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Abandono afetivo inverso diante do dever de assistência familiar prevista no Estatuto do Idoso

No âmbito familiar, os pais dedicaram suas vidas aos filhos e esperam na velhice uma retribuição do dever de cuidado. Todavia, no Brasil, a conduta de abandono tem sido recorrente.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

Atualizado às 11:53

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

O aumento da expectativa de vida dos brasileiros, segundo os dados fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aumentou de 2017 para 2018, em três meses e quatro dias, alcançando o patamar de 76,3 anos.1

Dessa forma, nota-se uma significativa melhoria de qualidade de vida populacional e o aumento da longevidade, o que possibilitou o crescente número de idosos no Brasil. No entanto, esse avanço que deveria ser encarado como progresso para a sociedade, foi rejeitado por grande parte da mesma, sobretudo pela própria família.

Neste sentido, as pessoas idosas estão vivendo mais tempo e nesta etapa final da vida necessitam do apoio de seus familiares, assim como da sociedade para garantir a qualidade de vida e o bem-estar na terceira idade.2

O objetivo da família é proporcionar às pessoas proteção, afeto, intimidade e identidade social. A solidariedade intergeracional é uma das principais funções da família, porém nas últimas décadas os modelos de família sofreram grandes variações em sua dinâmica e estrutura, impossibilitando, parcial ou totalmente, os familiares de exercerem o papel de cuidadores. Um marco importante neste contexto foi a inserção da mulher no mercado de trabalho, que veio a dificultar o desempenho da função assumida pela família no cuidado com a pessoa idosa. Daí passou-se a ter a necessidade de transferir ou partilhar esta responsabilidade, culminando no fato de os idosos terem de ser abrigados em instituições públicas e privadas de solidariedade social.3

O abandono afetivo inverso é uma temática pouco reputada na atualidade, apesar de ser bastante recorrente, que muitas vezes passa despercebida, representando um verdadeiro problema social que afeta diversos idosos.

É possivel dizer, ainda, que o abandono afetivo inverso é a falta de cuidado ou amparo, bem como a negligência afetiva dos filhos em relação aos seus genitores idosos, resultante numa omissão do dever de cuidado.

Além disso, o abandono afetivo inverso está relacionado à ausência de carinho, afeto e assistência. Embora não haja como exigir que uma pessoa passe a amar a outra, o próprio convívio familiar já deveria ter por base estabelecida o amor recíproco, visto que quando crianças, os pais prestaram toda a assistência e cuidados fundamentais para o desenvolvimento dos filhos. Seria justo a ignorância, a impaciência e o desamparo dos filhos para com os seus genitores no momento da velhice?

Diante do exposto, o tema a ser debatido neste artigo, diz respeito à importância da família para com as pessoas idosas, uma vez que a parentela já não está sendo mais sinônimo de garantia do suprimento dessas necessidades.

Na sociedade brasileira, encontram-se diversos parâmetros para conceituar o "idoso". A lei 8.842, de 4 de janeiro de 1994- Política Nacional do Idoso, em seu artigo 2º considera idosa a pessoa maior de sessenta anos de idade.4 Essa política é recepcionada pela lei 10.741, de 1° de outubro de 2003 - Estatuto do Idoso, que aduz em seu artigo 1º: "É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos".5

Inicialmente, é sabido que o abandono afetivo inverso é um instituto pouco conhecido, tratando-se de uma realidade que passa despercebida aos olhos da sociedade brasileira. É possível afirmar que consiste na ausência de cuidados dos filhos ou netos para com os seus ascendentes (pais e avós), especialmente aqueles com idade mais avançada, por isso o termo "inverso", pois é um instituto de filho para pais, ou seja, há uma inversão.

Até pouco tempo atrás, falava-se sobre o abandono de pais para filhos, principalmente na primeira infância. Contudo, com o crescente número de idosos em detrimento do desenvolvimento humano, com avanços da tecnologia e da medicina, tornou-se possível o aumento da expectativa de vida, e consequentemente a expansão dos casos de abandono afetivo inverso.

Existe uma máxima na sociedade de que nada justifica o abandono, de que filhos que abandonam os pais são ingratos e não souberam reconhecer o que os pais fizeram por eles durante a vida, e por aí vai. Porém, dentro da realidade que a sociedade atual apresenta, sabe-se que não é necessariamente assim. Mas então, quais são os motivos que os levam a isso?

