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Cocaína na mamadeira?

Os jornais, canais de televisão e rádio noticiaram amplamente a morte da menina Vitória Maria Carvalho, de um ano e três meses, supostamente em razão de overdose de cocaína, substância que teria sido encontrada em sua boca e mamadeira, em forma de pó branco. O material foi examinado pelo Instituto de Criminalística de Taubaté, por duas vezes, e resultou positivo para cocaína.

quinta-feira, 28 de dezembro de 2006

Atualizado em 27 de dezembro de 2006 10:46


Cocaína na mamadeira?

Eudes Quintino de Oliveira Júnior *

Os jornais, canais de televisão e rádio noticiaram amplamente a morte da menina Vitória Maria Carvalho, de um ano e três meses, supostamente em razão de overdose de cocaína, substância que teria sido encontrada em sua boca e mamadeira, em forma de pó branco. O material foi examinado pelo Instituto de Criminalística de Taubaté, por duas vezes, e resultou positivo para cocaína.

A mãe Daniele do Prado Toledo, com 21 anos de idade, foi presa em flagrante delito como a responsável pela morte e encaminhada à Cadeia Feminina de Pindamonhangaba, onde foi violentamente agredida pelas detentas, como é praxe nos crimes desta natureza. Em seguida, oficialmente processada.

Somente após alguns dias, com a realização do exame definitivo toxicológico, constatou-se a ausência de cocaína no material periciado, circunstância que, por si só, fez ruir o frágil castelo acusatório.

É de se indagar, tanto pelo operador do direito, como pelo leigo, se o procedimento traz a margem de segurança necessária para evitar injustiça e manter em cárcere alguém que não tenha cometido o ilícito.

A Lei de Drogas, quando trata da apreensão do material suspeito, determina a realização de uma perícia preliminar, com a finalidade somente de constatar se a substância é ou não considerada entorpecente. Em caso negativo, nada poderá ser feito e nenhuma culpa atribuída ao suspeito. Em caso positivo, a autoridade policial deverá tomar as providências cabíveis, dentre elas a ordem e lavratura do auto de prisão em flagrante delito. O promotor de justiça, por sua vez, fiando-se na investigação policial e no laudo de constatação, está autorizado a dar início ao processo. O juiz, igualmente, preenchidas as condições necessárias, dará por instaurada a ação penal. Só não se admite a expedição de sentença condenatória com sustentação no laudo preliminar. Exige a lei, neste caso, a elaboração do laudo definitivo toxicológico, que pode ou não casar com o primeiro.

A morte da menina não poderia ter sido evitada com ou sem a presença de cocaína na secreção e mamadeira examinadas. É fato consumado e irreversível. Justamente porque sua morte não foi em razão da overdose e sim por causa absolutamente independente, que será pesquisada posteriormente no exame das vísceras.

O que se poderia evitar é a exposição vexatória da mãe, que foi presa em flagrante delito, privada de acompanhar o velório da filha e processada como assassina. O delegado de polícia responsável pela investigação, agiu corretamente, no estrito cumprimento de suas funções. No instante em que recebeu o laudo de constatação, como sendo positivo para cocaína, outra opção não lhe restou a não ser a ordem de prisão. Da mesma forma o promotor de justiça quando ofereceu a denúncia e o juiz quando a aceitou, mantendo a ré na prisão.

Trata-se de um lamentável engano do Instituto de Criminalística, que não teve qualquer relação com a morte da criança, mas que provocou profundas e inesquecíveis seqüelas na vida da ainda jovem mãe. A lei está correta e exposta de forma acessível. A exigência feita é facilmente cumprida, ainda mais com a disponibilidade de material para testes e exames da substância entorpecente cocaína, tão comum nos dias de hoje.

É certo que os responsáveis pelo laudo e o Estado arcarão administrativa, civil e penalmente com suas responsabilidades. Nada disso, no entanto, trará o conforto para a dor da inocente e vilipendiada mãe. Vitória sabe disso.
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* Promotor de Justiça aposentado.
Pró-Reitor Comunitário da Unorp
- Centro Universitário de Norte Paulista





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