Não queira meu silêncio
Minha vida tem sons. Se eu só tiver meu silêncio para oferecer, é porque já não dou nada de mim.
sexta-feira, 8 de janeiro de 2021
Atualizado às 08:14
Sou vozes e melodias. Meu silêncio deliberado é abandono, escuridão e renúncia.
Quando desisto, não aviso em alto volume. Entro calada em minha concha imaginária.
Se me calo, tampouco ouço e então fico submersa em meu próprio barulho de mar. Significa que fui embora e talvez não volte, pois, já não preciso de mais nada.
Meus olhos falam, meu corpo é todo conversa, todos os meus movimentos têm palavras.
Não queira meu silêncio.
Se entrei nele por vontade, é porque estou buscando a saída, cruzando uma linha, afastando-me.
Se estou silente, estou distante e tampouco enxergo, é como se minha miopia chegasse à alma. Meu silêncio decidido embaça as possibilidades.
Minha indiferença vem embalada em resoluto silêncio. Constranjo todas as minhas energias com ele.
Não queira meu silêncio.
Meu coração carrega o barulho de vívidos mercados, de concertos de rock, de avenidas movimentadas, de tempestades com trovoadas. Queira meu eu falante, gesticulante, intenso em suspiros, gargalhadas, exclamações, algazarras.
Sou criança livre, tenho ruídos para todos as ocasiões. Mesmo quando só respiro, tenho as cadências singelas do êxtase, do medo, da ansiedade, da paixão. Meu silêncio é quase sempre espelho e resposta.
Não queira meu silêncio.
Se me ouvir batendo portas, é minha ira, vibrando. Se me ouvir cantando baixinho, pode ser minha alegria, derramando. Mas conheça algumas das minhas canções. Posso ter gritos vazando por entre meus dentes.
Se me ouvir soluçando, me abrace. Vou ouvir seu pulsar solidário.
Às vezes falo para não calar, canto para não calar, assim, tão somente.
Minha vida tem sons. Se eu só tiver meu silêncio para oferecer, é porque já não dou nada de mim.
Luciana Gualda
Advogada do escritório Felsberg Advogados. Professora.