Em muitos casos, os familiares do idoso realmente não têm tempo, disponibilidade, condições e estrutura para proporcionar os cuidados necessários. Daí, a internação em um asilo é uma alternativa que deve ser considerada, desde que os filhos também permaneçam presentes em seu novo lar.

Os principais motivos de admissão de idosos em asilos são a falta de respaldo familiar relacionado às dificuldades financeiras, distúrbios de comportamento e precariedade nas condições de saúde.6

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 assegura o dever de cuidado entre os familiares, no artigo 229, no qual dispõe que "Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade".7

No mesmo sentido, o Estatuto do Idoso, em seu artigo 3º, ampliou o dever de cuidado dos filhos: "É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária".

Maria Berenice Dias define o abandono afetivo inverso como "O inadimplemento dos deveres de cuidado e afeto dos descendentes para com os ascendentes, conforme impõe a Constituição Federal em seu art. 229".8

É importante ressaltar, que o fato de o filho deixar os seus pais nas instituições asilares por si só, não caracteriza o abandono. Ainda que o idoso viva com os filhos em seu próprio lar, se encontrado sem as devidas condições de higiene, segurança, alimentação e sem as medidas de preservação de sua saúde física ou mental, o abandono resta configurado.

Por conseguinte, os filhos atrelados a tais motivos, optam por procurar uma instituição asilar para os pais idosos, como forma de garantir-lhes uma melhor assistência. Mas cada situação deve ser analisada minuciosamente, tendo em vista que pode haver outros motivos para a ocorrência desse abandono.

Apesar da Constituição Federal e do Estatuto do Idoso respaldarem os direitos da pessoa idosa, na maioria das vezes, não tem aplicabilidade, visto que não há nenhuma regulamentação específica no Brasil para este instituto. Assim sendo, inúmeras são as notícias veiculadas pelos meios de comunicação, que retratam a triste realidade de abandono aos idosos.

Vale ressaltar, que tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei 4.229/2019, do Senador Lasier Martins, onde se estabelece, expressamente, o direito à responsabilização civil subjetiva dos filhos no caso de descumprimento do dever de cuidado, amparo e proteção do idoso pelo dano gerado a ele, bem como para dispor sobre o direito da pessoa idosa à convivência familiar e comunitária.9


Por fim, os tribunais do Brasil reconhecem cada vez mais o dever de indenizar em situações de abandono, buscando minimizar os estragos de uma sociedade egoísta, que desvaloriza o idoso, com o objetivo de evitar a reiteração de casos, e não somente para solucionar os já existentes.

__________

1 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo demográfico 2020. Idosos indicam caminhos para uma melhor idade. Rio de Janeiro: Revista Retratos, 2019. Disponível aqui. Acesso em: 04 ago. 2020.

2 ARRUDA, I. E. A. Reflexões sobre a pessoa idosa e o programa Universidade da Terceira Idade. Revista Brasileira de Ciências do Envelhecimento Humano. Passo Fundo, v.4, n. 2, p. 94-113, jul./dez. 2007.

3 BARBOSA, F; MATOS, A. D. Cuidadores familiares de idosos: uma nova realidade, um novo desafio para as políticas sociais. 2008. Disponível aqui. Acesso em 15 ago. 2020.

4 BRASIL. Lei 8.842, de 4 de janeiro de 1994. Dispõe sobre a política nacional do idoso, cria o Conselho Nacional do Idoso e dá outras providências. Disponível aqui. Acesso em 04 ago. 2020.

5 BRASIL. Estatuto do idoso: lei Federal 10.741, de 01 de outubro de 2003. Disponível aqui. Acesso em: 04 ago. 2020.

6 OLIVEIRA, C. R. M.; SOUZA, C. S.; FREITAS, T. M.; RIBEIRO, C. Idosos e família: Asilo ou casa? Portal Psicologia, 2006, p. 1-13.

7 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível aqui. Acesso em: 04 ago. 2020.

8 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10. ed. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2015, p. 648.

9 BRASIL. Projeto de Lei Complementar 4.229/2019.  Altera a lei 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso), para dispor sobre o direito da pessoa idosa à convivência familiar e comunitária, bem como para prever a hipótese de responsabilidade civil por abandono afetivo. Disponível aqui. Acesso em: 28 ago. 2020.

Luciana de Fátima Eufrásio

Luciana de Fátima Eufrásio

Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Viçosa - UNIVIÇOSA. Pós-graduanda em Direito de Família pelo Instituto Pedagógico Brasileiro - IPB. Mestranda em Economia Doméstica pela UFV.

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