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Riscos legislativos: Distorções econômicas da lei 10.209/01, que instituiu o vale-pedágio

Embora os resultados positivos no contexto do programa de concessão de rodovias, transformou-se em um severo risco para a atividade empresarial.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Atualizado às 13:43

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Nem sempre a intenção do legislador corresponde a soluções válidas na análise econômica do direito. E a norma mal lançada pode ser uma ameaça à segurança jurídica.

A lei federal 10.209/01, que instituiu o Vale-Pedágio para o transporte rodoviário de cargas, é um exemplo disso. Embora os resultados positivos no contexto do programa de concessão de rodovias, transformou-se em um severo risco para a atividade empresarial.

A irracionalidade econômica da multa fixada em seu art. 8º, de 2 vezes o valor do frete, enseja ações repetitivas de somas milionárias contra os embarcadores em vários Estados:

"Art. 8º Sem prejuízo do que estabelece o art. 5º, nas hipóteses de infração ao disposto nesta Lei, o embarcador será obrigado a indenizar o transportador em quantia equivalente a duas vezes o valor do frete."

A norma foi objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn 6.031), que confirmou sua aplicação, razão para cuidados redobrados na contratação do transporte rodoviário de carga, e para esforços legislativos e da jurisprudência de remediação dos efeitos jurídicos.

Supõe-se que o Supremo Tribunal Federal tenha se ofuscado pelos horizontes da ação; por defeitos na votação virtual1; ou pela falta de conhecimento da casuística, sem compreender os números e o montante das indenizações a que se expôs o setor produtivo.

O tema possui interesse público do ponto de vista da eficiência da atividade jurisdicional (CPC art. 8º) e da repercussão desses julgados sobre a ordem econômica.

A perspectiva de ganhos muito acima do lucro do transporte incentiva ações milionárias, tornando-se fonte de especulação e uso abusivo do Poder Judiciário.

A pena é confiscatória segundo os parâmetros definidos em nossos Tribunais, de que a multa deve manter proporção ou coerência com a obrigação principal: o pedágio.

É de irreparável contrassenso o julgamento da ADIn 6031 no STF, em sentido contra legem. Ressalvada a atenta divergência do min. Gilmar Mendes, o julgado deu as costas à tradição da Corte, cuja jurisprudência sempre se confirmou no sentido da razoabilidade e proporcionalidade. Não é certo desprezar esses referenciais equitativos para franquear a usura e o enriquecimento sem causa.

Sabe-se da importância da combinação dos artigos 412 e 413 do Código Civil como critério de proporcionalidade, diretriz confirmada pelo art. 8º do CPC/15.

E não foi por acaso os movimentos para frear o defeito do art. 8º da Lei do vale-pedágio, com mobilizações nos meios empresariais; arguições de inconstitucionalidade incidental e na via direta, além de incidentes de resolução de demandas repetitivas - IRDRs.

Será preciso o apoio do Governo para obstar a onda de especulação deflagrada. Também do Congresso Nacional e entidades empresariais. Sobretudo os embarcadores de carga - indústrias e comércio - precisam se mobilizar para alterar a norma que se transformou em um dos grandes riscos à atividade produtiva.

A copiosa litigância também merece análise no Conselho Nacional de Justiça - CNJ, no sentido de munir-se de informações mediante expediente de consulta, alteração legislativa e remédios regulatórios. Pesquisa dessa natureza, com base em sistemas de dados, tem fundamento no art. 103-B, § 4º, inciso VI da Constituição, dentre as atribuições precípuas do CNJ:

"VI - elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e sentenças prolatadas, por unidade da Federação, nos diferentes órgãos do Poder Judiciário;"

Na expressão do ministro Luiz Fux, atualmente na Presidência do CNJ: "...em muitos casos, as Cortes não possuem informações suficientes para estimar corretamente qual o dano total causado por uma atividade, nem o número de vítimas que deixaram de buscar a reparação."2

Fato é que a reação à ilicitude definida pelo legislador não pode comprometer a harmonia do mercado e a paz social. Existem outros meios de menor ingerência para levar a efeito a obrigação do vale-pedágio.

A multa do art. 8º da lei 10.209, de 23 de março de 2001, transformou-se em causa de demandas repetitivas sujeitas a colapsar as empresas. A referida norma tornou mais vantajosa a indenização do que o lucro do transporte. Seu defeito também incita a especulação e o desencadeamento de ações judiciais.

Do ponto de vista da sistemática da lei sabe-se que deve zelar pela razoabilidade de seus preceitos, evitar incentivos à judicialização temerária.

A lei do vale-pedágio ainda merece clareza quanto a prescrição, no sentido de fixar o prazo de 1 ano. Assim estabilizará os conflitos com rapidez e segurança, afastando a prescrição decenal, que agrava desproporcionalmente a penalidade. Grande parte dos julgados, inclusive no STJ, têm decidido pela prescrição de 10 anos.

Por interpretação analógica, esse contexto nos leva às leis especiais sobre transporte no país. É o caso do artigo 18 da lei 11.442 de 2007, que regulamentou o Transporte Rodoviário de Cargas, cuja prescrição é de 1 (um) ano:

"Art. 18. Prescreve em um ano a pretensão à reparação pelos danos relativos aos contratos de transporte, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano pela parte interessada."

Também para o vale-pedágio a prescrição ânua evita o prejuízo do tempo sobre as provas, muitas em suporte perecível, de tickets e impressos que esmorecem facilmente.

O prazo de 1 ano serve a todos os sujeitos dessa relação jurídica: em benefício de quem é acionado e não tem mais condições de trazer prova na defesa; e de quem exercita a pretensão, porque ambos são suscetíveis ao desaparecimento das provas.

Como não se investigam outras causas senão as decorrentes do transporte rodoviário de carga, no qual o vale-pedágio é obrigação acessória, cumpre à jurisprudência confirmar a prescrição ânua do art. 18 da lei 11.442 de 2007. E vale a reforma na Lei do vale-pedágio.

Prazos menores servem melhor à paz social em obrigações no modal rodoviário, responsável pela grande parte do transporte no país. Assim foi a diretriz reformadora do Código Civil, que reduziu os prazos especiais de prescrição.

Questões relativas ao transporte de carga possuem lei especial - lei 11.442 de 2007 - e não devem se eternizar. Prazos longos dificultam a prova além de multiplicar a penalidade de forma insustentável nos contratos continuados, com lesão enorme às empresas.

De toda a forma, a pena do art. 8º da lei do vale-pedágio é um risco legislativo de grandes proporções. Pode causar danos irreparáveis às empresas e à ordem econômica. É urgente remediar seus defeitos.

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1 O STF havia estabelecido uma solução deficiente para julgamentos remotos. Em 19 de maio de 2020, o Presidente da OAB solicitou ao Supremo a alteração de critério de julgamento da Corte (Ofício 42-2020). Na resolução 642-19 a falta de manifestação no plenário era considerada voto com o relator, computando-se quórum, mesmo que inexistente. Pode sequer ter havido quórum para o julgamento na ADI 6031. O procedimento foi corrigido pelo STF com a alteração da Resolução 642-19, em 30.06.2020. 

2 FUX, Luiz e Bruno Bodart. Op. cit. p. 44.

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 *Mauricio Gravina é advogado do escritório Gravina advogados.

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