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A utilização do Memorando de Entendimento como instrumento de proteção para startups

O autor apresenta o Memorando de Entendimento e sua utilização como meio de proteção para os sócios nos momentos iniciais de um negócio.

terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Atualizado às 13:41

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Quando uma ideia é levantada e dois ou mais indivíduos resolvem desenvolvê-la conjuntamente, é normal que foquem seus esforços única e exclusivamente no desenvolvimento do negócio, deixando de lado questões jurídicas e burocráticas de extrema importância para a constituição e validação da empresa.               

Tal comportamento é compreensível, seja pela euforia de se criar um negócio e sair o quanto antes da fase de ideação para as fases seguintes (validação, tração e escala), principalmente quando se tem um amigo ou familiar como sócio, seja pelos recursos financeiros limitados em estágios iniciais.

Entretanto, esse relaxamento acerca de temas mais burocráticos e jurídicos podem custar caro futuramente, pois a euforia inicial não permite que os futuros sócios sejam totalmente racionais e realistas sobre o destino da empresa, ignorando a possibilidade de uma dissolução societária.

Nesse estágio, os sócios estão entusiasmados com a ideia inovadora que tiveram e com perspectivas de sucesso do negócio e, em razão disso, é mais fácil compor os interesses e antecipar remédios para prevenir ou solucionar demandas ou dúvidas que poderão surgir ao longo do caminho e gerar desentendimentos e conflitos societários que poderiam comprometer a perenidade do negócio.1

Por este motivo, o Memorando de Entendimento é um meio alternativo de se proteger os interesses dos sócios e do próprio negócio, enquanto a empresa não for devidamente constituída.

O Memorando de Entendimento (ME), Memorandum of Understanding (MOU) ou Acordo de Pré-constituição (pre-incorporation agreement) consiste em um contrato preliminar, ou seja, é elaborado e utilizado para reger a relação entre futuros sócios de uma startup, em momento anterior à constituição formal da sociedade.

É um instrumento jurídico apto a fornecer segurança jurídica e estabelecer as relações entre os sócios. Ele é elaborado antes da estruturação da startup em pessoa jurídica, sendo sua função, alinhar as regras entre as partes e dispor sobre objeto, direitos e obrigações.2

Sob esta ótica, tem-se que o Memorando de Entendimento norteia o comportamento do sócio em relação aos outros sócios e em relação ao próprio negócio, contendo cláusulas relativas ao funcionamento da futura empresa, garantindo segurança e tempo necessário até a celebração do contrato definitivo

Em que pese não haver previsão legal, um memorando de entendimento deve contemplar, no mínimo, as seguintes situações:

i) Definição clara e exata do projeto a ser desenvolvido;

ii) Obrigações, direitos e contribuições de cada um dos sócios em todas as fases de desenvolvimento do negócio;

iii) Participação acionária de cada um dos sócios fundadores na futura sociedade, bem como a participação dos lucros e a forma de distribuição dos lucros ou dividendos;

iv) Tomada de decisão;

v) Momentos e hipóteses para captação de investimentos;

vi) Hipóteses e condições para admissão de sócios investidores;

vii) Percentuais de diluição na participação;

viii) Direito sobre a Propriedade Intelectual;

ix) Cláusulas de não competição e confidencialidade

x) Rescisão, aquisição (vesting e cliff) e resolução de conflitos

Ainda que estejamos diante de um documento preliminar, é importante ressaltar que Memorando de Entendimento é hábil a gerar efeitos jurídicos, isto é, seus sócios estão sujeitos à responsabilidade civil e obrigação de reparação de danos caso haja descumprimento de seus termos, pois este documento é elaborado com observância dos princípios da probidade e boa-fé objetiva dispostos no artigo 422 do Código Civil Brasileiro.3

Veja que o caráter preliminar não afasta a obrigatoriedade do cumprimento do Memorando.

Nas palavras de Caio Mario:

Enquanto se mantiverem tais, as conversações preliminares não obrigam. Há uma distinção bastante precisa entre esta fase, que ainda não é contratual, e a seguinte, em que já existe algo preciso e obrigatório. Não obstante faltar-lhe obrigatoriedade, pode surgir responsabilidade civil para os que participam das negociações preliminares, não no campo da culpa contratual, porém da responsabilidade objetiva extracontratual.4

Ainda acerca da responsabilidade extracontratual, leciona Judith Martins Costa5:

A consequência é que no caso de rompimento das tratativas não se pode falar em inadimplemento, mas sim da responsabilidade extracontratual decorrente de violação do dever de confiança intrínseco à boa-fé objetiva.

