Quem tem medo do Judiciário? Será o próprio?
Nos últimos anos criou-se no país uma cultura punitiva, que apregoa, dentre outras ideias, ser a pena de prisão a única resposta plausível para o crime.
segunda-feira, 21 de dezembro de 2020
Atualizado às 09:30
Basta um pequeno texto sobre a importância, ou melhor sobre a imprescindibilidade do Juiz das Garantias e a urgência de sua adoção uma vez que já está inserido no ordenamento jurídico brasileiro, estando, no entanto, com a sua efetividade suspensa por determinação do eminente presidente do Supremo Tribunal Federal.
A sua inserção, diga-se atrasada, é bem-vinda, em face das notórias e graves distorções existentes nas investigações que precedem a ação penal, com reflexos na sua final decisão, que conduzem por vezes a gritantes injustiças.
A sua natureza, contornos doutrinários e legais foram expostos com clareza e objetividade, pelo Instituto de Garantias Penais em um habeas corpus impetrado perante o Supremo Tribunal Federal, para ser removido o óbice de sua instalação, representado por decisão de seu ilustre presidente.
As manifestações a respeito do novo instituto, consagrado em inúmeros outros países, confirmam uma distorção hoje imperante no sistema penal brasileiro. Há uma tendência punitiva, em nome do pseudo combate à criminalidade, que atingiu parte da própria magistratura e é sistematicamente difundida pela imprensa a ponto de haver contaminada a sociedade.
A ideia do combate ao crime por meio de medidas sancionatórias, ao contrário de ser desmistificada pelos responsáveis pela persecução penal, é por eles enganosamente estimulada. O crime não é combatido por meio da punição. Essa é pós crime. Tivesse ela o condão de diminuir o cometimento de delitos a nossa população carcerária não teria atingido o espantoso número de 820 mil presos. Aumenta a punição e não diminui a criminalidade.
Na realidade o crime só pode ser combatido com eficácia se as causas do delito forem atacadas. O fundamental é evitar-se o crime e não puni-lo após a sua ocorrência.
Para os que pregam a prisão é tolerável o crime, desde que haja punição.
Não há nenhuma abordagem, nenhuma discussão ou polêmica sobre as razões do crime, clama-se por punição e por repressão e nada mais. Parece que o crime fica em segundo plano, pois diante do seu cometimento, o que importa é o castigo, como ato de vingança.
O corpo social, por sua vez, desconhece as engrenagens judiciárias e aceita sem nenhuma avaliação ou exame, aquilo que é exposto pela mídia, uma vez que perdeu o senso crítico. Assim, constitui terreno fértil para as pregações repressivas.
Nos últimos anos criou-se no país uma cultura punitiva, que apregoa, dentre outras ideias, ser a pena de prisão a única resposta plausível para o crime. Ademais, esse comportamento voltado para a repressão criou, em face de um processo penal, uma expectativa social pela culpa e pela condenação, esquecendo-se ser o processo um instrumento de busca da verdade e que essa pode conduzir à inocência e à absolvição.
Pois bem, os prosélitos dessa cultura, integrantes da classe política, do Ministério Público e do Poder Judiciário voltam-se agora contra o Juiz das Garantias, mais uma vez tendo como arauto e porta voz a imprensa.
Presos vão ser soltos; o Judiciário não tem estrutura para sua implantação e implemento; os processos vão atrasar; haverá um conflito entre os dois juízes; o H.C. agora impetrado se assemelha com o concedido a André Macedo. Esses argumentos e outros que tais, são irrespondíveis, não pela procedência, mas pelos absurdos que contêm.
Não se sabe com base em que se baseiam os críticos do novel instituto e do H.C. impetrado, para afirmar que inúmeros presos serão soltos. Não é verdade. A eventual concessão da ordem poderá ser modulada pelo Supremo e apresentar os seus efeitos ex nunc. Fala-se em nulidade dos atos processuais praticados a partir de janeiro quando da liminar do ministro Fux, outra inverdade.
É lamentável que parte da classe jurídica, comprometida com a filosofia punitiva, se rebele contra a adoção, repito atrasada adoção, do Juiz das Garantias, que representa um instrumento fundamental para que haja a salvaguarda da efetivação dos direitos e garantias do investigado, bem como de sua dignidade, durante as investigações.
A estranheza e a desaprovação da advocacia brasileira em face desse incompreensível movimento contra o novo instituto aumenta ao se verificar que para combate-lo se está utilizando de inverdades, fato, no entanto, coerente com a época das "fake news".
Deveria o Poder Judiciário dar apoio integral à adoção e à rápida implementação do instituto, pois fortalece e amplia o seu protagonismo como gestor único da distribuição de justiça no país e agente garantidor supremo da higidez do ordenamento jurídico e do Estado Democrático de Direito.
Talvez seja procedente a pergunta : Quem tem medo do Poder Judiciário? Eu pergunto será o próprio?
Antônio Claudio Mariz de Oliveira
Advogado, sócio da Advocacia Mariz de Oliveira.