Fusão Fiat Chrysler Peugeout Citroen
No mercado automobilístico a forma de se organizar e circular bens e serviços no mercado nacional dá-se por um contrato de concessão comercial que visa explorar uma determinada região.
quarta-feira, 6 de janeiro de 2021
Atualizado às 13:37
Para se posicionar no mercado, independentemente da sua área de atuação, uma empresa, ou seja, uma organização econômica para a produção ou a circulação de bens e de serviços, necessita de uma rede atuando em conjunto no sentido de empreender esforços para criar ou consolidar sua marca e/ou nome comercial no mercado. Essa organização constitui uma rede com atividade(s) empresarial(is) pela qual indivíduos (empresários) ou conjunto deles (empresas) reúnem-se formando relacionamentos de forma a reconhecer, criar ou agir em busca de oportunidades compartilhando informações, parceiros ou potenciais empreendimentos.
No mercado automobilístico a forma de se organizar e circular bens e serviços no mercado nacional dá-se por um contrato de concessão comercial que visa explorar uma determinada região de modo a oferece-lhe bens e/ou serviços da montadora, buscando colaboração que permita a sua introdução, o seu crescimento e a sua consolidação das montadoras no mercado. Digo no mercado interno porque no mercado externo, tal relacionamento dá-se por um contrato de distribuição que, como o contrato de concessão comercial, é instrumento jurídico de colaboração, misto e atípico, onde uma pessoa, física ou jurídica, o distribuidor, obriga-se a adquirir de forma contínua e sucessiva um produto somente fabricante/montadora para revendê-lo, em uma determinada zona geográfica/território.
E o que são contratos de concessão comercial?
Regulado pela lei 6.729/79 (Lei Ferrari) e suas posteriores alterações introduzidas pela lei 8.132/90, estes são instrumentos bilaterais firmados entre a fabricante de veículos (montadora) fabricante ou importadora de automóveis, caminhões, ônibus, tratores, motocicletas, máquinas agrícolas e similares e uma outra pessoa jurídica (desconheço pessoas físicas atuando como concessionários de montadoras) chamado de revendedor ou concessionário o qual pode, inclusive, vir a atuar como representante comercial em colaboração com a montadora, em alguns casos, para a criação, o aumento e a consolidação desta em um determinado mercado ou território, de forma direta ou indireta.
Em outras palavras, no mercado automobilístico e de máquinas agrícolas brasileiro, fabricantes (as montadoras) e concessionárias articulam-se para criar um serviço específico, não ocasional, nem esporádico com vistas a atender as necessidades e ao abastecimento normal de produtos de automotivos, partes, peças e serviços numa determinada região (art. 20 da Lei Ferrari). Portanto, tanto o contrato de distribuição para o mercado de veículos automotores internacional como o contrato de concessão para o mercado interno são espécies de contratos mercantis para o escoamento da produção, partes, peças e serviços para o produto num mercado consumidor, uma região específica (área de atuação). Em outras palavras, por esse contrato, a montadora e seu concessionário ou distribuidor obrigam-se a empreender esforços num certo território promovendo a aproximação de interessados com as mercadorias fabricadas pela montadora.
Como dito, existem diversas modalidades contratuais englobadas no contrato de concessão, algumas regulamentadas, outras não, que marcam essa "terceirização" das vendas tanto no mercado externo (contrato de distribuição), como no nacional (concessão comercial) que paralelamente ao escoamento da produção prestam serviços.
Se, por exemplo, o contrato de trabalho, que não é objeto do presente estudo, é marcado por um vínculo de "subordinação", entendida como uma relação de dependência, necessária e pessoal, do trabalhador com o seu empregador de forma remunerada, marcada pelo poder de direção para a realização de determinadas funções. Já no de concessão comercial não há subordinação e sim uma cooperação (=colaboração) onde o concessionário ou distribuidor se obriga a criar, consolidar ou ampliar e prestar serviços no produto da montadora fornecedora num território.
No mercado nacional, os contratos de concessão, como exemplo de contratos de colaboração, são complexos e estabelecem obrigações e direitos de parte a parte onde uma, a concessionária, obriga-se a empreender esforços no sentido de criar ou consolidar os produtos de uma montadora numa região exclusiva (art. 20) ou área demarcada um determinado volume do produto sob certas regras de funcionamento.
