Existe possibilidade de gratuidade dos atos notariais de divórcio, separação, inventário e partilha?
Análise conjunta do NCPC/15 e da resolução 35/07- CNJ
quarta-feira, 6 de janeiro de 2021
Atualizado às 08:17
A lei Federal 13.105/15 que instituiu o NCPC/15 trouxe diversas novidades e alterações que tendem a aprimorar o processo civil brasileiro.
E um dos temas que merece atenção por parte dos operadores do direito talvez seja: existe possibilidade de gratuidade dos atos notariais de divórcio, separação, inventário e partilha?
Visto que agora a matéria chegou aos balcões de atendimento das serventias extrajudiciais, onde caberá ao Notariado deliberar sobre esse tema, é que iniciamos nossas provocações.
É sabido que o(a) Notário(a), no exercício de suas funções à frente dos cartórios, têm realizado atendimentos à diversos advogados que têm pleiteado a lavratura dos atos notariais de maneira gratuita, quais sejam: divórcios, separações, inventários e partilhas.
Os(as) advogados(as) sustentam o pleito de gratuidade com base na lei Federal 1.060/50, lei Federal 11.441/07, Resolução 35/07-CNJ e, aqui no Estado do Espírito Santo, no próprio Código de Normas da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Espírito Santo (CN-CGJES). Vejamos:
*** Lei federal 11.441/07
Art. 3o A lei 5.869, de 1973 - CPC, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 1.124-A:
" Art. 1.124-A. A separação consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento.
§ 1o A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para o registro civil e o registro de imóveis.
§ 2o O tabelião somente lavrará a escritura se os contratantes estiverem assistidos por advogado comum ou advogados de cada um deles, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.
§ 3o A escritura e demais atos notariais serão gratuitos àqueles que se declararem pobres sob as penas da lei."
*** Resolução nº 35/2007-CNJ
Art. 6º A gratuidade prevista na norma adjetiva compreende as escrituras de inventário, partilha, separação e divórcio consensuais. (Redação dada pela Resolução nº 326, de 26.6.2020)
Art. 7º Para a obtenção da gratuidade pontuada nesta norma, basta a simples declaração dos interessados de que não possuem condições de arcar com os emolumentos, ainda que as partes estejam assistidas por advogado constituído (Redação dada pela Resolução 326, de 26/6/20)
*** Código de Normas CGJ-TJES
Art. 661. As escrituras de separações, divórcios, conversão de separação em divórcio, restabelecimento de sociedade conjugal, inventário e partilha, e sobrepartilha, e os demais atos notariais e de registro delas decorrentes serão gratuitos àqueles que declararem não ter condições de pagar os emolumentos, ainda que assistidos por advogado constituído. * Res. CNJ 35/07, arts. 6º e 7º.
Embora os textos normativos existam, a gratuidade de justiça perante o Cartório de Notas pode e deve ser interpretada sob 02 (dois) prismas, quais sejam: (i) vigência do CPC/73 e (ii) vigência do CPC/15.
Enquanto vigeu o CPC/73 a gratuidade de atos era regida pelas disposições da lei Federal 1.060/50. Vejamos os textos:
Art. 3º. A assistência judiciária compreende as seguintes isenções: (Revogado pela lei 13.105, de 2015) (Vigência)
I - das taxas judiciárias e dos selos; (Revogado pela lei 13.105, de 2015) Vigência)
II - dos emolumentos e custas devidos aos Juízes, órgãos do Ministério Público e serventuários da justiça; ( Revogado pela lei 13.105, de 2 015) (Vigência)
Art. 4º. A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família. ( Redação dada pela lei 7.510, de 1986) (Revogado pela lei 5, de 2015) (Vigência).
Fundado nesta base normativa (CPC/73 c/c LF 1060/50), promulgou-se a lei Federal 11.441/07, posteriormente regulamentada pela Resolução 35/07-CNJ, cujos textos, alinhados ao sistema processual que lhes era contemporâneo, previa a possibilidade de isenção dos emolumentos cartorários. Vide art. 3º da lei Federal 11.441/07 e art. 6º e 7º da Resolução 35/07-CNJ.
Mas o problema não se limita a essa compreensão das leis revogadas, isso por que, embora firmada num contexto legislativo atualmente inexistente (CPC/73 e LF 1060/50 - revogados), o CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ) publicou no DJe/CNJ datado de 28/07/2020 a Resolução 326/20-CNJ reafirmando a gratuidade de justiça dos atos notariais de divórcio, separação, inventário e partilha àqueles que se declararem pobres. Vejamos:
Art. 6º A Resolução CNJ 35, de 24 de abril de 2007, passa a vigorar com as seguintes alterações:
"Disciplina a lavratura dos atos notariais relacionados a inventário, partilha, separação consensual, divórcio consensual e extinção consensual de união estável por via administrativa." (NR)
...............................
