Criogenia: O direito de escolher o destino do corpo após a morte
A discussão travada nos autos consistia na validade da manifestação da última vontade do falecido e se afrontaria a legislação brasileira.
segunda-feira, 14 de dezembro de 2020
Atualizado às 08:44
No julgamento do REsp 1.693.718/RJ1 o STJ se deparou com situação bastante peculiar: três irmãs debatiam a destinação do corpo do falecido pai. Enquanto duas pretendiam sepultá-lo, a terceira buscava mantê-lo submetido ao processo de criogenia nos Estados Unidos, defendendo ser esse o desejo por ele manifestado em vida. A discussão travada nos autos consistia na validade da manifestação da última vontade do falecido e se afrontaria a legislação brasileira.
O relator, ministro Marco Aurélio Belizze, apontou que a forma mais comum de destino dos corpos no Brasil é o sepultamento, havendo também outras previstas em lei, como a cremação e a destinação do cadáver não reclamado para fins de estudo ou pesquisa científica. A criogenia (técnica de congelamento do corpo após a morte, em temperatura baixíssima), por sua vez, não possui previsão legal, razão pela qual se utilizou da analogia para julgar o caso.
O ministro entendeu que, além de inexistir norma proibindo a criogenia, ela não ofende a moral e os bons costumes, pois não transforma o corpo em patrimônio, tampouco há exposição pública do cadáver, o que seria incompatível com as normas sanitárias e com o devido respeito aos restos mortais, já que o corpo está acondicionado em local reservado, sem impedir a visitação dos familiares.
Ademais, diante da falta de manifestação expressa deixada pelo falecido, entendeu que se presume que a sua vontade seja aquela apresentada pelo familiar mais próximo, a filha que conviveu com o pai por mais de 30 anos e que afirmava o seu desejo de ser submetido à criogenia.
O ministro concluiu que "A solução da controvérsia perpassa pela observância ao postulado da razoabilidade, porquanto, a par do reconhecimento de que o de cujus realmente desejava ser submetido ao procedimento da criogenia após a morte, não se pode ignorar, diante da singularidade da questão discutida, que a situação fático-jurídica já se consolidou no tempo, impondo-se, dessa forma, a preservação do corpo do pai da recorrente e das recorridas submetido ao procedimento da criogenia".
1 REsp 1.693.718/RJ, rel. ministro Marco Aurélio Bellizze, 3ª turma, julgado em 26/3/19, DJe 4/4/19.
Ana Beatriz Rocha
Advogada e membro do Escritório Professor René Dotti.