Condenaram um inocente: O precatório
A declaração que o ministro Paulo Guedes traz, representa enorme omissão quanto aos verdadeiros aumentos no "custo precatório", visto que condenou os precatórios como vilão do orçamento público federal.
quarta-feira, 25 de novembro de 2020
Atualizado às 08:04
Em recente pronunciamento, o ministro da Economia, Paulo Guedes, acusou os precatórios de ser um dos vilões das despesas públicas no orçamento federal. Nas palavras do ministro: "Há uma indústria de precatórios no Brasil, que saiu de R$ 12 bilhões no governo Dilma, R$ 25 bilhões no governo Temer e, agora, chega a R$ 54 bilhões em 2021".
Tal afirmação passa longe da verdade e apenas muda o foco do verdadeiro problema, afinal, o ministro deixou de mencionar que os precatórios surgem após sentenças judiciais que, com o trânsito em julgado (sem possibilidade de recursos), findam por reconhecer a existência de débitos do Estado, quase sempre decorrentes de descumprimentos legais cometidos pelo próprio Ente Público.
A declaração que o ministro Paulo Guedes traz, representa enorme omissão quanto aos verdadeiros aumentos no "custo precatório", visto que condenou os precatórios como vilão do orçamento público federal, analisando apenas pelo prisma do aumento quantitativo, quando, na verdade, deveria analisar: (I) a duração dos processos da União Federal; e (II) o reflexo desse tempo na quantificação dos precatórios (correção monetária e juros de mora).
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou, em 2019, que o tempo médio de duração de um Processo de Execução na Justiça Federal é de oito anos, sem considerar a fase de conhecimento que, normalmente, dura de três a cinco anos. Ou seja, desde a propositura até a inscrição do Precatório, incidirão entre 11 e 13 anos de correção monetária e juros de mora.
Em resumo, significa dizer que: se a União devia, em 2008, R$ 100 mil, em 2020, esse valor é cerca de R$ 338 mil, em razão da atualização da moeda e da mora, vejamos:
Crédito Originário | Valor Corrigido | Juros de Mora | Total |
1,9609058 | 72,50% | ||
Jan/08 | Jan/20 | Jan/20 | Jan/20 |
R$ 100.000,00 | R$ 196.090,58 | R$ 142.165,67 | R$ 338.256,25 |
Chega-se, assim, ao verdadeiro culpado do aumento quantitativo no orçamento dos precatórios federais, o tempo de duração do processo.
Situação evidenciada, inclusive, por meio da constatação da antiquada prática das procuradorias públicas de "tudo impugnar", inclusive em processos com matéria sedimentada em prol do particular, muitas vezes, servidores públicos e aposentados, utilizando-se de uma infinidade de recursos para postergar a resolução (pagamento) das demandas judiciais de que é alvo.
Nas palavras do presidente da comissão especial de precatórios do Conselho Federal da OAB, Eduardo Gouvêa, em entrevista concedida ao Valor Econômico: "O aumento nas emissões de precatórios é natural. Se o governo não cumpre a lei, gera um monte de precatório novo".
É tanto que buscando maneiras de evitar a construção dessa "bolha financeira" e, também, modernizar a filosofia de trabalho dos procuradores públicos, foi promulgada a lei 14.057/20 que, em suma, facilitou e regulamentou a realização de acordos terminativos de litígios diretamente com a União, envolvendo tanto precatórios quanto processos em trâmite.
Espera-se que, com as novas normas, altere-se a postura de atuação das procuradorias públicas e, dessa forma, agilize-se a conclusão dos processos judiciais. A lei 14.057/20 é apenas uma ferramenta, mas a melhor forma de reduzir o chamado "custo precatório" é reduzindo a duração do processo para, com isso, diminuir o período de incidência da correção monetária e juros de mora. Tal situação, além de legislativa, deve passar por uma mudança na gestão dos processos judiciais, por parte da fazenda pública.
Portanto, ao contrário do que afirmou o ministro da Economia, não há uma "indústria" de precatórios no Brasil, o que temos, na verdade, é uma prática antiquada de gerir os processos judiciais com o ideal de postergar seus pagamentos o máximo possível, criando um efeito bola de neve com futuros precatórios que mais cedo ou mais tarde precisarão ser pagos.
Espera-se que o advento da lei 14.057/20 possibilite, para o Poder Público, o início de uma profunda e necessária mudança na postura dos seus representantes judiciais, no sentido de construir uma mentalidade de buscar solucionar as demandas judiciais mais do que postergá-las, ao passo que, para os credores, represente a possibilidade de ter uma perspectiva concreta de recebimento dos valores discutidos e perseguidos quase sempre ao longo de muitos anos.
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*Everton Leite Didoné é advogado da área de Direito Administrativo do escritório Martorelli Advogados.
*Italo Weslley Cardoso Verissimo é advogado da área de Direito Administrativo do escritório Martorelli Advogados.