As repercussões do julgamento da ADIn 5.277 no setor de distribuição de combustíveis
A ADIn cuidou de analisar a constitucionalidade dos §§ 8º, 9º, 10º e 11º do art. 5º da lei 9.718, de 27 de novembro de 1998, incluídos pela lei 11.727, de 23 de junho de 2008.
sexta-feira, 8 de janeiro de 2021
Atualizado às 13:54
A possibilidade do Poder Executivo manipular alíquotas por meio de decreto foi objeto de julgamento conjunto pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.277 e do Recurso Extraordinário 1.043.313, ambos relatados pelo ministro Dias Toffoli, ocorrido na quinta-feira, 10/12/20.
A ADIn cuidou de analisar a constitucionalidade dos §§ 8º, 9º, 10º e 11º do art. 5º da lei 9.718, de 27 de novembro de 1998, incluídos pela lei 11.727, de 23 de junho de 2008, que disciplina as Contribuições do PIS/PASEP e da Cofins incidentes sobre a receita bruta auferida na venda do Álcool Etílico Hidratado Carburante das produtoras, importadoras e distribuidoras.
Por sua vez, o RE 1.043.313, teve como objeto a manipulação das alíquotas das Contribuições do PIS/Pasep e da Cofins incidentes sobre receitas financeiras dispostas pelo decreto 8.426/15.
Ademais, muito embora a matéria sob enfoque nos dois julgados seja de extrema relevância e impacto nacional, qual seja a possibilidade de manipulação das alíquotas do PIS e da Cofins por meio de decreto do Poder Executivo, em dissonância com o rol expressamente taxativo elencado pela Constituição que excetua a estrita legalidade tributária, em virtude do seu caráter predominantemente extrafiscal, desde logo é válido consignar que, no julgamento coletivo foram prestigiadas as peculiaridades do Recurso Extraordinário, ao passo que foram deixadas de lado as especificidades do regime dos combustíveis, in casu, do álcool, inclusive para fins carburantes, objeto da ADIn.
Na sessão de julgamento, decidiu o relator, o ministro Dias Toffoli, acompanhado pela maioria dos votos dos ministros da Corte Constitucional, pela procedência parcial da ADIn, proferindo uma interpretação em conformidade com a Constituição, tão somente para assegurar a aplicação do princípio da anterioridade nonagesimal à manipulação de PIS/Cofins prevista pela lei 11.727, de 23 de junho de 2008.
Entenderam os ministros, em sua maioria, que inexiste vedação constitucional à flexibilização do princípio da legalidade tributária em relação à contribuição ao PIS e à Cofins, o que poderá resultar em uma perigosa ameaça a todo regime de garantias constitucionais tributárias, já que, por ter se dado no âmbito de uma ADIn, cria um precedente vinculante que fissura o rígido sistema de distribuição de competências tributárias.
No presente, busca-se delinear os aspectos atinentes ao tema, que não foram observados na apreciação da ação direta de inconstitucionalidade, quais sejam: os reflexos da carga tributária na capacidade competitiva e de participação de mercado do setor de combustíveis; expressividade das alíquotas ad valorem incidentes o PIS/PASEP e Cofins a receita bruta decorrente das vendas de álcool realizadas pelas distribuidoras de combustíveis; inclusão na cadeia de incidência o produtor e o importador, que não eram contribuintes, antes da vigência da lei 11.727/08; e estabelecimento um Regime Especial de Apuração e Pagamento, opcional, que acaba sendo obrigatório, apurado sobre alíquotas específicas que incidem sobre o volume de combustível.
Não obstante, a priori, cumpre-se destacar dois equívocos realizados no julgamento. O primeiro recepcionado na defesa postulada pela Fazenda Nacional ao apontar que a incidência monofásica do regime, quando a lei 11.727/08 materializa, inequivocamente, uma cadeia plurifásica. O segundo, verificado no voto do ministro Marco Aurélio, ao afirmar que a possibilidade da alteração de alíquotas do Álcool Combustível pelo Poder Executivo estaria baseada no art. 177, § 4º, inciso I, alínea "b", da Constituição Federal, o que não é verdade.