"Art. 6º A gratuidade prevista na norma adjetiva compreende as escrituras de inventário, partilha, separação e divórcio consensuais." (NR)
"Art. 7º Para a obtenção da gratuidade pontuada nesta norma, basta a simples declaração dos interessados de que não possuem condições de arcar com os emolumentos, ainda que as partes estejam assistidas por advogado constituído." (NR)
Alinhado a esse entendimento, em 19/02/20 a Egrégia Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Espírito Santo (CGJ-ES) promulgou o Provimento 03/20 (com vigência programada para o dia 01/07/2020) que republicou o novo Código de Normas, e na parte que interesse ao presente estudo, assim se posicionou:
Art. 661. As escrituras de separações, divórcios, conversão de separação em divórcio, restabelecimento de sociedade conjugal, inventário e partilha, e sobrepartilha, e os demais atos notariais e de registro delas decorrentes serão gratuitos àqueles que declararem não ter condições de pagar os emolumentos, ainda que assistidos por advogado constituído. * Res. CNJ 35/07, arts. 6º e 7º.
Ou seja, a CGJ-ES fundamentou a gratuidade dos emolumentos com base na Resolução 35/07-CNJ, que regulamentou a lei Federal 11.441/07, que agora está revogada pelo Novo Código de Processo Civil (CPC/2015).
No que concerne a interpretação normativa proposta por este autor, data maxima venia, temos que a base dessa interação é, invariavelmente, a lei Federal 13.105/15 que instituiu o Novo Código de Processo Civil (CPC/2015). E nesta nova conformação legislativa a figura da gratuidade de justiça ganhou novo texto e novo contexto. Vejamos:
*** Novo Código de Processo Civil (CPC/2015)
Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.
§ 1º A gratuidade da justiça compreende:
IX - os emolumentos devidos a notários ou registradores e m decorrência da prática de registro, averbação ou qualquer outro ato notarial necessário à efetivação de decisão judicial ou à continuidade de processo judicial no qual o benefício tenha sido concedido.
Vejamos que o contexto legislativo que permitia a lavratura de ato notarial com aplicação de tabela isenta (gratuita) deixou de existir ante a edição do Novo Código de Processo Civil (NCPC/2015), visto que este revogou a LF 11.441/07, e com ela a Res. 35/07-CNJ.
Pela legislação atual, a gratuidade de atos pelos cartórios extrajudicial só deve ocorrer em decorrência da prática de registro, averbação ou qualquer outro ato necessário à efetivação de decisão judicial ou à continuidade de processo judicial no qual o benefício tenha sido concedido.
Por essas razões de direito é que firmamos entendimento no sentido de que, ex lege, não há previsão de gratuidade de emolumentos notariais quanto aos atos de separação e divórcio, partilhas e inventários. Reconhece-se, outrossim, que sob a égide do CPC/73 alinhado a LF 1060/50, a gratuidade poderia ser exercida àquele que se declarasse pobre nos termos da lei, mas o texto da lei extirpou essa gratuidade.
A previsão emanada do PODER LEGISLATIVO ao editar e promulgar o Novo Código de Processo Civil (CPC/2015), em nosso sentir, não deixa margem de dúvidas quanto a impropriedade e impossibilidade de se aplicar gratuidade de emolumentos na esfera notarial. Ainda que a Resolução 326/20 do CNJ ou Códigos de Normas estaduais contenham previsão de gratuidade de atos notariais, a simples menção à Resolução 35/07-CNJ já permite, data vênia, o vislumbre do equívoco, visto que a Resolução 35 regulamenta uma lei que já foi revogada.
Por amor ao debate, ainda que se dê esticidade aos textos da Resolução 35/07-CNJ sob o argumento de que eles (os textos) teriam sido reaproveitados para regulamentar essa parte específica no Novo CPC/2015 (na parte que trata sobre sepação, divórcio, inventário e partilha extrajudicial), importante fixar que a norma regulamentadora (resolução 35, CNJ) não pode contrariar a norma regulamentada (NCPC/15), de modo que a previsão de gratuidade presta na resolução (norma administrativa) jamais poderia superar uma vedação prevista em lei (norma legislativa).
Neste sentido e por fim, defendemos que, atualmente, não há existe previsão legal de gratuidade de emolumentos quanto a práticas de atos de divórcio, separação, partilha, inventário.