Aborto eugênico
O presente texto insere-se no âmbito da disciplina do Direito Penal e tem como objetivo desenvolver o tema aborto de feto eugênico trazendo a baila a CF, o direito à vida, seus princípios, visão religiosa e o aborto.
quarta-feira, 6 de janeiro de 2021
Atualizado às 09:29
Podemos considerar o aborto como uma prática antiga, feita às escuras, estudada pelo Direito, pela ciência e pela ética que não apresenta uma solução definitiva, sendo discutida até hoje sobre sua legalidade.
Trata-se de um tema polêmico e complexo, despertando certo interesse no qual coloca-se em discussão o real valor da vida tanto para o indivíduo, quanto para o Estado. Assim sendo, o ordenamento jurídico brasileiro precisa adotar um posicionamento acerca da proteção do fruto da fecundação, da vida, que ali está em julgamento.
A busca pela perfeição vem sendo imposta pela sociedade e a cada dia que passa as pessoas visam o padrão perfeito imposto pela sociedade a ponto de se "consertar" com cirurgias plásticas e tratamentos estéticos. E não para por aí, com essa fixação pelo perfeccionismo, as pessoas chegam a discutir sobre fetos, definindo quem poderá ou não nascer dependendo se esse será "perfeito ou não" segundo a visão social, dessa maneira inicia-se o assunto do aborto eugênico pouco trazido à tona.
Com o avanço da tecnologia e diversos exames pré-natais existentes, o assunto aborto é trazido a discussão e com isso surge a possibilidade de observar o desenvolvimento completo ou incompleto, a deficiência do feto, suas anomalias desde os primeiros exames. Assim acaba por ser rediscutido uma nova situação de aborto, cria-se uma nova situação jurídica na qual visa a interrupção da gravidez tendo em vista alguma deformidade no feto.
Os defensores dessa tese, que visam a autorização da eliminação do feto, ou seja, que o aborto deve ser legalizado até o 3º mês de gestação, o que consideramos absurdo pois há violação do direito à vida da criança/feto, negando com isso a existência da personalidade jurídica do nascituro.
Sendo possuidor de direitos, como a pensão gravídica, o nascituro sendo titular de direito de ação, devidamente representado por sua genitora, possui personalidade jurídica, bem como direitos e deveres, assim o considera incluso na sociedade jurídica e, portanto, torna-se vítima de crimes como o aborto.
Direitos fundamentais
Para tratarmos do direito à vida, inicialmente precisamos discutir sobre direitos fundamentais, ou seja, o direito que é essencial à vida humana.
Assim, concluí-se que surgiram pelo resultado de uma imensa transformação da política, juntamente com o parecer jurídico e religioso, é um misto de tradição com os ensinamentos jurídicos. A evolução do Direito, pensamentos jurídicos, juntamente com os acontecimentos sociais, contribuíram para que os direitos fundamentais fossem uma limitação imposta pela soberania popular aos poderes constituídos pelo Estado.
Com relação a Declaração Universal, o pensador italiano Norberto Bobbio alega que "a Declaração Universal representa a consciência histórica que a humanidade tem dos próprios valores fundamentais na segunda metade do século XX. É um síntese do passado e uma inspiração para o futuro: mas suas tábuas não foram gravadas de uma vez para sempre". (Bobbio, 1992, p. 34).
A Organização das Nações Unidas, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, declara que todos os seres humanos nascem livres e iguais na dignidade e nos direitos. Dotados com razão e com consciência, devem agir uns com os outros em espírito de fraternidade. Conceituando fraternidade temos que: amor ao próximo; fraternização; harmonia entre as pessoas da mesma comunidade e que lutam por um mesmo ideal.
Do direito a vida
O direito à vida é uma proteção prevista ao bem mais precioso que temos, devemos zelar por ele. Ele é considerado um direito fundamental ao ser humano, previsto no artigo 5º da Constituição Federal. Assim sendo, a Constituição Federal do nosso país garante proteção ao bem primordial de todos os brasileiros e estrangeiros que aqui residam, o nosso direito a vida é garantido. De acordo com a ministra Carmen Lúcia, o tema diz respeito não apenas à vida do ser humano, mas à vida de toda a sociedade e sua compreensão sobre algo que diz respeito à concepção, nascimento, vida e morte.