Recob
Com o advento da lei 11.727, de 23 de junho de 2008, o Poder Legislativo inovou o ordenamento de forma que modificou sobremaneira a arrecadação do PIS/PASEP e da Cofins incidente sobre venda do Etanol Combustível.
Ao fazê-lo, além de ter incluído o importador e o produtor como contribuintes; aumentado expressivamente as alíquotas ad valorem incidentes sobre as distribuidoras de álcool; de ter delegado a função de manipulação de alíquotas para o Poder Executivo; instituiu um novo Regime Especial de apuração: o RECOB.
Assim, cumpre observar todo o contexto imposto por essas enérgicas alterações, onde a atenção será voltada para o regime de incidente nas atividades realizadas pelas Distribuidoras.
Ora, com a referida lei, foi concebida uma falsa opção aos contribuintes pela continuidade da apuração com alíquotas ad valorem ou aderir ao Regime Especial (RECOB), cuja apuração ocorre com alíquotas ad rem.
Falsa, uma vez que a menor onerosidade do regime de alíquotas ad rem induziu a inteireza do setor a optar pela adesão ao RECOB, sendo, portanto, o único regime praticado pelas distribuidoras de Etanol Combustível.
O que ocorre na prática, ou a distribuidora adota o regime obrigatório de recolhimento e se sujeita a alíquota não competitiva de 21% (vinte e um por cento) ou simplesmente se sujeita a um regime com alíquotas mais baixas, competitivas, mas que contornam as garantias e proteções do contribuinte, impactando negativamente na capacidade competitiva no mercado entre as empresas de pequeno e médio porte e as grandes distribuidoras.
Ademais, como já mencionado, ao instituir e regulamentá-lo, inserindo os §§ 8º ao 11º ao artigo 5º da lei 11.727/08, acabou por autorizar a delegação de competência normativa ao Poder Executivo, que é exclusiva do Poder Legislativo, para majorar as alíquotas incidentes sobre a receita bruta auferida pelas Distribuidoras de combustíveis, do intervalo entre 0% até o escorchante percentual de 21% como teto de alíquotas, concedendo-lhe, consequentemente, uma ampla delegação expressamente vedada pela Constituição Federal.
Ou seja, como bem restou assentado pelo Sindicato Brasileiro das Distribuidoras de Combustíveis - SINBRACOM, representado pelo escritório Montenegro Filho Advogados quando do julgamento da ADIn, na defesa da capacidade competitiva e empresarial das distribuidoras de pequeno e médio porte, além de não haver qualquer grau de opcionalidade, o RECOB afeta frontalmente os pequenos produtores e distribuidores.
Nesse lastro, destaca-se que tais operadores têm menores margens e menor volume de capital para suportar as mudanças que tais medidas provocaram no perfil de consumo.
Portanto, este regime, que se diz opcional, de um lado, seleciona aqueles que irão competir e atuar no mercado, de outro, imputa aos contribuintes os efeitos do voraz exercício arrecadatório do Fisco. Exercício esse, que foi coibido após longa construção histórica do Constitucionalismo.
Das premissas de fato equivocadas:
Ademais, cumpre-se destacar duas premissas equivocadas que foram adotadas no julgamento.
- Regime Purifásico
A primeira, recepcionada na defesa postulada pela Fazenda Nacional ao apontar que a incidência monofásica do regime, quando a lei 11.727/08 materializa, inequivocamente, uma cadeia plurifásica. Contudo, é de se observar que, de fato, antes da vigência da lei 11.727/08, o produtor e o importador não eram contribuintes. Todavia, após a inclusão destes, a referida incidência, inequivocamente, deixou de ser monofásica, e passou a ser plurifásica.
- Alteração da alíquota do PIS/Cofins do art. 5ª, § 8º, da lei 11.727/08, não pertence ao rol taxativo do art. 177, CF/88.
