MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Eleições na OAB: caminhando pela e para a igualdade

Eleições na OAB: caminhando pela e para a igualdade

Mais um avanço, mais um importante passo dado.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Atualizado às 11:59

No último dia 14 de dezembro, a comunidade jurídica recebeu a notícia da aprovação pelo Conselho Pleno da OAB Nacional da adoção de paridade de gênero (50%)1 e da política de cotas raciais para pretos e pardos (30%)2. Para as próximas eleições, deverão ser respeitados os referidos percentuais na composição de todas as chapas, em todos os níveis (Federal, Seções e subseções e Caixas de Assistência), tanto para titulares como para suplentes.

A primeira mulher a exercer a advocacia no Brasil foi Myrthes Gomes de Campos. Algumas pouquíssimas outras já haviam se graduado em Direito, mas nenhuma ainda obtivera o competente registro profissional e de fato exercido a profissão. Myrthes formou-se em 1898. Contudo, teve que enfrentar muita resistência até obter sua filiação no Instituto da Ordem dos Advogados do Brasil.

Atualmente, transcorrido mais de um século, analisando-se a advocacia brasileira, o número de mulheres registradas na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) alcança patamar de quase igualdade numérica aos homens, são 605 mil homens e 603 mil mulheres3. Contudo, ao verificarmos os números nos cargos de liderança da instituição, encontramos, por exemplo, uma Diretoria do Conselho Federal composta exclusivamente por homens, apenas 13,67% de mulheres como Conselheira Federal, 31,25% de mulheres na composição de Comissões do CFOAB. Ocorre na OAB, assim como nos escritórios de advocacia, uma flagrante diminuição de participação feminina quando observamos os assentos nos órgãos de direção e quadros societários.

Em estudo publicado em 2017, constatou-se que o ingresso de mulheres e homens como advogadas/advogados júnior (primeiro nível na sociedade de advogados) nos 15 maiores escritórios de advocacia da cidade de São Paulo, principal centro da advocacia internacionalizada, é equânime. Entretanto, conforme se observa os cargos de advogada/advogado pleno e sênior (segundo e terceiro níveis) a participação feminina é drasticamente reduzida, chegando a 10%4. Percebe-se o que os estudiosos denominam de segregação vertical, processo pelo qual as mulheres são excluídas de forma estrutural da ascensão da carreira nas sociedades de advogados.

Assim, fica bastante evidente que a igualdade numérica de advogadas inscritas nos quadros da OAB, bem como o grande número de estudantes mulheres nos cursos de graduação em Direito, estão ainda longe de ser o suficiente para que se observe uma verdadeira inclusão na carreira, o que torna a votação histórica de 14 de dezembro um marco no movimento pela equidade de gênero, não só na advocacia, mas com reflexo em todas as carreiras jurídicas. A adoção da paridade de gênero foi resultado da ousada iniciativa da advogada Valentina Jungmann (OAB/GO), proposição que ficou conhecida por meio da campanha Projeto Valentina: paridade já!

Quanto as cotas raciais, os notórios e lamentáveis ataques a negros e pardos que assistimos na mídia brasileira e mundial este ano (e que sabemos ocorrer todos os dias, sob os holofotes da mídia ou não...) são mais que suficientes para mostrar o quanto precisamos caminhar em ações antirracistas.

Com a nova regulamentação para as eleições, a OAB cumpre sua finalidade estampada no artigo 44, I, de seu Estatuto:  defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas.

E mais. Em tempos de pauta ESG (environmental, social and governance), a OAB alinha-se com a governança corporativa exigida de todas as organizações, e não apenas das empresas. Vai ao encontro dos objetivos 5 e 10 (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas), pois não nos esqueçamos que diversidade e inclusão integram a sustentabilidade das organizações.

A OAB fez a lição de casa. Mais um avanço, mais um importante passo dado; porém, muito caminhar ainda pela frente para todas as organizações, especialmente unindo os dois marcadores sociais, gênero e raça, onde nos encontramos na encruzilhada chamada de interseccionalidade5.

_________

1- Conselho Pleno aprova paridade de gênero para as próximas eleições (oab.org.br)

4- BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins. Feminização da advocacia e ascensão das mulheres nas sociedades de advogados. Cad. Pesqui., São Paulo, v. 47, n. 163, p. 16-42, mar. 2017. DOI: https://dx.doi.org/10.1590/198053143656. Disponível aqui. Acesso em: 12 out. 2020.

Letícia Baddauy

Letícia Baddauy

Advogada (FADUSP). Administradora de empresas(FGV). MBA Agronegócios(USP/ESALQ). Mestre em Processo Civil(UEL). Fellow CIArb. Árbitra. Diretoria CAMFIEP. Professora Universidade Estadual de Londrina.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca