Haverá fortes impactos econômicos de norma pseudo-inclusiva de PcDs., caso o E. STF desacolha embargos de declaração
Adaptação aceitável é a que atende às necessidades mais comuns dos diversos tipos e graus de deficiência.
quinta-feira, 12 de novembro de 2020
Atualizado às 11:23
Pende no STF o julgamento de Embargos de Declaração, interpostos, em outubro de 2020, buscando efeitos modificativos, face a julgamento unânime1, que perfilhou o voto da relatora, ministra Carmen Lúcia, na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.452/Distrito Federal, proposta, em 20 de janeiro de 2016, pela Confederação Nacional do Transporte (CNT). Sobre o assunto dessa ação, o Centro de Pesquisas de Direito Econômico e Social (CEDES) realizou pesquisa, em 20192.
Foi a seguinte a emenda do julgamento em tela, realizado em 22 de setembro do corrente ano:
"EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PARÁGRAFO ÚNICO E CAPUT DO ART. 52 E ART. 127 DA LEI N. 13.146/2015 (LEI BRASILEIRA DE INCLUSÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA). DETERMINAÇÃO A LOCADORAS DE VEÍCULOS DE DISPONIBILIZAÇÃO DE UM VEÍCULO ADAPTADO A CONDUTOR COM DIFICIÊNCIA A CADA CONJUNTO DE VINTE AUTOMÓVEIS DA FROTA. ATENDIMENTO AOS PRINCÍPÍOS CONSTITUCIONAIS. DIREITOS FUNDAMENTAIS DE MOBILIDADE PESSOAL E DE ACESSO À TECNOLOGIA ASSISTIVA. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE."
Ressalte-se que a CNT apoia os direitos de pessoas com deficiência (PcD), não tendo intencionado, ao propôs a ação, restringir os direitos das pessoas com deficiência. A questão atacada resume-se no percentual de veículos de locadoras a serem adaptados e nas exigências incompatíveis tecnicamente, devido ao emprego errado de vocábulo (art. 52, da lei 13.146/15).
O voto da Ministra-Relatora, após rememorar os direitos constitucionais das PcD; bem como os artigos 3º, 4º, 9º e 20 da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, concluída em Nova Iorque em 2007, que no Brasil possui status constitucional (Dec. 6.949/2009); asseverou que as medidas legislativas sub judice estão de acordo com precedentes do STF.
A Relatora, com relação aos artigos guerreados da lei 13.146/15, afirmou (i) não haver contrariedade ao princípio da livre iniciativa; (ii) não existir inviabilização da atividade econômica de locadoras, nem imposição de ônus excessivo; (iii) não ser possível interpretação que não a literal, devido a clareza dessas normas; que a pretensão da autora de alterar a lei e não interpretá-las não possui guarida na Constituição.
Em resumo, a Ministra concluiu: (i) pela improcedência da pretensão restritiva da norma, que alcançasse unicamente a exigência de adaptação veicular dos veículo de categoria M1, projetados e construídos para transportar até oito passageiros; (ii) não ser apta para declaração de inconstitucionalidade, alegação de erro de técnica legislativa; (iii) que o parágrafo único do art. 52 prevê apenas itens mínimos de adaptação veicular componentes da cota legal da frota para PcD que, podem ser acrescidos de outros necessários à viabilização técnica da norma; (iv) ser válida a vacatio legis de 180 dias, não havendo motivação para eficácia diferenciada com relação a veículos comprados posteriormente à vigência; e (v) o art. 52 não afronta princípios de direito tributário, por não instituir, nem majorar tributos.
Sinteticamente, a fundamentação dos Embargos de Declaração foi a seguinte. Há erro de premissa no acórdão em questão, pois a configuração mínima do art. 52 desatende as necessidades da maioria das PcDs. Tal artigo não cumpre seu objetivo maior de promover a mobilidade social das PcDs, além de violar o art. 97 do Código Brasileiro de Trânsito, que determina competir o estabelecimento de especificações básicas dos veículos ao Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN).