Assim, o concessionário tem o direito exclusivo de comprar, durante um determinado prazo, o produto fabricado e/ou vendido pela montadora, revendê-lo no mercado e prestar serviços de assistência técnica. Num contrato de concessão comercial, o concessionário poderá utilizar a marca do produtor, mas não só ela, a marca deve ser associada à marca ou denominação comercial do concessionário que se valerá do know-how da montadora para a execução de suas obrigações.
Logo, nesse ponto específico os contratos de concessão comercial e de distribuição internacional de veículos automotores e máquinas agrícolas se assemelham, sem se confundir com os contratos de franquia, senão vejamos, num contrato de franquia o franqueador cede ao franqueado, o direito de uso de sua marca ou patente de produtos ou serviços de forma exclusiva ou não, contudo, na concessão comercial, as partes agem com maior flexibilidade, ainda que com objetivos comuns, por isso com maior autonomia.
A Lei Ferrari também previu a possibilidade das partes, montadora e suas concessionárias, através de uma convenção de marca (Art. 17 da lei 6.729/79) definam a peculiaridade do relacionamento do produto e da montadora com sua rede de concessionária, a convenção de marca é, por assim dizer, um norte para o contrato de concessão, agindo como são verdadeiras fontes supletivas de direitos e obrigações operacionais de parte a parte.
A convenção de marcas cujo conteúdo se encontra esboçado no art. 19 da Lei Ferrari trata assuntos sensíveis e às peculiaridades dos negócios entre a montadora e seus concessionários, são eles:
I. Atendimento de veículos automotores em garantia ou não para prestação de serviços de revisão;
II. Uso gratuito da marca do concedente (a montadora) em conjunto com a sua;
III. Inclusão na concessão de produtos lançados na sua vigência e modalidades de venda;
IV. Comercialização de outros bens e prestação de outros serviços ligados à concessão (pneus, por exemplo, que não são fabricados pela montadora);
V. Fixação de território ou área demarcada e distâncias mínimas para abertura de filiais ou outros estabelecimentos dos concessionários para a venda ou revenda de produtos e componentes;
VII. Possibilidade da criação de novas concessões e condições de mercado para tanto;
VIII. Volume de produtos a ser adquirido e fornecido, quota de veículos automotores, preço, reajustes anuais, ajustamentos cabíveis, abrangência quanto a modalidades auxiliares de venda e vendas diretas;
IX. Regras confecção de pedidos, condições de fornecimento de mercadoria e estoques do concessionário;
X. Forma e época de pagamento bem como cobrança de encargos;
XI. Margem de comercialização;
XII. Vendas diretas por parte da montadora com especificação de compradores, limites das vendas para venda à Administração Pública e ao Corpo Diplomático, frotistas, comissões, margens de comercialização e de contraprestação de revisões;
XIII. Contratações para prestação de assistência técnica e comercialização de componentes;
XIV. Penalidades;
XV. Outros assuntos de interesse comum.
Vemos que tanto no contrato de concessão, como no de distribuição há um maior entrosamento obrigacional e operacional entre as partes, ou seja, a montadora e os concessionários e/ou distribuidores, conforme o mercado interno ou internacional, compõe uma network, uma rede de negócios. Este entrosamento aberto e elástico passa pela transferência de "know how", de forma sinalagmática, vez que se dá de acordo com a vontade das partes que assumem obrigações recíprocas e se integram no fornecimento de bens e serviços de forma a compartilhar fases de logística desde o transporte até o armazenamento de veículos, partes e peças, bem como ações de propaganda e marketing, por conseguinte representa uma macro organização empresarial entre seus participantes.
Como dito, o concessionário, em alguns casos, também pode agir como representante comercial, nos termos da lei 4.886, de 9/12/65, para a montadora desempenhando a mediação para a realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos transmitidos à montadora que faturará a venda diretamente dos bens ao cliente final, o concessionário recebe comissão pela agenciamento da venda e prestação de seus serviços. Assim, normalmente, perante grandes compradores, órgãos públicos ou privados, ou frotistas, o concessionário age como representante comercial. Nesse caso, no mais das vezes, recebe comissão sobre o valor das vendas por ele intermediadas que, no mais das vezes, abrange o serviço de assistência técnica de garantia, de modo a recompensar o concessionário pelos esforços de seu time. Tal comissão, normalmente, dá-se com o pagamento de porcentagem sobre o valor da venda que ele conseguiu, trabalhou e/ou pelo seu potencial para alavancar o negócio para o fabricante. Essa obrigação de representação também é comum integrar cláusulas do contrato de concessão ou distribuição das montadoras para o mercado externo.
