex.: quando a mãe transfere, consciente ou inconscientemente, suas inseguranças, raiva e incômodo pela criança continuar se encontrando com o pai, ou nas falsas acusações de abuso sexual, quando o acusador, geralmente com algum componente deliroide, transfere seus delírios para a criança de que o abuso "ocorreu").

E, em que pese não termos (ainda!) a visibilidade da AP no DSM-V, ela já aparece na próxima edição do CID-11, que será apresentado para adoção dos Estados Membros em maio de 2019, durante a Assembleia Mundial da Saúde, e entrará em vigor em 1º de janeiro de 2022. No caso, a "'alienação parental' ou 'alienação dos pais' aparece no CID-11 sob uma subcategoria mais ampla: 'Caregiver-child relationship problem' (QE52.0). Isso significa que os profissionais de Saúde Mental não estão vendo a AP somente como uma questão "jurídica" e sim como um grave problema que acomete o psiquismo das crianças e familiares envolvidos em litígios. A inclusão da AP no CID-11 agilizará a avaliação e a aplicação de encaminhamentos para tratamento psiquiátrico e terapias psicológicas. (IBDFAM, 2018).

Por outro lado, muitas pessoas estão alegando "ocorrência de AP", para interesse próprio, e não da criança/adolescente, e/ou encobrindo comportamentos inadequados reais, o que está deturpando o sentido da lei, o que está "dando razão" a quem queira revogar a lei.

  • Não dar atenção às necessidades do filho, não interagir com ele, deixá-lo com terceiros (avó, empregada) e sai com os amigos ou namorado(a), não se interessar pelas tarefas escolares; daí alega "não entender" por que o filho não tem mais vontade de ir com ele(a);
  • Humilhação, piadinhas, exclusão; agressão ou violência real (pais/mães abusadores que invocam a lei da AP para encobrir seus comportamentos inadequados);
  • Por vezes, quem mais acusa o(a) outro(a) genitor(a) de AP, não percebe que é quem mais prática: fala mal do(a) outro(a), acusa o(a) outro(a)...
  • Exigir a presença da criança em convivência presencial durante a pandemia, sem respeitar a rotina, idade, e condições fáticas:
  • Se a criança tem pouca idade, ainda sem a imunização completa das demais doenças, e pode ser suscetível à covid-19;
  • Se o(a) genitor(a) vai buscar/devolver a criança em transporte público, sujeito a aglomerações;
  • Exigir a convivência virtual de forma excessiva, e obsessiva, causando incômodo e desconforto para a criança: crianças pequenas não ficam muito tempo na frente das telas, logo se distraem com outras atividades, querem correr, pular, e o(a) genitor(a) não-convivente alega que o(a) outro(a) está praticando AP.
  • Crianças maiores e em idade escolar podem ter as tarefas online e o(a) outro(a) genitor(a), que não tem o hábito de acompanhara a rotina escolar em condições normais, não entende que o filho tem que se dedicar às tarefas escolares normalmente.

Esse uso indevido da Lei da Alienação Parental (12.318/10) embasa os movimentos equivocados que exigem sua revogação - e para isso, manipulam bancadas parlamentares extremistas, órgãos de classe desinformados, entidades da sociedade civil. O mau uso não pode ser argumento para a revogação da Lei da Alienação Parental. A Lei Maria da Penha também é mal utilizada (mulheres que alegam ser vítimas de violência, quando são elas próprias as agressoras!) e nem por isso o Congresso se mobiliza para revogá-la, pelo contrário, fazem emendas e alterações legislativas para preservá-la e melhorá-la. Por que não fazer o mesmo com a Lei da Alienação Parental? A lei precisa ter mecanismos de proteção contra o mau uso, severas punições a quem utilizá-la indevidamente, etc.