Não pode ser esquecido que a despreocupação com a correlação entre condutores habilitados com deficiência - 1,6% do total - e o percentual legal de 5% da frota veicular previsto no art. 52, causou clara desproporcionalidade e ineficiência. As políticas públicas devem ser baseadas em dados e percentagens estatísticas reais, para estar em consonância com os princípios expressos no art. 37 da Constituição: legalidade, publicidade e eficiência dos atos administrativos. No caso concreto não há elemento técnico e estudo demográfico a fundamentar os requisitos mínimos do art. 52. Não houve, por fim, manifestação do Acórdão acerca da impossibilidade de cumprimento da obrigação inserta no art. 52, devido aos equívocos legislativos impossibilitadores de seu cumprimento.
Como conclusão, cabem os embargos de declaração opostos em razão de violação efetiva aos artigos 11, 489 e 1.022 do CPC.
Existe no acórdão embargado erro de premissa, pois a configuração feita pelo art. 52, de uma espécie de veículo adaptado "universal" não serve à maioria das PcDs. Não foi levado em conta a finalidade principal de promover a mobilidade delas. O Acórdão embargado omitiu, ademais, a inexistência da proporcionalidade entre a quantia de condutores habilitados com deficiência e o percentual de 5% da frota, previsto no mesmo artigo. Não respondeu o acórdão à questão de que o art. 52 estabeleceu obrigação impossível de cumprimento, por ter fixado como requisitos mínimos do veículo adaptado, a presença de câmbio automático e comando manual de embreagem; visivelmente auto-excludentes. É vedado à lei exigir mais do que o permitido pela situação jurídica, bem como não pode uma determinação judicial exigir cumprimento de algo irrealisável. É, portanto, forçoso concluir que o art. 52 é inaplicável. O próprio acórdão reconhece, indiretamente, a inviabilidade técnica da aplicação dessa norma, ao imaginar a possibilidade de acrescentar-se novos elementos tecnológicos necessários à viabilização da aplicação da norma!
Adaptação aceitável é a que atende às necessidades mais comuns dos diversos tipos e graus de deficiência. Os requisites genéricos do art. 52 não representam as necessidades mais comuns das PcDs, nem trazem reais benefícios para elas.
É de se esperar que os Embargos sejam acolhidos com base nos fundamentos de mérito aduzidos na ADIn; para que se impeçam impactos econômicos substanciais e detrimentais de norma pseudo-inclusiva dos PcDs; quais sejam: (i) dificultar, economicamente, o acesso dos PcDs aos veículos adaptados; e (ii) aumentar o custo da utilização de veículo locado, a toda a população.
Por seu turno, o trabalho recente do CEDES, que ampliou a pesquisa retro-citada, reafirmou os pontos principais componentes da fundamentação da ADIn e, consequentemente, dos Embargos de Declaração:
1."O tratamento efetivo da inclusão pressupõe respeito às características demográficas, econômicas, sociais de cada unidade da federação.
2.As políticas públicas efetivas devem estar embasadas em dados reais e não em suposições ou generalizações.
3.Os percentuais fixados na lei 13.146/15 não refletem a diversidade da realidade socioeconômica e demográfica brasileira.
4.Segundo dados das locadoras e das associações, a demanda real e atual para locação de automóveis adaptados estaria aquém da exigência trazida pela norma em análise.
5.As diversas classes e graus de comprometimento de deficiências físicas exigem o caráter personalíssimo das adaptações. A legislação pode ser considerada discriminatória por não atender a alguns tipos de deficiência, tratando-as de forma homogênea".
Que o E. STF saiba se auto-corrigir.
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1- O único ministro do STF a não votar, por estar afastado por motivo de doença, foi Celso de Mello.
2- Rodas, João Grandino, "Frota de veículos para pessoas com deficiência: conclusão de pesquisa", Revista Eletrônica Conjur, de 22 de agosto de 2019.
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*João Grandino Rodas é desembargador federal aposentado do TRF da 3ª região. Mestre em Direito pela Harvard University. Presidente do CEDES - Centro de Estudos de Direito Econômico e Social. Sócio do escritório Grandino Rodas Advogados.