Quem é o inimigo?
Diante de tudo que vem ocorrendo no Brasil em decorrência da pandemia causada pelo covid-19, a quem podemos atribuir a pecha de inimigo da nação?
quarta-feira, 13 de janeiro de 2021
Atualizado às 12:27
O Presidente da República Federativa do Brasil, eleito democraticamente, a quem cabe em primeiro lugar, isto é, antes de todos os demais membros da população do Brasil, zelar pela paz social, saúde, bem-estar e segurança, sob todos os aspectos, em entrevista coletiva dada quando de sua participação REPROVÁVEL em um jogo de futebol na cidade Santos/SP, proferiu mais ou menos a seguinte frase: Aquele que abre mão de liberdade por segurança corre o risco de no futuro não ter nem uma coisa nem outra.
Acostumando a proferir frases ou palavras que tentam impactar, mas que na verdade só o complicam cada vez mais, chegando em muitas situações a se aproximar do nível Roussefft, o Presidente soltou mais esta pérola, não bastasse ter dito em outra oportunidade que quem tomasse a vacina preventiva do coronavírus poderia virar jacaré. Será que os que forem vacinados com a Coronavac, vacina chinesa, virarão jacaré-de-papo-amarelo?
Pois bem, voltemos à frase do parágrafo inicial. Quando dos estudos das escolas penais, deparamo-nos com a tão falada escola alemã do Direito Penal do Inimigo, criada por Günther Jakobs nos anos 80, tempos de queda do vergonhoso "Muro de Berlim".
O Direito Penal do inimigo tem base filosófica em Rousseau "Do Contrato Social", Thomas Hobbes "O Leviatã" e Kant com seus imperativos categóricos de justiça. De acordo com estas teorias, os membros de uma comunidade celebram um contrato tácito entre si, abrindo mão de parcela de suas liberdades em prol da segurança de todo o corpo social e, aquele que quebra o contrato de maneira repugnante, vil ou com grande violência ou covardia, deve ser extirpado do grupo, não fazendo jus à sua proteção.
Lastreado nesse pensamento, Jakobs teorizou que determinados indivíduos, que praticam determinados crimes ou que têm a prática criminosa como meio de vida, quebram de maneira altamente reprovável o contrato que fez com os demais membros da coletividade, não merecendo mais se valerem dos mecanismos ou instrumentos de proteção desta mesma coletividade, pois passam a ser considerados inimigo dela, e como tal devem ser tratados. É como exprime a célebre frase que por vezes é atribuída a Maquiavel, mas, a bem da verdade, é de autoria incerta: "Aos amigos tudo, aos inimigos a lei".
Desta forma, indaga-se: Quando um Presidente da República vem a público defender a não obrigatoriedade da conduta de se vacinar, que desde já não se confunda com compulsoriedade da mesma conduta, alegando que os membros da coletividade não devem abrir mão de parcela de suas liberdades em prol do bem coletivo, ou seja, devem quebrar o contrato social, o qual já não é mais tácito, mas, expresso em razão da existência de uma Carta Magna que vincula a todos, inclusive e principalmente o Estado, não está ele mesmo, Presidente, a quebrar de maneira escancarada o contrato formalizado pelos institutos constitucionais escritos?
Indo além, continua-se a perguntar: Desdenhando o Presidente da situação mundial caótica causada pela infecção pelo covid-19 e, agora, suas variações, não utilizando máscaras faciais de proteção, causando aglomerações e proferindo palavras e frases desnecessárias, incitando a não vacinação, receitando tratamentos médicos sem base científica e, principalmente, retardando, em muito, o início da vacinação por motivos que não se conhecem com certeza, não está rasgando, amassando e cuspindo no contrato/Constituição? Sendo a resposta positiva como acredito que é, não pode o Estado, representativo dos verdadeiros titulares do poder, isto é, o POVO, quedar inerte, fazendo como se diz popularmente: "dando uma de João sem braço".
Para não ser deveras inciso, utilizarei o termo "em tese", para dizer que, a priori, o Presidente da República vem cometendo infrações político-administrativas, ensejadoras de um processo perante o Senado, após aprovação pela Câmara dos Deputados. Porém, apresenta-se para os pobres e sofredores brasileiros um outro problema: O Brasil suporta outro e sucessivo impeachment? Sobreviverá a nossa economia e relações internacionais a mais esta comprovação de culpa in eligendo? É o popular "se correr o bicho pega e se ficar o bicho come".
Agora vejamos, um Presidente que tem a certeza de que não sofrerá uma intervenção estatal interna pelos motivos acima expostos; que acredita evitar uma intervenção internacional, uma vez que as potências mundiais estão ocupadas em combater o coronavírus; que achou que por ser "atleta" não seria infectado e que acredita piamente que está protegido pelas Forças Armadas Brasileiras (ledo engano), não está, como ele mesmo disse, "dando bola" para quaisquer consequências, sejam elas quais deveriam ser, mas, não são, infelizmente!
A tudo que se disse, junte-se as paralisias agoniantes do Ministério Público Federal, do Supremo Tribunal Federal, do Parlamento Federal e, sobretudo, do POVO, bem como as interferências perniciosas da imprensa sensacionalista/oportunista e os interesses econômicos internacionais, principalmente os oriundos da Ásia, formando um coquetel que causa uma bipolaridade ideológica sem sentido e, desculpem-me, burra, que poderá vir a desmantelar a estrutura da República Federativa do Brasil, que tem dentre seus fundamentos a soberania, a cidadania e a dignidade da pessoa humana.
Hobbes sustentava que o traidor da pátria é seu inimigo por natureza, assim, pensemos: Afinal, a quem se deve atribuir a pecha de inimigo do Brasil? Ao Presidente da República pelas condutas e pronunciamentos aqui já explicitados? Aos componentes da população que não se vacinarem, trazendo um alto risco à vida e à saúde dos demais membros da coletividade? À parcela da imprensa que se aproveita do momento para dividir a população e adquirir benefícios, realizando a tática de guerra de dividir para conquistar? Ou se deve levar em conta o concurso de todos, cada um com sua culpabilidade?
Uma certeza se tem, qual seja, a de que a culpa não é do POVO BRASILEIRO, principalmente dos grupos minoritários e marginalizados, que possuem uma única vez e voz através do voto direto, instrumento democrático que tanto tem sido precariamente utilizado pelos cidadãos brasileiros.
Wendell dos Santos Nunes
Oficial de Justiça do Poder Judiciário do Estado da Paraíba; Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal de Campina Grande; Especialista em Direito Administrativo e Gestão Pública pelo Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ e pós-graduado pela Escola Superior da Magistratura da Paraíba.