Ressalta-se, que a existência de um ME não dispensa a posterior e efetiva constituição da sociedade, pois enquanto não houver o devido registro do ato constitutivo em órgão competente, os sócios responderão solidária e ilimitadamente perante as obrigações que surgirem na startup com seu patrimônio pessoal, colocando os sócios em uma posição delicada e arriscada, nos termos do artigo 990 do Código Civil.

Ainda que os sócios insistam em não realizar o registro da empresa, além do risco de arcarem com futuras obrigações, este fator pode se tornar um obstáculo na captação de investimentos, pois ao analisarem o negócio, os potenciais investidores buscam segurança, isto é, um negócio bem estruturado e que apresente segurança no que diz respeito as questões jurídicas, o que inclui a constituição efetiva da sociedade.

Ademais, é possível prever condições que irão compelir os sócios a realmente realizar a constituição da sociedade, isto é, estipular condições que ensejam na sua efetiva constituição. É o chamado "gatilho". Uma condição que, quando preenchida, acarretará a celebração do contrato definitivo6, como por exemplo: a finalização de um projeto, produto ou serviço, a realização de uma primeira rodada de investimento, atingir uma determinada meta, etc.

Em que pese todas as considerações levantadas, é de suma importância destacar, que nem todas as startups podem adotar o MOU em suas etapas iniciais. É o caso das atividades reguladas7, como ocorre com as fintechs8.

Portanto, o Memorando de Entendimento ou Memorando de Pré-Constituição, trata-se de um documento estratégico e preliminar, o qual representa o acordo de vontades de sócios, onde são estabelecidos direitos e obrigações, bem como o objeto do negócio, visando proteger interesses dos sócios e da própria empresa até seu efetivo registro em órgão competente, sob pena de responsabilidade extracontratual.

Assim, tendo em vista a relevância desse instrumento, é de suma importância que seja elaborado com a máxima atenção ao caso em concreto, buscando sempre atender as reais necessidades do negócio e dos sócios.

Referências

VICENTINI RODRIGUES, Amanda. Manual de Direito Para Startups. Revista dos Tribunais, São Paulo v. 2, 2020. p. 25-26.

HILSDORF, Adriana. A importância do Memorando de Entendimento para a constituição de uma startup. Disponível aqui. Acesso em 20 de outubro 2020.

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. III.

MARTINS COSTA, Judith. Um aspecto da obrigação de indenizar: notas para uma sistematização dos deveres pré-negociais de proteção do direito civil brasileiro. Revista dos Tribunais Disponível. 2008.

NYBO, Erik Fontelene; JÚDICE, Lucas Pimenta. Direito das Startups, 1ª Ed. Curitiba, Juruá Editora.

Com o advento da Resolução CMN 4.656 de 26 de abril de 2018, a qual dispõe acerca das sociedades de crédito direto e a sociedade de empréstimo entre pessoas, alguns requisitos passaram a ser exigidos, como é o caso da obrigatoriedade de sua constituição sob forma de sociedades por ações, ter patrimônio mínimo, etc.

Processos, empresas e negócios que apliquem tecnologia para prestar serviços financeiros ou serviços relacionados a serviços financeiros. In OIOLI, Erik Frederico. Manual de Direito Para Startups. Revista dos Tribunais, São Paulo v. 2, 2020. p. 193.

__________

1 VICENTINI RODRIGUES, Amanda. Manual de Direito Para Startups. Revista dos Tribunais, São Paulo v. 2, 2020. p. 25-26.

2 HILSDORF, Adriana. A importância do Memorando de Entendimento para a constituição de uma startup. Disponível aqui. Acesso em 20 de outubro 2020.

3 Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

4 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. III.

5 MARTINS COSTA, Judith. Um aspecto da obrigação de indenizar: notas para uma sistematização dos deveres pré-negociais de proteção do direito civil brasileiro. Revista dos Tribunais Disponível. 2008.

6 NYBO, Erik Fontelene; JÚDICE, Lucas Pimenta. Direito das Startups, 1ª Ed. Curitiba, Juruá Editora.

7 Com o advento da Resolução CMN 4.656 de 26 de abril de 2018, a qual dispõe acerca das sociedades de crédito direto e a sociedade de empréstimo entre pessoas, alguns requisitos passaram a ser exigidos, como é o caso da obrigatoriedade de sua constituição sob forma de sociedades por ações, ter patrimônio mínimo, etc.

8 Processos, empresas e negócios que apliquem tecnologia para prestar serviços financeiros ou serviços relacionados a serviços financeiros. In OIOLI, Erik Frederico. Manual de Direito Para Startups. Revista dos Tribunais, São Paulo v. 2, 2020. p. 193.

Gabriel Magalhães Comegno

Gabriel Magalhães Comegno

Bacharel em direito pela Instituição Toledo de Ensino - ITE. Assistente escritório Santiago Comegno Advocacia. Co-fundador da página Empresarial Direito.

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