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Dispensa discriminatória e a de estigma dos grupos de risco da covid-19

Como fazer para esses profissionais tenham a minimização do risco à saúde, possam ter segurança no ambiente laboral e, mais, retomem a natural produtividade?

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Atualizado às 08:04

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

A pandemia de covid-19 trouxe ao mundo uma nova "formatação" social, distanciamento, uso de máscara, álcool em gel, entre ou medidas que se agregaram à atual rotina diária. Pouco se sabe sobre essa doença e como combatê-la, apenas sobre medidas preventivas que adotamos enquanto aguardamos por uma possível e eficaz vacina.

De tudo ou do pouco que nos é divulgado, o que sabemos é que algumas pessoas têm maiores propensões de atingirem um estágio grave da doença, quiçá, teriam maiores riscos à saúde e de irem a óbito.

Neste cenário, idosos, obesos, fumantes, diabéticos e outros, estão pré-dispostos a tais situações. E diante de tais riscos é que a sociedade, os empregadores e empregados também estão sujeitos.

O home office, criticado por uns e amado por outros, tem sido a "tábua de salvação" de alguns desses empregos, forma mais adequada até o momento para coibir o avanço da doença e manter empregos e a produtividade da empresa quando possível. Todavia, a construção civil, restaurantes e outras atividades econômicas não podem se socorrer de forma abrangente dessa medida e acabam expondo seus profissionais ao risco ou tendo que dispensá-los.

Entretanto, com a atual retomada da economia alguns temas corriqueiramente vêm à tona. Nesse prumo, como fazer para esses profissionais tenham a minimização do risco à saúde, possam ter segurança no ambiente laboral e, mais, retomem a natural produtividade?

Longe de termos tais respostas, é cetro que a preservação do emprego deve ser ponderada por muitas empresas antes de serem adotadas quaisquer medidas. Primeiro, porque tais profissionais são "caros" do ponto de vista de experiência, histórico da empresa e outros pontos intangíveis. Segundo, não se pode propagar uma discriminação de tais pessoas.

E, neste contexto, recentemente o Tribunal Superior do Trabalho (TST) noticiou em sua página oficial um julgamento da Terceira Turma no qual se impôs uma condenação de 20 mil reais a uma empresa que dispensou um empregado portador de cardiopatia grave.

Em que pese aparentar ser um julgado comum, o motivo que gerou a condenação foge as jurisprudências até então advindas do referido Tribunal, qual seja, dano moral pela despedida discriminatória decorrente da cardiopatia grave (doença sem estigma).

Para o relator do recurso de revista do empregado, ministro Mauricio Godinho Delgado, houve dispensa discriminatória presumida diante da debilidade física causada pela doença do autor.

Tal fato nos causa estranheza, já que foge ao que até então era a jurisprudência quase pacífica da referida Corte Superior, que se presumia uma dispensa discriminatória se a doença causasse estigma (súmula 443):

DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO - Res. 185/12, DEJT divulgado em 25, 26 e 27/9/12.

Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego.1

E, neste sentido, o Relator dispôs que, apesar de a cardiopatia não suscitar estigma ou preconceito, não há impedimento para que seja declarada a ocorrência de dispensa discriminatória.

Isso nos leva a um ponto de intersecção entre esse julgado e a atual conjuntura social e de saúde imposta pela covid-19: podemos ter profissionais que estejam em grupos de riscos e que, caso dispensados, sejam considerados presumidamente discriminados?

Por mais dura que seja a resposta e a despeito de entendimentos contrários, entendemos que sim. É evidente que tais profissionais sofrerão discriminação enquanto não tivermos uma vacina, uma cura ou alguma medida eficaz contra essa doença.

E toda vez que esses profissionais afetem a produtividade da empresa ou de um grupo, decorrente de sua prevenção a covid-19, há um risco real de serem dispensados. Certamente, em empresas ou posições cuja presença física tenha uma exigência menor, e, mais, diante de uma possível responsabilização do empregador, sim, há o risco de dispensa discriminatória dos profissionais que necessitem estarem presentes em seus postos de trabalho.

Apesar da dispensa ser um direito potestativo do empregador, aqui, infelizmente, o cenário é inverso e deve se ter sempre o cuidado de se acautelar diante de tais dispensas.

Por isso, o Direito do Trabalho deve sempre ser visto sob a ótica preventiva. E tal julgado demonstra essa posição que, sem adentrarmos no valor da multa já que para algumas empresas pode até parecer irrisória, temos outras esferas que o compliance empresarial deve levar em conta (v.g., imagem).

Neste sentido, o entendimento do referido julgado de que houve dispensa discriminatória pode, eventualmente, não ser uma posição isolada, sendo replicado para outras situações. Neste contexto, temos os profissionais em grupo de risco que possuem um quadro de saúde mais suscetível a danos causados pela covid-19, gerando probabilidade de mais afastamentos em razão da doença, além dos riscos de responsabilização da empresa.

Diante deste possível cenário, as empresas devem se acobertar de medidas preventivas que demonstrem a efetiva necessidade de dispensa de tais profissionais, tais como: (I) queda de faturamento; (II) fechamento de postos de trabalho; (III) encerramento de atividades ou áreas específicas; (IV) terceirização de atividades e outras.

Afinal, apesar da Convenção 158 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) não estar em vigor em nosso país, o direito potestativo do empregador encontra certas restrições quando falamos de discriminação.

Logo, a lei 9.029/95 proíbe condutas discriminatórias, bem como os próprios princípios constitucionais garantem a proteção aos direitos humanos e a condutas antidiscriminatórias. Por cautela, para proceder tais desligamentos, não há que se falar na restrição ao direito potestativo do empregador, mas uma conduta positiva que visa respaldar empresas sérias e zelosas.

Conclusão

A dispensa de profissionais motivada por doença, status social, cor, raça, etnia e outras, é uma das formas mais aviltantes de discriminação e deve ser frontalmente coibida. Ou seja, não podemos pactuar com qualquer tipo de discriminação.

Neste contexto, eventualmente, podemos enquadrar os profissionais que venham a ser dispensados pelo simples fato de terem propensões maiores de riscos à saúde diante de uma doença pandêmica como a covid-19. E apesar de discordarmos que pela mera dispensa desses profissionais é presumida a discriminação, o empregador deve se acautelar e ter provas contundentes de que a dispensa foi objetiva e não subjetiva!

E isso não pode ser visto como ofensa ao direito potestativo do empregador, até porque, esse entendimento está inserido nas normas do nosso ordenamento jurídico, nas prerrogativas dos valores sociais do trabalho e da dignidade da pessoa humana. Nos dizeres do próprio Ministro Mauricio Godinho Delgado, exarado na ementa do acórdão supracitado: "se o ato de ruptura contratual ofende princípios constitucionais basilares, é inviável a preservação de seus efeitos jurídicos."

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1 (Recurso de Revista - Processo: TST/RR-1365-50.2017.5.11.0006 ministro relator Mauricio Godinho Delgado - Órgão julgador: 3ª turma - Data da Publicação 11/9/20).

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 *Ricardo Trajano Valente é mestre em Direito e Processo do Trabalho pela USP/SP. Pós-graduado em Direito Processual Civil pelo Mackenzie. Advogado com atuação na área trabalhista.





 *Ricardo Calcini
é mestre em Direito pela PUC/SP. Professor de pós-graduação em Direito do Trabalho da FMU. Palestrante e instrutor de eventos corporativos "in company" pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos.

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