Gratuidade de Justiça é Direito Constitucional
A gratuidade de Justiça está expressamente prevista no artigo 5º, LXXIV, da Constituição Federal de 1988.
quarta-feira, 23 de dezembro de 2020
Atualizado às 09:03
O benefício da gratuidade de Justiça surge na Constituição de 1934, tendo sido repetido nas demais Constituições, salvo na de 1937. Na legislação infraconstitucional, a matéria foi prevista na lei 1.060/50.
A gratuidade de Justiça está expressamente prevista no artigo 5º, LXXIV, da Constituição Federal de 1988, estabelecendo que "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos".
Ressalta-se que, Justiça gratuita significa isenção das custas processuais e assistência jurídica gratuita é o patrocínio da causa por advogado de forma gratuita e, quando prestado pelo Estado, se dá pela Defensoria Pública.
Isso porque, a jurisdição está sob o monopólio do Estado para resolver os conflitos de interesses, assegurando a aplicação da lei, por um terceiro imparcial. Sendo que, trata-se de serviço público pago mediante taxa, para que o Poder Judiciário consiga exercer sua missão constitucional, pagando seus servidores públicos, serviços e prédios públicos necessários a tal finalidade.
Nesse contexto, a parte que demanda em Juízo precisa pagar as custas processuais e honorários do advogado da parte vencedora, pois no processo vige o princípio da causalidade-sucumbência, ou seja, aquele que deu causa ao processo e perdeu o pedido de forma total ou parcial deve arcar com as custas processuais e honorários.
Assim, as custas processuais são valores devidos pelas partes ao Estado em razão dos serviços judiciários prestados na tramitação das ações. Dentro desses valores estão as taxas judiciárias e as despesas processuais.
Na Justiça do Trabalho, a lei da reforma trabalhista, lei 13.467, de 13 de julho de 2017, introduziu alterações à CLT, prevendo expressamente o benefício da gratuidade de Justiça, nos artigos 790, parágrafos 3º e 4º; 790-B; 791-A, parágrafos 3º e 899.
O artigo 790, § 3º, CLT, estabelece uma presunção relativa de que o benefício será concedido aos que perceberem salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.
Já o artigo 790, § 4º, CLT, prevê que, "o benefício da Justiça gratuita será concedido à parte que comprovar insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo."
A questão é saber se prevalece a presunção relativa ou se a parte deverá comprovar nos autos a insuficiência de recursos.
O STF possui entendimento consolidado no sentido de que, para a concessão da assistência judiciária gratuita, a declaração de pobreza é documento hábil para, até prova em contrário, demonstrar a insuficiência de recursos financeiros, com fulcro na Constituição Federal de 1988 e na lei 1.060/50.
Insta salientar-se que, a parte poderá ser executada se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade.
O TST vem decidindo que a declaração pessoal de pobreza é suficiente para garantir justiça gratuita.
Sobre o tema, há a súmula 463, TST, a qual prevê que para a concessão da assistência judiciária gratuita à pessoa natural, basta a declaração de hipossuficiência econômica firmada pela parte ou por seu advogado. Contudo, para a pessoa jurídica é necessária a demonstração cabal de impossibilidade de arcar com as despesas do processo.
Dessa forma, na Justiça do Trabalho, em virtude da hipossuficiência do trabalhador, tem prevalecido o entendimento de que a mera declaração de pobreza é suficiente para a concessão do benefício da gratuidade de Justiça à pessoa natural.
Contudo, é preciso ficar atento à veracidade da alegação de pobreza, pois a parte contrária poderá comprovar nos autos a possibilidade de cumprir a obrigação pelas despesas processuais e honorários pela parte que alega a pobreza.
Vejamos, a presunção de que a parte que alega pobreza é relativa, ou seja, admite prova em contrário.
Ademais, no processo vige o princípio da boa-fé e da cooperação entre as partes durante toda a relação processual. As partes devem fazer alegações de fatos verídicos, caso contrário podem ser punidas pela litigância de má-fé.
A parte que incorrer em litigância de má-fé será condenada a pagar multa, indenizar os prejuízos, arcar com os honorários advocatícios e as despesas que efetuou a parte contrária.
Nesse diapasão, conquanto, o entendimento que tem prevalecido na Justiça do Trabalho seja no sentido de que a mera declaração de pobreza da parte é suficiente para a concessão do benefício da gratuidade de Justiça, é preciso obedecer a boa-fé processual, sob pena de incidir em litigância de má-fé e ser obrigado a arcar com as despesas processuais.
Por outra via, não podemos deixar de considerar que o primordial quando tratamos do tema em relevo é o direito de acesso à justiça por parte ampla das pessoas, que sequer possuem em muitos casos a condição mediana de entendimento de seus direitos.
A declaração de pobreza deve ser considerada como afirmação de não condições para o acesso à justiça e tal afirmação deve ser considerada sem maiores suspeitas ou subjetividades, quando da primeira análise pelo magistrado da causa, sob pena de impedimento de acesso ao judiciário por parte daqueles que mais necessitam.
Todavia, lamentavelmente temos observado inúmeros indeferimentos de pedidos de justiça gratuita sem critérios objetivos ao mero capricho de quem o indefere no exercício da função. Tal situação eleva a interposição de recursos de agravo de instrumento junto aos Tribunais tornando a própria tramitação do feito e o seu desenrolar em outras esferas mais caro que se fosse deferido de plano o direito pleiteado.
A qualquer pretexto que se possa argumentar a negativa do direito invocado de justiça gratuita já na fase inicial do processo mediante a mera declaração de pobreza impõe na pratica o cerceamento do acesso à justiça e de início enfraquece a parte que busca esse acesso na relação processual.
Assim, podemos concluir que o acesso constitucional a justiça deve ser respeitado como direito sagrado e conquista que faz parte de marco histórico no direito pátrio, a partir da sua efetivação na Constituição Federal de 1988 e jamais deve ser relativizado esse direito, para que seja garantido que ninguém, que tenha necessidade de buscar o auxílio jurisdicional do Estado seja impedido em seu intento por não possuir condições econômicas.
Cleiton Leite Coutinho
Advogado, Diretor do Sindicato dos Advogados do Estado de São Paulo (SASP) e membro da ABJD (Associação Brasileira de Juristas Pela Democracia).