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Pesquisas jurídicas em novo patamar

Com subsídios da 'Metodologia da Pesquisa e da Lógica', as pesquisas jurídicas devem ir além da reprodução de compilações de textos doutrinários legais.

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Atualizado às 08:13

 (Imagem: Imagem: Arte Migalhas.)

(Imagem: Imagem: Arte Migalhas.)

No Brasil hodierno, a maioria dos operadores do Direito são orientados, desde à graduação, a conduzir seus estudos ao redor da jurisprudência dos Tribunais e das melhores doutrinas, preocupando-se prioritariamente com a exegese do texto normativo. Embora muitas das investigações dessa natureza apresentem valor, é possível e salutar ir além.

Inobstante em outras áreas do saber, as pesquisas plurimetodológicas tenham sido cada vez mais frequentes, no Direito, a adoção de métodos de pesquisa diversificados ainda se depara com alguns obstáculos. Como destacam Lee Epstein e Gary King, o operador do Direito, cotidianamente preocupado com o lado da questão que lhe cabe defender, apresenta conflito, aparentemente inconciliável, com sua atuação como pesquisador científico: "enquanto um acadêmico é ensinado a submeter a sua hipótese a todos os testes e fonte de dados possíveis, buscando todas as provas e evidências contra sua teoria, um advogado praticante é ensinado a acumular todas as provas para comprovar a sua hipótese e desviar a atenção de qualquer coisa que possa ser vista como uma informação contraditória. Um advogado que trata um cliente como uma hipótese seria expulso; um acadêmico que defende uma hipótese como um cliente seria ignorado"1.

Sem descurar da tradicional cultura jurídica, é possível introduzir no Direito a utilização de métodos diversificados de pesquisa, como a análise de dados e os impactos interdisciplinares.

No âmbito do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Poder Judiciário vem desenvolvendo importantes trabalhos de pesquisa transdisciplinar com métodos quantitativos. Publicado anualmente há mais de uma década, o relatório "Justiça em Números" tornou-se uma referência obrigatória, relativamente às estatísticas e tendências da gestão judiciária brasileira. Mais do que apresentar números, tal publicação anual do Poder Judiciário retrata a realidade dos Tribunais brasileiros, com descrições detalhadas sobre a litigiosidade e a estrutura das instituições de diferentes esferas - estadual, federal, trabalhista, militar etc.-, fornecendo indicadores essenciais para subsidiar e contribuir para a evolução da gestão judiciária pátria. Além de mensurar as atividades dos tribunais e dos processos solucionados e em tramitação, o relatório "Justiça em Números" contribui para a identificação de problemas cruciais da Justiça brasileira, propondo diretrizes para sua resolução. Em outras palavras, com a elaboração de diagnósticos quantitativos e qualitativos, afastam-se meros "achismos" e evidenciam-se reais objetivos.

A partir dessas atuações, as soluções concebidas têm potencial para ser mais eficientes, respondendo de forma mais adequada aos novos e constantes desafios impostos pela sociedade ao Direito. Assim, a relação do Direito com as demais ciências deve promover a multiplicidade de "pontos de vista" sobre uma mesma hipótese. Os resultados da pesquisa jurídica somente serão aperfeiçoados na medida em que se aproximarem da realidade e dos estudos que a descrevem do modo mais fidedigno. A pesquisa jurídica - assim como o próprio Direito - deve ser tão dinâmica quanto as mudanças sociais que o precedem: ex facto oritur jus.

Recém iniciado, o programa de Mestrado Profissional em "Direito Justiça e Impactos Econômicos" do CEDES comunga do propósito acima. Em termos práticos, objetiva abandonar pesquisas única e exclusivamente dedicadas a reproduzir compilações de textos doutrinários legais (preocupadas ou não com apenas um dos lados); para focar nos grandes temas jurídicos, a partir de dados numéricos e observando os reflexos econômicos e sociais ínsitos.

Para citar alguns professores do CEDES, quatro deles têm se dedicado grandemente à pesquisa e à produção de conhecimento: Maria Tereza Sadek, Fabiana Luci de Oliveira, Luciano Timm e Tomás Troster. Esses docentes participam conjuntamente das disciplinas Metodologia da Pesquisa, Lógica e Argumentação e Análise Econômica do Direito, todas do programa de Mestrado Profissional em 'Direito Justiça e Impactos Econômicos'. Abandonando o modelo predominante no Direito de pesquisa baseada em compilações doutrinárias, o programa de Mestrado Profissional do CEDES tem como objetivo formar pesquisadores capazes de desenvolver, de forma adequada e profunda, estudos na área do Direito que respondam a questões concretas e relevantes para a sociedade.

Para tanto, a formação de nossos pesquisadores contará com o estudo de alguns eixos fundamentais da Lógica e da Metodologia de Pesquisa: (I) objetivos e métodos de investigação; (II) possibilidades e limitações da pesquisa quantitativa; (III) instrumentos de pesquisa qualitativa; (IV) induções, definições e lógica subjacente ao trabalho investigativo; e (V) desenvolvimento argumentativo e divulgação dos resultados da pesquisa científica.

Eternizado no sétimo livro da República, de Platão, o célebre 'Mito da Caverna' é uma inspiração para o curso e para aqueles que se propõem desenvolver pesquisas jurídicas com esse novo objetivo. Ainda que habituado a um emaranhado de sombras, o prisioneiro que se liberta e sai da caverna tem a obrigação de conduzir os demais à realidade e ao conhecimento da luz solar!

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1 EPSTEIN, Lee & KING, Gary (2002) "The Rules of Inference". University of Chicago Law Review, 69 (1), pp. 9-10.

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 *João Grandino Rodas é desembargador federal aposentado do TRF da 3ª região. Mestre em Direito pela Harvard University. Presidente do CEDES - Centro de Estudos de Direito Econômico e Social. Sócio do escritório Grandino Rodas Advogados.

  

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