Temos que a vida é um bem jurídico tutelado como direito fundamental desde sua concepção. Vale ressaltar que a Constituição Federal defende a vida, inclusive a uterina. Dessa forma, ela deve ser protegida contra todos que queiram violar esse direito e contra tudo que possivelmente seja contrário à esse entendimento.
Vale constar que é dever do Estado, exclusivamente, garantir esse direito e lutar por ele. Não cabendo de maneira alguma o aborto, considerando que se trata da retirada da vida de um indivíduo, violando seu maior bem, seu direito que deveria ser assegurado pelo Estado.
Tendo em vista o bem mais precioso que temos, a vida, o Código Penal Brasileiro vigente de 1940, em seus artigos 121 à 128, pune as condutas realizadas contra a vida humana, tipificando-as criminalmente, sendo elas o homicídio, o auxílio à praticar o ato, o induzimento e instigação ao suicídio, o infanticídio e o aborto.
Da dignidade da pessoa humana
Conforme conceituação vinda do próprio dicionário, a dignidade da pessoa humana se refere ao procedimento que atrai o respeito dos outros, explanando melhor, dignidade da pessoa humana é o conjunto de direitos, princípios e valores que tem como finalidade garantir que cada indivíduo tenha seus direitos respeitados pelo Estado. Acima de tudo, garantir o bem estar da sociedade é o objetivo principal. De maneira natural, o indivíduo luta pelos seus direitos e exige que eles sejam respeitados, frisa-se seu maior direito, sua dignidade e direito de viver.
Sendo um princípio fundamental no Brasil, exige-se que o Estado cumpra-o, em todas as ações presentes nos governos, é um dever, não podendo ser desrespeitado. Mas então quem são os titulares desses direitos? Fácil responder, todos os homens, de acordo com o artigo 1º da declaração dos direitos do homem e cidadão, proclamada pela ONU de 1948, o qual consta: "Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos", concluímos que, segundo esse documento, os titulares dos direitos fundamentais são "todos os homens". Como também podemos, de maneira simétrica, vislumbrar os titulares desses direitos onde afirma que "todos são iguais perante a lei", dessa forma temos de maneira geral que a palavra todos equivale a população em geral, seres humanos em sua totalidade.
O marco histórico dos Direitos Humanos, assim sendo, da dignidade da pessoa humana, ocorreu após a Segunda Guerra Mundial, quando o estabelecimento das Nações Unidas se concretizou. Anos depois, o Tratado de São Francisco foi estabelecido, buscando proteger os direitos humanos pelo mundo. No qual constava que todo indivíduo, Ser Humano, tem direito ao respeito de sua honra e reconhecimento de sua dignidade.
Eugenia - "a escolha da perfeição"
Durante toda a história o ser humano, tem-se que por diversas partes do mundo, as pessoas eliminavam as crianças que nasciam com má-formação, deficiência ou qualquer outro motivo que não se encaixava com o exigido na época, ou seja, com aquilo que o povo acreditava ser o melhor, o ideal, o perfeito à humanidade.
O termo eugenia surgiu em 1883 e foi criado pelo antropólogo e cientista francês Francis Galton, assim definiu o termo como o estudo dos agentes sob o controle social que podem "melhorar ou piorar" as qualidades raciais, o ideal exigido, das futuras gerações seja física ou mentalmente. Assim vemos que nessa época já se tratava em melhoramento genético e evolução da espécie, segundo o escritor e antropólogo deveria, o ser humano, utilizar-se de todos os meios conhecidos possíveis para obter tal objetivo.
A palavra eugenia tem origem no grego e tem como significado "bom em sua origem ou bem nascido". Essa teoria defende que raças consideradas superiores ou melhores de alguma forma conseguem prevalecer de maneira mais adequada ao ambiente. Dessa forma, busca-se aplicar a teoria da seleção natural de Charles Darwin à espécie humana.
