Ações de indenização por dano moral em erro médico: A visão do perito
Indiscutivelmente a qualidade da assistência médica no Brasil decaiu significativamente e a consequência imediata é que pacientes e seus familiares buscam a reparação financeira do dano causado.
sexta-feira, 13 de novembro de 2020
Atualizado às 08:22
Com o advento da redução dos investimentos no Sistema Único de Saúde (SUS) e à verticalização do sistema suplementar privado como resultado de fusões de empresas observamos nos últimos anos um aumento impressionante no número de ações por danos morais contra governos, médicos e empresas em geral, com a alegação de erro médico.
Indiscutivelmente a qualidade da assistência médica no Brasil decaiu significativamente e a consequência imediata é que pacientes e seus familiares buscam a reparação financeira do dano causado. Conforme matéria jornalística os números de alguns tribunais dão a dimensão da tendência com o passar dos anos: no STJ, novos casos referentes a erro médico passaram de 466 em 2015 para 589 em 2016 e 542 em 2017. No TJ/SP, o maior do país, os números passaram de 5,6 mil (2015) a 2,9 mil (2016) e, finalmente, 4,6 mil (BBC, 2017).
Há que se conceituar o chamado erro médico. Conforme Santos (2007):
Há três maneiras de classificar o erro médico: imperícia, quando o médico realiza procedimento para o qual não é habilitado, o que corresponde a um despreparo teórico e/ou prático por insuficiência de conhecimento; imprudência, quando o médico assume riscos para o paciente sem respaldo científico para o seu procedimento, agindo sem a cautela necessária; e negligência, quando não oferece os cuidados necessários ao paciente, sugerindo inação, passividade ou um ato omissivo1.
O médico é passível de julgamento em dois tribunais: o da Justiça comum, que segue os preceitos do Código Penal e Civil, e o dos Conselhos de Medicina, cujos julgamentos se baseiam no Código de Ética Médica. O principal artigo do atual Código de Ética Médica (CEM) que caracteriza o erro médico é o artigo 1º do capítulo III, determinando que "é vedado ao médico causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência".
Na prática, ante aos atuais graves problemas de gestão da saúde no Brasil, há que se destacar que muitos danos que ocorrem na população com frequência são decorrentes de uma série de variáveis que somadas levam aos resultados adversos: esperas longas para agendamentos de consultas especializadas, exames complementares e cirurgias em geral. Deixou de existir o médico do paciente ou da família; os convênios médicos descredenciam médicos, clínicas e hospitais provocando quebras de contrato entre médico e paciente; o Programa de Saúde da Família segue em passo lento, agravado pelas terceirizações com Organizações Sociais que tem foco e metas em produção, e muito pouco em qualidade assistencial.
Para dar um exemplo prático, imaginemos um paciente que é acometido de apendicite aguda. Por desorganização e falta de estrutura o doente demora para ser submetido à cirurgia de apendicectomia; em decorrência disso sofre peritonite, sépsis e vai à óbito. A quem responsabilizar?
O fato é que para a avaliação de que ocorrência de erro médico é necessário estabelecer se houve nexo de causalidade entre as sequelas ou óbito e a assistência médica prestada ao paciente. Em caso positivo verificar quais foram os agentes e fatores que atuaram para o mau resultado. Por fim , se faz necessário identificar se os profissionais que atuaram no caso foram responsáveis pelo dano, atuando com imperícia, imprudência ou negligência.
Há que se ressaltar também a responsabilidade dos Diretores dos estabelecimentos de saúde e planos de saúde, que conforme o Conselho Federal de Medicina (resolução 2.147/16):
No caso de diretor técnico (instituição pública ou privada), entre outros:
1. Zelar pelo cumprimento das disposições legais e regulamentares em vigor.
2. Assegurar condições dignas de trabalho e os meios indispensáveis à prática médica.
3. Organizar as escalas de plantão, zelando para que não haja lacunas.
4. Solucionar a ausência de plantonistas.
5. Não contratar médicos formados no exterior sem registro nos Conselhos de Medicina.
No caso do diretor clínico (instituição pública ou privada), entre outros:
1. Assegurar que todo paciente sob regime de internação seja atendido por um médico assistente.
2. Supervisionar as atividades de assistência médica.
3. Exigir da direção técnica condições de trabalho.
4. Assegurar a acadêmicos e residentes condições de exercer suas atividades com os melhores meios de aprendizagem.
5. Organizar os prontuários dos pacientes.
No caso de diretor técnico de planos de saúde, seguros-saúde, cooperativas médicas e prestadoras de serviço em autogestão, entre outros:
1. Zelar pelo cumprimento dos contratos de seus credenciados.
2. Assegurar adequadas condições físicas e ambientais oferecidas pelos seus contratados aos pacientes.
3. Zelar pela qualidade dos serviços prestados quanto a materiais, insumos etc.
4. Garantir a apresentação de justificativa por itens glosados em faturas.
5. Assegurar a realização de auditorias de procedimentos médicos apenas por auditores médicos.
6. Garantir reajustes de honorários acordados entre médicos e operadoras de planos.
Portanto o Médico ante o encargo de realizar perícia ou assistência técnica pericial em casos de alegação de erro médico, deve se balizar pelos princípios acima, a fim de evitar equívocos de avaliação e conclusão.
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1 Rev. bras. educ. med. Vol. 31 no. 3 Rio de Janeiro Sept./Dec. 2007. Clique aqui
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*Álvaro Luiz Pinto Pantaleão é médico perito e responsável técnico da Clínica Médicos Peritos Dr. Álvaro Pantaleão em São Paulo. Perito do quadro auxiliar do TRT2 e TJ/SP.