O desafio da contratação de pessoas com deficiência
No mês em que se comemora o dia da pessoa com deficiência, não se pode esquecer a importância de se discutir a inclusão desses profissionais no mercado e as questões que cercam este tema.
segunda-feira, 14 de dezembro de 2020
Atualizado às 08:02
As Nações Unidas, desde 1992, determinaram que todo o dia 03 de dezembro deveria ser dedicado, internacionalmente, como uma data comemorativa às pessoas com deficiência.
A intenção seria a de fomentar constante debate e compreensão de importantes questões ligadas à defesa dos diretos das pessoas com deficiência, com foco em um olhar cuidadoso para a garantia de sua dignidade, saúde e bem estar.
Na esfera judicial trabalhista brasileira, um dos temas que usualmente comporta grande discussão acerca do profissional com deficiência, seria as dificuldades encontradas para o cumprimento da cota de contratação de pessoas com deficiência, à qual as empresas com mais de 100 empregados estão sujeitas, em decorrência do previsto no artigo 93 da lei 8.213/91.
Ainda que nobre e necessária a previsão legal, o que vem se vivenciado ao longo dos anos é verdadeira batalha das empresas na tentativa de cumprir esta obrigação, o que lhes impõe o constante risco de sofrerem fiscalizações pela Secretaria do Trabalho e investigação pelo Ministério Público do Trabalho que, não raro, as sujeitam à multas administrativas de valores significativos e, judicialmente, à condenações em indenização por danos morais coletivos que não são desprezíveis e obrigações de fazer sob pena de aplicação de multas.
As dificuldades impostas às empresas são diversas e navegam por caminhos espinhosos como: a histórica baixa qualificação do profissional com deficiência; ausência de incentivo familiar para que este profissional busque o mercado de trabalho; dificuldades de mobilidade agravadas pelo pobre transporte público urbano oferecido em diversas localidades no território nacional; desinteresse do cidadão com deficiência oriundo do recebimento do benefício previdenciário - LOAS.
Somado aos pontos acima, tem-se, muitas vezes, os obstáculos inerentes à algumas atividades fim que podem não comportar, em grande parte de sua operação, a contratação do profissional com deficiência, na medida em que várias condições pessoais os impediriam de executar com segurança as funções existentes da empresa ou a preencher os requisitos de regulamentos da categoria. Casos clássicos de setores que enfrentam essa situação seriam os de: transporte de carga; aeroviário, off shore, dentre outros.
Neste cenário, em especial após a Reforma Trabalhista e considerando a máxima de que o negociado se sobrepõe ao legislado, algumas empresas e até mesmo categorias têm negociado coletivamente regras mais próximas à sua realidade para gerir o cumprimento da cota de contratação de pessoas com deficiência.
Muito se discutiu se este poderia ser um caminho seguro juridicamente e que garantisse a real oportunidade às pessoas com deficiência interessadas em ingressar e progredir no mercado de trabalho, sem cominar aos empregadores metas inatingíveis.
Entretanto, neste mês simbólico para o direito desses cidadãos e profissionais, em julgamento ocorrido no dia 7/12/20, a Seção Especializada em Dissídios Coletivos (SDC) do Tribunal Superior do Trabalho, em análise a ação movida pelo Ministério Público do Trabalho, entendeu por bem em anular cláusulas da convenção coletiva do trabalho celebrada entre o Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias (Snea) e o Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA), as quais excluíam da base de cálculo da cota de pessoas com deficiência e, também, de aprendizes, os aeronautas.
Resumidamente, o entendimento da SCD foi o de que a matéria não poderia ter sido objeto de negociação coletiva, pois se estaria regulando direitos difusos e, neste sentido, indisponíveis. (Processo: AACC-1000639-49.2018.5.00.0000)
O que se vê, portanto, é que o impasse parece não ter fim e, enquanto isso, muitos empregadores continuarão a travar árdua batalha na tentava de cumprir a cota legal de contratação de pessoas com deficiência, não por motivos próprios, mas em razão de questões impostas por situações alheias à sua vontade.
Neste panorama, a certeza é a de que a inclusão, o respeito e a fomentação do ingresso e especialização da pessoa com deficiência no mercado, de modo consciente e constante, é assunto de suma importância e deve estar sempre na ordem do dia. Por outro lado, não se pode fechar os olhos para os entraves que certos setores enfrentam, decorrentes de barreiras regulamentares da categoria e da sua própria produção, sendo imperioso que se discuta um caminho alternativo, viável, para garantia da empregabilidade desses profissionais em linha com as características próprias de certos universos empresariais e industriais.
Christiana Fontenelle
Sócia do escritório Bichara Advogados.
João Pedro Eyler Póvoa
Sócio conselheiro do escritório Bichara Advogados.