Considerado o pai da eugenia no Brasil, o médico e estudioso Renato Kehl acreditava que a comunidade científica deveria se esforçar e estudar mais sobre o assunto. De acordo com seu pensamento, só seria possível uma melhoria racial com um projeto mais amplo no qual teria que favorecer a raça branca no país.
Algumas das ideias de Kehl eram: segregação de deficientes, esterilização dos 'anormais e criminosos', regulamentação do casamento com exame pré-nupcial obrigatório, educação eugênica obrigatória nas escolas, testes mentais em crianças de 8 a 14 anos, regulamentação de 'filhos ilegítimos' e exames que assegurassem o divórcio, caso comprovado 'defeitos hereditários' em uma família.
Segundo a historiadora Pietra Diwan, os princípios vistos na teoria eugenista, ou melhoria genética, teria sido introduzido no Japão, inicialmente, com o discurso da melhoria da raça e inspirado a construção da ideia de inferioridade racial. No período pós Segunda Guerra Mundial instaurou-se no Japão uma lei de esterilização, conhecida como "Lei de Proteção Eugênica", que tinha como principal objetivo o de prevenir a reprodução dos indesejados.
Adentrando um pouco ao tema, notamos que há uma completa discriminação por parte dos adeptos à essa teoria, tendo em vista que simplesmente descartam os indivíduos que não se encaixam no seu entendimento de perfeição, ou seja, no padrão por eles mesmos estipulados. Dessa forma, excluem da sociedade as pessoas que consideram imperfeitas, com a intenção de criar a raça superior, um mundo humanamente evoluído.
Cabe ressaltar que de acordo com a lei 7.716/89, serão punidos os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, sua pena é de um a três anos de reclusão e multa. Dessa maneira, descartar alguém por não ser considerada "perfeita" para os estudiosos dessa teoria, atualmente tal atitude é enquadrada no artigo 121, parágrafo 2º do Código Penal, sendo homicídio qualificado mediante motivo torpe.
Ao pesquisar em meio ao Judiciário brasileiro, encontramos diversas ações com o assunto aborto, apenas pelo feto conter alguma deficiência ou má-formação, com isso a mãe deseja retirá-lo com a desculpa de que ele "não irá sobreviver fora do útero" ou que ele não "vive por muito tempo". Justificativa válida? Podemos afirmar que não. Essa criança tem o direito desde sua concepção, de acordo com o artigo 2º do Código Civil. Portanto, seria tal atitude correta? Restringir a proteção do direito à vida apenas a quem tem saúde ou não apresenta enfermidade grave constitui forma de discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência e doença crônica, o que não é admitido pelo ordenamento constitucional pátrio. Não é a saúde ou a probabilidade de vida futura que garante a proteção dos direitos, mas a condição de ser humano, de que compartilham todos, saudáveis e doentes.
Admitir a supressão da vida do nascituro apenas porque é portador de síndrome grave, de provável letalidade após o nascimento, é afirmar que a vida de um nascituro deficiente tem menos valor e não deve ser protegida, algo que podemos claramente visualizar em muitas ações presentes no judiciário brasileiro. E tal conclusão, à obviedade, ofende o princípio da dignidade da pessoa humana, não restando amparado pelo ordenamento jurídico.
Caberia aos seres humanos determinarem quais indivíduos dentro de uma sociedade são evoluídos, superiores e quais deveriam ser exterminados? Vamos partir dessa reflexão e pensar no mundo atual, onde muitas pessoas gostariam de retirar seus filhos antes mesmos de nascerem ao saberem que esse possuí alguma patologia, anomalia ou simplesmente por acharem que não são e não irão se tornar pessoas perfeitas. O direito de decidir prevalece sobre o direito de existir?
Há outra alternativa
Devemos se pró-vida mediante a qualquer situação, "Escolhe, pois a vida" (Dt 30, 19). No Brasil há diversas associações, comunidades e igrejas em que mulheres com situações graves, desamparadas e pensando em ato abortivo são acolhidas, ajudadas. O objetivo principal é defender os valores éticos e morais da inviolabilidade da vida humana, desde a concepção até a morte de forma natural.