Mesmo com a existência de uma lei própria, vigente há 10 anos, resistindo bravamente às manobras inidôneas para revogá-la, existem diversos fatores do porquê a Lei da Alienação Parental não é devidamente aplicada e, consequentemente, a Alienação Parental se torna "invisível" (ao Judiciário, ao Setor Técnico e, por consequência, à sociedade):

  • Insuficiência ou inexistência de critérios para comprovação da experiência ou qualificação do psicólogo para avaliar AP;
  • Ausência de parâmetros legais da Lei da AP para definir o que seja "comprovada experiência ou conhecimento": falta uma Norma Regulamentadora (ou decreto);
  • Inexistência de testes ou instrumentos psicológicos específicos para se identificar AP (não podem ser desenvolvidos porque o CFP e CRPSP já se posicionaram a favor da revogação da lei da AP);
  • Psicólogo não observa o contexto familiar, quando p.ex. uma acusação de abuso sexual 'surge' repentinamente depois que outras tentativas de obstrução do contato da criança com o(a) outro(a) genitor(a) falharam, ou por haver um litígio por pensão, GC ou partilha de bens;
  • Psicólogo deixa de observar outros elementos do processo que comprovam os atos de AP, e confunde AP com SAP, dizendo que "se a criança ainda gosta daquele(a) genitor(a), não está ocorrendo AP";
  • Psicólogo deixa de apontar indícios ou evidências de AP, temendo serem denunciados no CNJ e/ou CRP (o CRPSP já se posicionou pela revogação da lei 12.318/20 (Lei da AP), então acolhe denúncias ilegais e ilegítimas contra psicólogos que mencionem a ocorrência de indícios ou atos de AP), como se fosse uma denúncia ética, ainda que sem previsão legal, porque os(as) alienadores(as) querem praticar os atos de AP livre e impunemente, manipulando os órgãos de classe com inverdades, calúnias aos profissionais, 'chantagens emocionais'.

Do mesmo modo, quando os psicólogos judiciários partem da premissa de que "toda acusação de abuso sexual é sempre verdadeira", que "criança não mente", psicólogos sem qualificação (convocados para avaliar caso de acusação de abuso, violando gravemente as alíneas 'b', 'c' e 'k' do Código de Ética - resolução CFP 10/05) e que, mais grave, também não veem motivos para aprimorar a qualidade de sua avaliação para observar as diferenças e contextualizar a acusação em um cenário de litigiosidade entre os pais. Surgem, então, laudos em que sintomas inespecíficos e rotineiros da criança, como chorar ou urinar nas roupas, são interpretados como 'sintomas de abuso', e assim o psicólogo desconsidera a hipótese de que aquela acusação de abuso possa ter sido uma história introduzida artificialmente, descartando indevidamente a ocorrência de AP.

E o artigo 699 do CPC/15 menciona a Alienação Parental, nos seguintes termos:

Art. 699 (CPC - 2015). Quando a causa envolver a discussão sobre fatos relacionados a abuso ou alienação parental, o juiz tomará o depoimento do incapaz, acompanhado de especialista.

Contudo, nem sempre esse artigo é acatado nos processos judiciais: advogados e psicólogos Assistentes Técnicos dos pais/mães alvos da AP invocam o cumprimento deste dispositivo, reivindicando a presença de especialistas na oitiva da criança/adolescente, mas em muitos casos, na prática, os juízes realizam a oitiva somente com a participação do Ministério Público sem a presença dos psicólogos, ou os psicólogos judiciários não são 'tão' especialistas assim, não conhecem muito de Alienação Parental ou não cogitam que uma acusação de abuso sexual possa ser um recurso da Alienação Parental, presumindo-a sempre 'verdadeira'.

Enfim, é um assunto polêmico, que rende muita discussão, mas vai ficar para os próximos artigos!

Até lá, e ótima semana a todos!

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BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível clicando aqui. Acesso em: 17 mar. 2015.

IBDFAM. Entrevista: Alienação Parental no CID-11 - Abordagem médica.  16/08/2018. Disponível clicando aqui. Acesso em set/2018.

JAMES, H. Pelos olhos de Maisie. São Paulo: Companhia das Letras, [1857]/1994.

SILVA, D.M.P. Psicologia Jurídica no Processo Civil Brasileiro. 4. ed. Curitiba: Juruá, 2019. (vols. 01 e 02).

Denise Maria Perissini da Silva

Denise Maria Perissini da Silva

Psicóloga clínica e jurídica. Mestre em Ciências Humanas pela UNISA. Coordenadora da pós-graduação em Psicologia Jurídica. Colaboradora Comissões de OAB/SP. Autora de livros de Psicologia Jurídica de Família.

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