Adoção por engano?
Um casal do Ceará recebeu como filho uma criança, após cadastro no Cadastro Nacional de Adoção (CNA), por engano.
terça-feira, 5 de janeiro de 2021
Atualizado em 6 de janeiro de 2021 08:58
O mês de dezembro, conhecido pela celebração do Dia Nacional da Família e do Dia da Justiça, ambos comemorados no dia 08 de dezembro, foi controverso em suas festividades. Isso porque, no mesmo mês em que se exalta a família como instituição base da sociedade e a manutenção e preservação da justiça acima de tudo, o Poder Judiciário Brasileiro se viu em uma situação, no mínimo, delicada.
Um casal do Ceará recebeu como filho uma criança, após cadastro no Cadastro Nacional de Adoção (CNA), por engano. Se no início do semestre falávamos em arrependimento da adoção pelos adotantes, fechamos o ano de 2020 comentando acerca do equívoco do sistema de adoção brasileiro em permitir o avanço do processo de adoção a pessoas nem se quer habilitadas para tal, o que evidencia a necessidade de maior preparo para lidar com esses processos.
O casal cearense, mesmo sem recebimento do certificado de conclusão do curso de preparação para adoção (um dos requisitos para habilitação), conseguiu a convivência com um bebê de um mês de idade durante alguns dias.
Isso tudo ocorreu sem a autorização do Ministério Público e, para deixar o caso ainda mais assustador, sem a devida habilitação dos pretendentes que, segundo nota do Ministério Público do Ceará, perderam o prazo para anexar documentos essenciais à habilitação no processo, como o certificado de conclusão do curso de preparação.
Essa trama inteira foi permitida pela responsável do abrigo em que a criança estava após a genitora entregar voluntariamente o filho e não ter comparecido em nenhum ato do processo de destituição do poder familiar, ingressado pelo MPCE, cuja decisão foi exarada no dia 15 de dezembro de 2020, aproximadamente 4 meses após iniciado o processo.
A responsável pela instituição de acolhimento permitiu que a criança fosse levada para a casa dos pretendentes durante finais de semana e, inclusive, para permanecer durante 7 dias consecutivos.
Considerando que o estágio de visita e todo o procedimento consolidado no Estatuto da Criança e do Adolescente foi desvirtuado, é razoável se comemorar que o bebê esteja fisicamente saudável, pois o risco de se permitir que uma pessoa não habilitada conviva com uma criança disponível para adoção, mantendo relação parental, é inestimável, tendo em vista os possíveis danos psicológicos e físicos.
O caso circulou nas redes sociais devido a pretendente ter exposto o ocorrido e ter reivindicado o bebê de volta, alegando ter constituído vínculos afetivos inquebráveis, o que de fato ocorreu, considerando a enorme vontade de ser mãe, relatada pela própria proponente.
No entanto, ficou constatado que o casal compartilhou diversas fotos da criança, afrontando o ECA e violando a integridade física, psíquica e moral do menor, que abrange a preservação da imagem e da identidade.
O Poder Judiciário Brasileiro, em tempos de se comemorar o Dia Nacional da Família e da Justiça, cometeu um grave erro que custou a integridade física de um bebê e o abalo emocional de uma família, que por pouco tempo vivenciou a alegria de ter um filho que tanto sonhava.
Infelizmente a vida deste casal não será mais a mesma, pois o vínculo criado nestes dias de intenso convívio com a criança não será esquecido, mas somente alimentará a dor e angústia de ter o sonho esvaziado pelo Poder Judiciário, que agiu de forma totalmente reprovável, sob a ótica do melhor interesse da criança e dos pretendentes, que viveram dias de ilusão.
Diante disso, mesmo sem os documentos necessários ao processo de habilitação para adoção, o casal pretendente poderia se valer dos vínculos criados para alegar prioridade na fila de espera? Creio que não, visto não ser passível de convalidação o erro cometido pelo Poder Judiciário, que ignorou etapas próprias do processo de adoção.
Conclui-se, portanto, que as providências adotadas até o momento pelo MPCE para impedir o convívio do casal com a criança condizem com sua função precípua de fiscal da lei, mesmo que a situação conduza o discurso a nos solidarizar com o casal afetado. O correto e legal seguimento do trâmite da adoção deve prevalecer para, de maneira ainda mais efetiva, garantir que o melhor interesse do menor seja o amparo das decisões dos tribunais do país.