São oferecidas às gestantes, toda a orientação necessária, palestras, oficinas, cursos com noções de empreendedorismo. Além de realizações de eventos beneficentes onde visa-se ajudar financeiramente as mães sem condições financeiras. Além dessa reintegração social, há também o oferecimento de acompanhamento médico, pré-natal e exames necessários para verificação da saúde da gestante e do feto.
Citaremos aqui algumas sem fins lucrativos, com o objetivo de auxiliar as gestantes classificadas socialmente em situações vulneráveis, são elas: Casa Pró-Vida Mãe Imaculada, em Curitiba (PR); Casa Luz, Fortaleza (CE); Casa Mater Rainha da Paz, Canoinhas (SC); Brasil sem aborto, Brasília (DF); Associação Guadalupe, São José dos Campos (SP); Casa da gestante pró-vida São Frei Galvão, Nilópolis (RJ); Pró-vida de Anápolis, Anápolis (GO); Maternativa - Parto e Gestação Consciente, Bauru (SP); entre outras Brasil a fora.
Se ainda assim, a gestante alegar não ter condições ou simplesmente que não gostaria de permanecer com a criança, por quê não levá-lo a adoção? Sabemos que há diversas famílias que, infelizmente, não podem dar à luz e gostariam de ter filhos. No ano de 2017, segundo dados do Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas (CNCA), o Brasil teria 47 mil crianças e adolescentes vivendo em abrigos. E a pergunta que todos realizam é porque essas crianças não são adotadas? A maioria delas estão fora da lista de adoção por manterem vínculo com sua família biológica ou então porque o processo de destituição familiar ainda tramita na Justiça, algo imprescindível para consolidar-se a adoção.
O Conselho Nacional de Justiça afirma que de 246 mulheres atendidas por programas de entrega de crianças para a adoção, 213 mulheres permanecem com seus filhos desistindo de entregá-los. De acordo com eles, as gestantes se dirigem à justiça gravemente abaladas com a gravidez indesejada, após serem direcionadas à Justiça da Infância e da Juventude, recebem o acompanhamento devido de assistentes sociais e psicólogos e se dão conta do vínculo criado com o bebê e desistem de entregá-lo (CNJ, 2018).
No caso de consolidar-se a adoção da criança, há o acompanhamento durante seis meses da Vara de Infância, onde auxiliam o fornecimento da maternidade e excluem a possibilidade da criança ser repassada à terceiros, devido ao tráfico de crianças existente no país.
Diante da alternativa proposta e sempre a favor da vida, temos que o aborto é um drama social e não deve ser encarado como uma conquista. A atitude destrói a saúde física e mental da gestante, além de afastá-la do convívio social. Portanto a melhor maneira de solucionar esse problema é acolher as mães para que não sintam medo e não fiquem sozinhas, ensinando-as sobre a maternidade e permitindo que tenham condições de criar o fruto de sua gestação.
O ser humano deve ser capaz de acolher, ajudar, cuidar, defender e promover a vida de todas as maneiras. O auxílio é dado para que a mãe não desista de seu filho, cabe à ela buscar ajuda e à sociedade em acolhe-la.
Em suma, cabe salientar que o legislador agiu de maneira correta na elaboração do Código Penal brasileiro, não permitindo "brechas" para que ocorram abortos por motivos fúteis de simplesmente não desejar o fruto da concepção, como por motivos de eugenia, ou raças. Na sociedade em que vivemos encontramos a falta do amor e caridade com o próximo, no olhar gentil de encarar as diferenças e aceitá-las. O ser humano, com anomalia ou não, possui o mesmo valor e isso deve ser disseminado entre todos. Julgar pela predominância de um aspecto físico não é viver, não cabe a nós decidirmos quem deve ser morto ou não. Cabe a nós encarar o ser humano com seus respectivos valores, costumes, raças e diversidades.
Referências
Curso de Direito Constitucional, 25 ed., São Paulo: Saraiva, 2000.
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NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Deireito Penal. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.