O mercado é cada vez mais exigente, e quem não for realmente bom, fica de fora, literalmente sai do negócio, como consequência, vimos, nas últimas décadas, algumas fusões no mercado automobilístico com o objetivo de criar lideranças globais com escala, talentos e recursos para competir e vencer nesse mercado, buscando sinergias não necessariamente baseada em fechamentos de fábricas e demissões de funcionários.
Destaquemos que, hoje, a fusão da Fiat Chrysler com a Peugeot Citroen que já possuem uma joint venture de sucesso na fabricação de utilitários Dayly (marca do utilitário da Iveco fabricante de caminhões do grupo Fiat Chrysler), Ducato (marca de utilitário da Fiat fabricante de carros), Jumper (furgão da Citroen fabricado pela Fiat Iveco de Sete Lagoas, Minas Gerais) e Boxer (utilitário Peugeot também fabricado em Sete Lagoas). Também, somando as marcas do novo grupo, emplacamentos de automóveis, picapes e furgões são superiores aos de GM e Volkswagen. Portanto, as empresas que já possuem plataformas comum vislumbram a possibilidade de expansão em outros segmentos. Poderão ter maior ganho em powertrain (componentes de motor e câmbio), engenharia e custos de produção com sinergias anuais estimadas na casa de Euros 5 bilhões.
Mesmo assim, com o acima narrado, ficou estremecida a relação entre concessionários Peugeot e Citroën com o Grupo PSA, reunidos na Abracop (Associação Brasileira dos Concessinários Peugeot) e Abracit (Associação Brasileira dos Concessinários Citroën) os quais oficiaram o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica, ligado ao Ministério da Justiça), em 6/5/20, contra a Stellantis, nova joint venture criada para gestão da fusão das 12 marcas (Abarth, Alfa Romeo, Chrysler, Dodge, Fiat, Fiat Professional, Jeep, Lancia e Ram - Fiat Chrysler - e Peugeot, Citroen e Vauxhall - PSA), um dia após anunciada a fusão delas iniciada em 6/5/20, a qual transitou em julgado no CADE em 22/12/20.
O CADE entendeu que "a operação implica em algumas sobreposições horizontais e integrações verticais que não ensejam preocupações concorrenciais" que, contudo, segundo o CADE, não é preocupante, tendo em vista o porte das empresas no Brasil. Com a fusão das 12 marcas, criou-se a 4ª (quarta) maior montadora do planeta, atrás da Volkswagen, Toyota e Renault-Nissan.
Tudo vira um pouco de cabeça para baixo quando grandes empresas se unem. Isso não foi diferente, em 1998, quando a mesma Fiat, dona da marca de máquinas e construção, agrícola, tratores e colheitadoras agrícolas New Holland, comprou a Case por 4,3 bilhões de dólares, formando a CNH, a maior fabricante mundial do setor em número de unidades produzidas. A empresa reunia à época 16 marcas, vendidas de tratores, colheitadeiras e implementos agrícolas em 160 países. O desafio da Stellantis, hoje, é à semelhança do ocorrido quando da criação da CNH, reorganizar a companhia sem perder mercado e a confiança da sua rede, "longa manus" da montadora no mercado, ainda que os primeiros contatos sejam marcados pelo estranhamento e pela desconfiança, na criação da Stellantis devem ser lembradas as palavras de Valentino Rizzioli, CEO de ambas por ocasião da fusão "Somos uma família, uma empresa única, e não quero ouvir ninguém falando mal da outra marca. Se deixasse a coisa frouxa, acabaríamos criando um ambiente hostil". Tenhamos em mente que o mercado de máquinas, tratores e implementos agrícolas e de construção era ainda menor do que o automobilístico quando da sua fusão.
No momento, muito se fala sobre veículos elétricos. De fato, tais veículos têm se mostrado uma boa alternativa quando o assunto é diminuição da emissão de gases nocivos ao meio ambiente, ao mesmo tempo que mais silenciosos, exigem menos manutenção e possuem um custo de rodagem até cinco vezes menor que veículos a combustão. Quando falo em veículos combustão, tenhamos em mente que a Peugeot já possui uma gama de veículos elétricos citadino, ultra compacto, veículo familiar, veículo comercial funcional 100% elétricos. Não nos esqueçamos que a Fiat começou investir na tecnologia com o Centoventi, apresentado pela primeira vez no Salão de Genebra de 2019, que ainda não entrou em produção e é esperado para 2021.
A joint venture Stellantis representa uma estratégia relevante no contexto tecnológico do carro elétrico dentro da globalização que quebra as fronteiras entre esses mercados mesmo em tempos de pandemia.