A segunda, verificada no voto do ministro Marco Aurélio, ao afirmar que a possibilidade da alteração de alíquotas do Álcool Combustível pelo Poder Executivo estaria baseada no art. 177, § 4º, inciso I, alínea "b", da Constituição Federal, o que não é verdade.
Através do artigo 177, § 4º, inciso I, alínea "b" da CF/88, concedeu o Constituinte ao Poder Executivo, sempre que achar prudente para fins regulatórios do mercado, incentivar ou inibir determinados comportamentos, a autorização para proceder com a majoração unicamente das alíquotas da CIDE-Combustíveis, estando, portanto, inserida no rol autorizado pela Constituição Federal para excetuar a estrita legalidade tributária.
Razão pela qual é evidente que não há qualquer respaldo no Texto Constitucional para o aumento das alíquotas do PIS/PASEP e Cofins incidentes sobre a receita bruta do Álcool Combustível, fato que só se confirma por tais exações possuírem caráter predominantemente fiscal/arrecadatório, por destinarem-se ao custeio da Seguridade Social.
Mitigação do princípio da estrita legalidade tributária:
É importante destacar que, como garantia social e limitação do poder do Estado, a Constituição brasileira estabelece um rígido sistema de competências que confere ao contribuinte o poder de não ser tributado no exercício desmedido do Poder Executivo. Estabelecendo de forma clara que o tributo não pode ser instituído muito menos majorado, sem expressa previsão legal (artigo 150, I, CF/88).
Não obstante, o Tribunal Constitucional, ao apreciar a Ação de Inconstitucionalidade, pôs em confronto a limitação expressa na Carta Magna e a vontade dos "representantes" populares. Entendeu a Corte que, seria desnecessária a autorização do texto constitucional para a majoração das alíquotas do PIS/PASEP e da Cofins incidentes sobre a receita bruta auferida na venda do Álcool Combustível, em decorrência de sua função extrafiscal, possibilitando a majoração das alíquotas através de simples decreto presidencial, nos termos dos parágrafos §§ 8º ao 11º do art. 5º da lei 9.718/98.
Apesar de acompanharem integralmente os votos do relator, alguns ministros anunciaram preocupação quanto à nova roupagem interpretativa do princípio da reserva legal, bem como, quanto à delegação do Poder Legislativo em matéria tributária. Ora, a relativização de uma garantia constitucional; a mitigação do princípio legalidade tributária; e a onerosidade da carga tributária é, aos olhos do contribuinte, no mínimo preocupante.
Ao permitir tal conduta através da adoção de uma "legalidade suficiente e não de uma legalidade estrita", nas palavras do professor Marco Aurélio Greco (2011), ousamos dispor que, estar-se-á rechaçando o alicerce constitucional previsto no seu artigo 150, inciso I, promovendo, por conseguinte, insegurança jurídica que não guarda qualquer pertinência com a disciplina da Carta Magna.
Neste sentido, ao proclamar voto divergente, o ministro Marco Aurélio exclamou: "Poderia o Executivo adentrar esse campo? Poderia, usurpando a competência do Congresso!", destacando mais uma vez que a Constituição não concede autorização ao Poder Executivo para dispor sobre a matéria.
Criou-se, lamentavelmente, um precedente incentivador à delegação de competências tributárias ao Poder Executivo, quanto aos demais tributos, e instaurando a insegurança jurídica dos contribuintes. Prática que anteriormente encontrava barreiras nos limites impostos pela constituição.
Ademais, legitimou um contorno às garantias e proteções do contribuinte, impactando negativamente na capacidade competitiva no mercado entre as empresas de pequeno e médio porte e as grandes distribuidoras de combustíveis.
Resta concluir, portanto, que a decisão do Supremo Tribunal Federal tem efeitos negativos à proteção de garantias fundamentais do contribuinte e nítida afronta ao Texto Constitucional. Além de mitigar frontalmente o princípio da reserva legal tributária, relativizando-a, se afastando da melhor doutrina, e, pasme, da sua própria jurisprudência, julgou-se apesar da Constituição e até mesmo contra ela, tornando-se os ministros livres aplicadores do direito.