A inconstitucionalidade do decreto 9.654/20
Faz-se imperioso asseverar que o decreto 9.654/20 ultraja o princípio da legalidade tributária, uma vez que inaugura nova hipótese de suspensão de benefício fiscal não instituída em lei.
segunda-feira, 7 de dezembro de 2020
Atualizado às 08:02
Segundo o artigo 1º do decreto 9.654/20, que dispõe sobre a utilização de benefícios fiscais, a fruição de benefícios fiscais tais como Fomentar e Produzir, entre outros, será suspensa nos casos de demissão sem justa causa ou suspensão do contrato de trabalho de trabalhadores enquadrados no grupo de risco da covid-19.
Ocorre que, para tanto, tal medida acabou por violar vários ditames constitucionais. Com efeito, faz-se imperioso asseverar que o decreto 9.654/20 ultraja o princípio da legalidade tributária, uma vez que inaugura nova hipótese de suspensão de benefício fiscal não instituída em lei.
Em verdade, o artigo 7º da lei 11.180/90 (Lei do Fomentar) e o artigo 24 da lei 13.591/00 (Lei do Produzir) já aduzem quais são as causas de suspensão dos referidos benefícios fiscais. Nesse passo, não poderia, pois, o Poder Executivo, através de decreto, inovar e trazer outra hipótese de suspensão dos benefícios fiscais.
Além de violar o princípio da legalidade, é cediço que o decreto em comento também desrespeitou o princípio da anterioridade tributária previsto no artigo 150, inciso III, alíneas "b" e "c" da Constituição Federal (CF/88). Explica-se: o Supremo Tribunal Federal entende que revogação de benefício fiscal enseja aumento da carga tributária, portanto deve respeitar os princípios da anterioridade anual e nonagesimal.
Pois bem. Embora o presente decreto intente atenuar os impactos causados por essa pesarosa crise sanitária, é clarividente que este revela-se desarrazoado e inconstitucional. Consequentemente, contra o referido decreto estão sendo impetrados vários mandados de segurança.
Destaca-se o Mandado de Segurança 5208010.40.2020.8.09.0000, impetrado pela Goiás Verde Alimentos LTDA, no TJ/GO, em que foi concedida liminar para suspender os efeitos do decreto em questão e, assim, foi garantida à empresa a faculdade da suspensão dos contratos de trabalho com empregados do grupo de risco sem sofrer qualquer penalização.
Outro precedente que merece notoriedade é o Mandado de Segurança 5270621-29.2020.8.09.000, impetrado no TJ/GO, em que a ADIAL GOIÁS - Associação Pró-Desenvolvimento Industrial do Estado de Goiás, conseguiu liminar para beneficiar todos os seus associados com a suspensão dos efeitos do Decreto em questão.
Verifica-se, portanto, que as empresas que quiserem suspender a aplicabilidade do decreto 9.654/20 precisarão ingressar com ação judicial.
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*Jéssica Caiado é advogada tributarista, sócia do escritório Jacó Coelho Advogados, com especialização pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários.