O Impacto do Coronavírus na Proteção de Dados
Em breve síntese, os dados, embora sejam difusos, complexos e líquidos, não podem ser tratados sem que os princípios (art. 6º) e hipóteses (art. 7º) da LGPD sejam efetivamente respeitados.
terça-feira, 5 de janeiro de 2021
Atualizado às 09:56
O mundo está diante de um processo de intensa transformação. A pandemia da Covid-19 instaurou uma crise nunca vista na história recente da humanidade, talvez só nas duas grandes guerras, pois, além das centenas de milhares de vidas ceifadas, presenciamos um profundo colapso da economia mundial, com milhões de novos desempregados e a bancarrota de vários Estados.
Este inimigo, ainda quase desconhecido, instaurou o mais rígido distanciamento social já visto, confinando as pessoas, e mudando definitivamente a rotina diária e empresarial exercidas até então.
Paradoxalmente, efeitos positivos podem ser extraídos deste atípico momento que perpassa a História humana. A crise acelerou o parto do fenômeno da transformação digital, que, sem dúvida, já vinha sendo experimentado em maior ou menor medida, mas que recebeu um impulso extremo com o isolamento e imposição estatal de fechamento ou redução de frequência nos estabelecimentos empresariais, forçando a migração maciça dos agentes que atuam no mercado para o ambiente virtual e, consequentemente, elevando o consumo digital.
Práticas como o trabalho por meio de home office, reuniões virtuais, ensino à distância, prestação de serviços através de canais digitais, intenso uso do e-commerce etc., passaram a integrar o dia a dia das pessoas. Essa onda de novidades tomou de assalto à vida dos brasileiros, exigindo, assim, uma readequação de rotina e boas práticas empresariais.
Tal readequação também fora impulsionada pela sanção presidencial da LGPD (lei 13.709/18), que, no Brasil, fora fecundada através da Consulta Pública iniciada no mês de dezembro do ano de 2010, de titularidade do Ministério da Justiça, visando à criação de um anteprojeto de lei que garantisse a proteção de dados pessoais, inclusive na internet.
Já no ano de 2013 tivemos o famoso "escândalo Edward Snowden", ex-técnico da CIA, que fora acusado de espionagem após vazar informações sigilosas de segurança dos EUA, e revelar em detalhes alguns dos programas de vigilância deste Estado - utilizando servidores de empresas como Google, Facebook e Apple -, para espionar os americanos e até outros países, dentre eles o Brasil.
Por conta de o escândalo afetar a soberania nacional, o Governo Federal e Congresso Nacional adquiriram "vontade política" para impulsionar a tramitação do então PL 84/99 e PL 2.126/11, este de iniciativa do Executivo, proposto após o ataque de crackers aos sites federais no ano de 2011.
O PL 2.126/11 transformou-se então na lei 12.965/14, denominada de Marco Civil da Internet. Após, no ano de 2015, o Ministério da Justiça voltou a abrir nova Consulta Pública pautada nos moldes do novel Marco Civil, visando melhor implementar uma proteção de dados.
A nova consulta estava sendo pautada em paralelo ao que acontecia no velho mundo, através do processo de elaboração do General Data Protection Regulation - GDPR pela União Europeia, que buscava fixar regras mais rígidas para um cenário pós-moderno de coleta de dados (a UE já disciplinava normas relacionadas à privacidade desde 1995).
Em meio aos empasses, discussões e oposições, a fagulha que faltava para que o GDPR tornasse absolutamente defensável surgiu através de outro escândalo, agora denominado de "Cambridge Analytica".
Em breves linhas, o novo escândalo envolveu a coleta de informações pessoalmente identificáveis de praticamente 87 milhões de usuário do Facebook, sem o consentimento expresso. Tais vinham sendo colhidas pela Cambridge desde o ano de 2014 e, em tese, foram utilizadas para influenciar a opinião de eleitores em vários países, com o objetivo de beneficiar plataformas políticas que contratavam os seus serviços.
O escândalo levou o mundo a discutir com mais afinco sobre as normas éticas para empresas de mídias sociais, turbinando os processos legislativos de diversos Estados para aprovação de leis de proteção de dados pessoais, inclusive o Brasil.
Assim, no ano de 2018, a LGPD foi sancionada, e no mês de dezembro editou-se a MP 869, prevendo a criação da Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD).
Pois bem. Atualmente, com a grande expansão do e-commerce e digitalização das empresas, ambas decorrentes do isolamento social, e entrada em vigor da legislação de proteção de dados, tornou-se imperiosa a autoresponsabilidade empresarial, demandando cada vez mais uma assessoria jurídica especializada.
Importante destacar que o tema já chegou ao STF, que proferiu recentemente uma decisão suspendendo a eficácia da Medida Provisória 954/20, que permitia o compartilhamento de dados pessoais de usuários de telecomunicações com o IBGE para a produção de estatísticas oficiais durante a pandemia (ADIs 6.387, 6.388, 6.389, 6.390 e 6.393).
Com isso, podemos dizer que a LGPD, confessadamente, voltou-se, cuidadosa e esmeradamente, para a proteção dos direitos dos titulares de dados, direitos estes pautados na Teoria dos Círculos Concêntrico da Vida Privada (privacidade, intimidade ou confidência e segredo), clareando este ainda obscuro campo mercadológico de empresas que trabalham com base de informações de terceiros.
Ou seja, em breve síntese, os dados, embora sejam difusos, complexos e líquidos, não podem ser tratados sem que os princípios (art. 6º) e hipóteses (art. 7º) da LGPD sejam efetivamente respeitados.
Fato é que, o momento exige boas práticas, tanto sanitárias quanto digitais, valendo a proteção e o tratamento adequado de dados pessoais, não apenas pelo rigor penalizador da lei, mas como um diferencial de extrema importância as empresas no momento de colocar-se no mercado de consumo, nacional e internacionalmente.