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Resolução de disputas online: Princípios, vantagens e limites

Embora não se possa e não se pretenda virar as costas à inovação tecnológica aplicável à via judicial, tanto nos aspectos procedimentais quanto decisórios, o ODR se mostra bastante adequado aos meios extrajudiciais.

terça-feira, 17 de novembro de 2020

Atualizado às 08:02

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

As possibilidades de resolução de disputas valendo-se do ambiente de internet, conhecidas como resolução de disputas online ou ODR (online dispute resolution), embora tenham emergido com grande destaque em todo o mundo em virtude do isolamento social vivido a partir de março de 2020, vêm sendo pensadas e colocadas em prática desde o final da década de 19901. Os cenários de aplicação dos ODRs, entretanto, mostram-se substancialmente diferentes hoje.

A começar, justamente, pela amplitude do espectro de sua aplicação. Antes utilizados sobretudo nas práticas não judiciais, seu uso vem se intensificando também na seara judicial.

No Brasil, com a Lei do Processo Eletrônico2, o sistema informatizado prestava-se à "tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças processuais", cuidando-se de um banco de dados. Passou a comportar a realização de audiências e de julgamentos, culminando com a resolução 337, de 29 de setembro de 2020, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O tema da aplicação da tecnologia, tanto ao processo judicial quanto aos procedimentos decisórios (se conduzidos por homem ou por máquinas), toca os direitos e garantias individuais consagrados na Constituição Brasileira de 1988, dentre eles o do devido processo legal, que incluiu o direito de ampla defesa, do juiz natural, e da apreciação da demanda nos termos em que proposta. Isso porque o sistema estatal de Justiça mostra cariz constitucional, peça integrante do Estado Democrático de Direito.

Embora não se possa e não se pretenda virar as costas à inovação tecnológica aplicável à via judicial, tanto nos aspectos procedimentais quanto decisórios, o ODR se mostra bastante adequado aos meios extrajudiciais (arbitragem, mediação, conciliação, dispute boards), justamente pela autonomia de vontade que reveste essas alternativas. As partes podem dispor sobre os métodos e meios utilizados para a resolução de sua particular disputa.

Em qualquer situação, entretanto, os ODRs respeitam alguns princípios, valendo destacar cinco que se mostram como os mais relevantes:

A acessibilidade e a garantia de que a parte terá a ferramenta disponível para uso durante o tempo necessário e de maneira plena, quer dizer, a usabilidade da plataforma digital deve ser assegurada;

A autonomia da vontade, expressa pela participação informada de cada interveniente, isto é, com conhecimento de todos os desdobramentos do procedimento e da conclusão esperada;

A igualdade e equilíbrio dos participantes, durante todo o desenvolvimento dos trabalhos online;

A garantia de sigilo e confidencialidade, justamente a segurança desse ambiente digital;

A neutralidade, equidistância e domínio da técnica pelos usuários da plataforma, quer dos árbitros, mediadores, conciliadores ou integrantes dos comitês de disputa.

Em um ambiente de presença física, as partes podem sentir que recebem tratamento equânime quando podem fruir de idêntico espaço de fala e de escuta. Entretanto, essa igualdade pode ser sensivelmente afetada quando em ambiente digital, por incrível que possa parecer. As partes, em especial no Brasil, não têm igual acesso à tecnologia, à internet. Fala-se muito que todos, no Brasil, disporiam de um telefone celular com acesso à internet. Contudo, na prática, muitos enfrentam dificuldades reais tanto com a qualidade da conexão, quanto com a participação em uma reunião digital.

Quando partes mais experientes participam de uma sessão remota, os trabalhos se desenvolvem de maneira muito similar à dinâmica de uma reunião física. Entretanto, em casos envolvendo partes menos experientes, sem vivência no uso desse meio de comunicação, o fato de estar no ambiente virtual, sem o domínio dos desdobramentos, já faz com que a parte se sinta em desvantagem, desprotegida. Esse é um desafio. Por isso, imprescindível o esclarecimento de todos os participantes sobre o uso da ferramenta e de modo a permitir que manifestem livremente sua concordância em participar.

Outro desafio, é a condução dos trabalhos, e, para isso, os árbitros ou mediadores precisam deter experiência nesse ambiente para ter maestria em assegurar igualdade de oportunidades a cada parte para falar e ser ouvida.

Em especial, o tema do sigilo envolve alguns mitos e fantasmas, sobre gravação da reunião para uso posterior. Ora, as reuniões em presença física também podem ser gravadas sem que os demais participantes se deem conta. No ambiente digital, a segurança é inclusive maior, porque somente o administrador da plataforma pode gravar, na fonte, a reunião. Isso não impede que qualquer participante grave o que está ocorrendo na tela de seu computador, não irá gravar a partir do sistema, mas externamente. Ora, os regulamentos dos centros de arbitragem e mediação claramente dispõem sobre o uso - proibido - dos materiais e das conversas e entendimentos travados no curso do procedimento.

Cuidando-se de procedimento ad hoc, compete ao árbitro ou mediador, antes de mais nada, estabelecer claramente as regras sobre o uso da plataforma escolhida, obtendo concordância expressa, por escrito, de todos os participantes e, a partir daí, prosseguir.

Qualquer que seja o ambiente, físico ou digital, os deveres dos árbitros, dos mediadores, dos conciliadores, dos integrantes do dispute board, permanecem os mesmos, em especial quanto à independência, neutralidade, imparcialidade, inexistência de conflito de interesses.

Em se tratando especificamente de mediação, várias plataformas foram adaptadas para esse modo ODR. Algumas funcionam como sistemas de ofertas sucessivas, outras reproduzem, no meio digital, a estrutura da mediação em presença física.

A Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), por exemplo, que já contava com o Centro de Mediação (CMAASP), criado em 2016, e que já vinha desenvolvendo sua plataforma digital, hoje está oferecendo esse serviço tanto a demandas já judicializadas, quanto para mediação extrajudicial. O grande diferencial da plataforma do CMAASP, além das condições especiais de valores para associados, é prestigiar a participação das partes devidamente assessoradas por advogado. A plataforma do CMAASP gerencia os documentos, as reuniões online, as comunicações entre todos os participantes e as reuniões ocorrem em ambiente seguro, com a presença de mediador, conhecedor de todas as facilidades da plataforma para propiciar segurança a todos os envolvidos.

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1 KATSH, Ethan, ODR: A Look at History A Few Thoughts About the Present and Some Speculation About the Future, in Katsh and J. Rifkin, Online Dispute Resolution: Resolving Disputes in Cyberspace, (2001), pp. 73 e ss.

2 Lei 11.419/06, que "dispõe sobre a informatização do processo judicial; altera a lei 5.869/73 - Código de Processo Civil; e dá outras providências.

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 *Fátima Cristina Bonassa é advogada doutora em Direito Internacional. Mestre em Direito Econômico-Financeiro pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em negociação e solução de disputas. Conselheira, 1ª secretária e coordenadora do Centro de Mediação da AASP - Associação dos Advogados de São Paulo.

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