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Entre números, estatísticas e promessas, o que há para se comemorar após um ano da reforma da previdência?

Uma reforma é sim sempre aguardada e bem-vinda, contudo, com bases técnicas sólidas, para consolidar a proteção e sua essência de justiça social.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

Atualizado às 16:06

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Em mais uma ocasião, o tema da reforma do sistema previdenciário brasileiro vem à baila. E por outro contexto, vale dizer, registrar o seu primeiro ano de existência ocorrido em 13/11/20.

A bem da verdade e em outros momentos, esse tema seria a bola da vez, a notícia do dia ou a pauta-bomba do planalto central, tendo sido superada, infelizmente, pelos efeitos degradantes da pandemia global da covid-19, além das costumeiras intrigas políticas que ocupam os noticiários nacionais, ávidos pelos holofotes em meio à crescente e fúnebre expansão do vírus.

Também, superada que foi pela sua surpreendente e voraz aprovação, em tempo recorde, contra tudo e todos, por exemplo, sequer preparando os próprios servidores e o sistema do INSS para suas impactantes novidades1.

E aqui, um singelo início do que se viu na origem, nascida na contramão da maciça opinião pública, sobretudo a especializada sequer chamada para discussão e acompanhamento em todos os passos, tendo sido discutida e de forma apressada na revelia dos desejos dos atores sociais e destinatários da técnica previdenciária constitucional de abrigo e proteção social.

Servidores sem treinamento, alta procura, regras de transição confusas, vigência imediata, sistema inoperante, fila avolumada de pedidos represados, afastamento expressivo de servidores, ausência de concursos para os novos, enfim, um cenário caótico e regressivo, sobretudo, das aspirações realizadas pela sociedade no horizonte de promulgação da Carta de 1988.

E decorridos doze meses de sua vigência imediata, ou seja, a partir de 13/11/19, pouco há o que se comemorar.

Anunciada como a "Nova Previdência" viria para trazer justiça social, ajustes das contas públicas e equilíbrio do sistema, contudo, o que se viu, notadamente após o seu primeiro ano de existência foram apenas discursos retóricos e de pouca verificação prática.

Essencialmente seu apressado debate, a voraz tramitação, além da surpreendente vigência em dia seguinte da publicação pela mesa diretora do Congresso Nacional2, em verdade, produziu a desconfiança do sistema, o aumento da informalidade, o enfraquecimento da Previdência Pública e o sentimento implícito de injustiça das mudanças, atingindo de forma expansiva, direta e dura os trabalhadores da iniciativa privada, àqueles do Regime Geral, o maior regime previdenciário nacional, já caracterizado por inúmeros fatores a desfavor de seu público-alvo.

Logo, os resultados esperados foram outros e os gestores do movimento certamente detinham a ciência de seus efeitos, sobretudo no âmago dos trabalhadores da iniciativa privada que por si só, vivem em média com dois salários-mínimos, mas que se viram atingidos de forma abrupta pelo resultado reformador.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, em alto e bom som, testemunhou que: "Infelizmente, elite também erra, porque quer que a sociedade pague a conta da redução do custo de alguns setores da economia. Mas temos que falar a verdade. Na [reforma da] Previdência, a sociedade pagou mais a conta do que empresários. Na tributária, todos vão ganhar, porque o Brasil vai crescer... Mas se algum setor está preocupado, tem que dialogar e entender que a parte da contribuição dos empresários deve existir, da mesma forma que o brasileiro do regime geral do INSS também colaborou com a reforma da Previdência. Com isso, teremos um estado mais justo, menos desigual e com menos concentração de renda."3.  

 De relevo, destacar a mudança do discurso tão logo restou assegurada a aprovação, promulgação e publicação da emenda constitucional 103 de 2019 e que alterou, sistemicamente, a conjuntura previdenciária nacional.

Lado outro, pouco há de se comemorar ainda ao perceber a sociedade brasileira que nem todas as categorias foram abarcadas na reforma, notadamente, os militares das forças armadas, parlamentares, policiais e outros, preferindo a denominada "Nova Previdência" englobar somente os trabalhadores do Regime Geral e os Servidores Públicos Federais, inequivocamente impactados há anos pela fragilidade da previdência pública.

