Impugnação de malha fina de imposto de renda e a autodefesa do contribuinte
É induvidoso, portanto, que os contribuintes têm assegurado mecanismos úteis à solução de demandas jurídicas tributárias.
quarta-feira, 20 de janeiro de 2021
Atualizado às 14:20
É bastante comum ver equívocos procedimentais praticados por contribuintes ao serem notificados pela Receita Federal quanto a eventuais problemas decorrentes da apuração de malha fina do Imposto de Renda Pessoa Física, uma vez que desconhecem a possibilidade de apresentarem defesa (impugnação) do lançamento do tributo sem a necessidade de procedimentos complexos, sem nem mesmo comparecimento às unidades de atendimento presencial do órgão.
O interessado pode valer-se do simplificado sistema e-DEFESA, disponível no sítio eletrônico da Receita Federal, onde é possível juntar sua manifestação e documentos comprobatórios para desconstituir a notificação de lançamento que tenha recebido e, com isso, suspender a exigibilidade do crédito tributário a ela relacionado, apresentando as razões que deseja apreciação e julgamento.
Evidentemente, pode ser desafiador para a maioria das pessoas não habituadas aos senões jurídicos realizar tais providências, especialmente na área tributária, mas o exercício ao direito de defesa deve ser exercitado por todos, seja através de um profissional contratado ou mesmo pelo próprio contribuinte, que pode se valer do passo-a-passo descrito no vídeo institucional disponibilizado pelo Fisco Federal (disponível aqui. devendo realizar o procedimento pela forma digital, sem necessidade de comparecimento presencial e agendamento de visita, que normalmente é demorado e burocrático.
É importante alertar que a defesa realmente pode ser apresentada de forma simplificada, mas é relevante que os interessados a façam mediante indicação de critérios jurídicos mínimos para tornar útil o procedimento administrativo escolhido, sem esquecer do importantíssimo acompanhamento do resultado de julgamento através da plataforma do e- CAC, a fim de que não percam o prazo de eventual recurso da decisão. Devem, ainda, instruir o pedido com os documentos necessários à comprovação dos argumentos indicados na impugnação, pois será dos contribuintes o ônus de demonstrar motivos suficientes à desconstituição da malha fina, evitando argumentos genéricos e meramente protocolares (erro muito comum em processo administrativo tributário).
Nos casos mais complexos, o desconhecimento da área pode levá-lo a ter que se valer de processo judicial para resolver pendências mal encaminhadas, as quais poderiam ser solucionadas através da via administrativa, perdendo, ainda, o direito aos descontos previstos na legislação.
É igualmente relevante que as pessoas físicas tenham conhecimento de que, desde dezembro de 2020, a recém promulgada lei 13.988/20, regulamentada pela portaria 340 do Ministério de Estado da Economia, criou o Processo Administrativo Tributário de menor valor no âmbito da administração tributária federal, atribuindo competência para julgamento do contencioso administrativo de valores até 60 (sessenta) salários mínimos a órgão colegiado diverso do CARF (Contencioso Administrativo de Recursos Fiscais), de forma que tais demandas passaram a ser julgadas em instância única que compõe as próprias Delegacia da Receita Federal. Tal informação é importante para que se saiba o caminho a seguir em caso de eventual indeferimento, o que reforça atenção à estratégia.
Atente-se que o procedimento de revisão realizado pelo Fisco, muitas vezes, advém de equívocos simples na declaração do Imposto de Renda anualmente apresentada, portanto, o fato de terem sido encontradas inconsistências não significa que os envolvidos possam ser rotulados como sonegadores ou afins, cabendo-lhes a correção da circunstância problemática ou impugnação à notificação de lançamento e apresentação das devidas comprovações.
Erros muitos comuns consistem, por exemplo, em comprar e vender imóveis sem pagamento do ganho de capital, aplicar recursos na bolsa de valores e não tributar o ganho do IR no mês de competência, deixar de declarar rendimentos extras presumindo que as retenções na fonte representam o valor total a pagar em cada mês, realizar operações com criptomoedas e não informar as transações com "exchanges" nacionais ou internacionais, receber ativos de herança sem os lançar adequadamente na declaração, ocasionando presunção de falsa renda tributável pelo IR, auferir rendimento no Brasil de operações havidas no exterior, bônus, comissões e afins e não informá-los adequadamente, inclusive, sem pagamento de impostos, receber capital de terceiro em conta corrente sem indicação correta de origem, apresentar informações divergentes dos informes de rendimentos, ultrapassar montantes a deduzir da base de cálculo, dentre incontáveis outras hipóteses.
Há estratégias relevantes para os contribuintes interessados em prevenir esse tipo de problema e, apesar de serem recomendações simples, podem e devem ser analisadas, a saber:
1º) Sempre apresentar a declaração do IR no prazo, pois a multa pela não apresentação pode chegar a 20% (vinte por cento) do imposto devido, além de ter que pagar o próprio tributo e acréscimos moratórios. Assim, mesmo que estejam faltando informações, é melhor retificar uma declaração eventualmente problemática que justificar uma não apresentada.
2º) Procurar retificar antes da malha fiscal, que em 2020 alcançou mais de um milhão de contribuintes, os quais precisam atentar ao fato de que muitos procedimentos fiscalizatórios são parametrizados com cruzamento de dados, portanto, o fato destes não serem submetidos à tributação não significa que o Fisco não os detenha. Lembre-se que o contribuinte tem o benefício previsto no art. 138 do Código Tributário Nacional, que contempla o instituto da denúncia espontânea, autorizando-o a corrigir as informações até que a administração tributária inicie procedimentos fiscais a ele referíveis.
3º) As notificações são automáticas e a maioria independe sequer de ações humanas, consequentemente, as declarações de IR são observáveis de forma algorítmica, baseado em perfis de alcance pretendido pelo Fisco. Aliás, é dever da administração tributária rastrear a maioria das operações possíveis, portanto, não se deve acreditar ou pressupor que o fato de não informar algo seja estratégia relevante para fins tributários.
Evidentemente, há inúmeros equívocos procedimentais da própria parametrização fiscalizatória algorítmica, por isso mesmo, o sistema e- DEFESA pode e deve ser exercitado pelos contribuintes, pois é um instrumento que facilita (e muito!) o exercício da ampla defesa e do contraditório, além de representar uma valiosa e sempre aplaudível desburocratização do processo administrativo tributário, cuja compreensão ainda se limita a reduzido corpo jurídico nacional, que é tratado por Klaus Tipke como caos tributário ("Tax Chaos"), impondo a adoção de medidas e normas simplificadoras (TIPKE, Klaus; YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e princípio da capacidade contributiva. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 76).
A promoção da justiça fiscal e a sua efetiva viabilização demandam conceber que "A expressão 'acesso à Justiça' é reconhecidamente de difícil definição, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico - o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos" (CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à justiça. Porto Alegre: Antônio Fabris, 1998, P. 8). Não há justiça fiscal onde inexiste acesso à defesa, que deve ser ampla e incondicional. No dizer de Alberto Xavier, "O caráter 'amplo' do direito de defesa traduz-se na existência de que seja assegurado na máxima extensão possível, no que se refere à oportunidade do seu exercício e às alegações e provas a serem produzidas" (XAVIER, Alberto. Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 141).
Observe-se, ainda, que a simplificação dos acessos ao contraditório e à ampla defesa realizada através do sistema e-DEFESA, para além de assegurar direitos constitucionais, representa o cumprimento de princípios jurídicos indicados na lei 9.784/99, que regulamenta o processo administrativo fiscal em âmbito federal e determina que a administração tributária deverá observar, entre outras coisas, a adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados e, ainda, a garantia dos direitos à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio (art. 2º, parágrafo único).
O que outrora se debatia unicamente em âmbito judicial quanto ao acesso a uma Justiça merece esse novo olhar, para alcançar a justiça distributiva que também se faz presente no âmbito do processo administrativo tributário, sobretudo porque o controle da legalidade quanto ao lançamento do crédito tributário é uma condição de seus atributos de liquidez, certeza e exigibilidade. A simplificação dos mecanismos e a facilitação de acessos que promovam o devido processo legal fortalecem as garantias constitucionais a ele referíveis, em tudo inclinadas com a "resolução de conflitos e a informalização de procedimentos", conforme bem defende a doutrina de Mário Grynspan (Acesso e recurso à justiça no Brasil: algumas questões. In: PANDOLFI, Dulce et al. (Org.) Cidadania, justiça e violência. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1999, p. 99).
Outrossim, registre-se que o princípio da praticabilidade também está diretamente relacionado à administração tributária, como pressuposto natural ao exercício mesmo do poder tributante, sendo impossível condicionar o direito à defesa a mecanismos complexos, de inviável cumprimento, conforme leciona Helenilson Cunha Pontes, ao dizer que "os comandos jurídicos hão de ter como pressuposto a possibilidade de serem cumpridos, cumpridos de uma forma razoável, de uma forma racional. A simplicidade, portanto, e a praticidade por ela implicada, são pressupostos de qualquer norma tributária. Nenhuma norma tributária há de negar a sua praticabilidade, sob pena de ela se declarar ineficaz" (PONTES, Helenilson Cunha. O princípio da praticidade no Direito Tributário: sua necessidade e seus limites. In Revista Internacional de Direito Tributário, v.2, Minas Gerais: Del Rey, 2004, p. 54).
É induvidoso, portanto, que os contribuintes têm assegurado mecanismos úteis à solução de demandas jurídicas tributárias, inclusive, mediante a autodefesa proporcionada através de meios disponibilizados eletronicamente pela Receita Federal do Brasil e demais cortes administrativas (alguns dos quais ainda são físicos), realizando a justiça fiscal e garantido o exercício de direitos constitucionais inalienáveis do cidadão.