Também, poderia aqui ser elencado, ponto a ponto, as cruciais mudanças, contudo, não sendo este o objetivo central do presente debate, mas, ainda que de maneira sintética, importante elencar algumas.

Preferiu a reforma não alterar a essência do até então benefício conhecido como auxílio-doença, atual benefício por incapacidade temporária, estando aqui a única alteração, da sua identidade, sem que, por exemplo o valor do benefício restasse também modificado. É que permanece com o salário-de-benefício calculado a partir da alíquota de 91%, ao passo que benefício principal ou consequente, vale dizer, o fruto do benefício temporário, a invalidez permanente será calculada com a alíquota de 60%, ou seja, invalidez permanente terá valor menor do que o benefício equivalente, mas temporário, em um completo disparate técnico, sobretudo pelo grau de incapacidade máxima do ato de proclamação da invalidez permanente.

E não para por aqui.

Tanto a regra de transição, quanto a nova regra da aposentadoria especial são demasiadamente esdrúxulas e representam abertamente um retrocesso finalístico da própria essência previdenciária.

Ora, imagine um simples técnico de enfermagem com seus 50 anos de idade e que tenha atingido no mês de nascimento da reforma, quer seja, 11/19, exatos 24 anos de atividade especial. Não tendo atingido o cumprimento de todos os requisitos, terá que se curvar a regra de transição desse benefício, aliás, única, ou seja, demonstrar o atingimento de 86 pontos. Com seus 50 anos de idade e acrescidos dos 24 cumpridos atingirá 74 pontos, mas necessitará de mais 12 anos em sua transição, quando, no sistema pretérito bastaria ter completado um ano para os 25 necessários.

Diferente não ocorreu com o novo regramento para os novos filiados em que deverão demonstrar o requisito etário de 60 anos aos agentes físicos que demandam o cumprimento de 25 anos de atividade especial, por exemplo o ruído. Logo, tendo 25 anos cumpridos em um ambiente ruidoso severo e a idade de 45 anos, somente poderá se jubilar quando demonstrar o requisito etário, portanto, terá que ativar no mesmo ambiente perverso à sua saúde por mais 15 anos.

Outra e das mais polêmicas alterações ocorreu com a pensão por morte, aliás, também inserida no contexto dos regimes próprios. É que a partir de agora o valor do benefício será fixo ao patamar de 60% em favor do dependente, sem reversão de cota e com relativização da cumulação com outros benefícios, fazendo a reforma, tratamento díspare entre segurado e dependente a que a Teoria Geral do Direito Previdenciário demonstra indevida.

Ademais, que se registre que resta verificado o custeio cheio do benefício originário do instituidor da pensão, razão outra de que a entrega do pensionamento não poderia ser em outro patamar, sobretudo a menor e aviltante, como o que se viu na aprovação.

E esses debates, dentre outros e outros não param por aqui, sendo o pacote reformador altamente agressivo a seu público-alvo, já preteridos pelo sistema por diversos motivos e há anos.

Uma reforma é sim sempre aguardada e bem-vinda, contudo, com bases técnicas sólidas, para consolidar a proteção e sua essência de justiça social, mas não o contrário, conferindo primazia nos números, de forma fria, superficial e equidistante dos interesses dos atores sociais, personagens ativos de um país de excluídos.

A bem da verdade, somente números, dados, estatísticas e promessas é que ecoaram a partir de então, no aguardo de que o tempo possa demonstrar, efetivamente, que estavam certos, que a reforma se justificava por esses argumentos, pois, caso contrário, ano após ano, em memória cronológica e na linha do tempo da Emenda 103, pouco haverá a se comemorar.

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Sérgio Henrique Salvador

VIP Sérgio Henrique Salvador

Mestre em Direito Constitucional (FDSM). Pós-graduado em Direito Previdenciário e em Direito Processual Civil. Professor Universitário. Escritor. Conselheiro da OAB/MG. Membro da Rede Internacional de Excelência Jurídica.

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