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Meios de efetivação do direito ao esquecimento na internet

Devido à ausência de normatização, o direito ao esquecimento no meio virtual ainda é um papel exercido majoritariamente pelo Poder Judiciário.

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Atualizado às 12:49

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Apesar da democratização do acesso à internet ser limitada, segundo o relatório de 2019 da Comissão de Banda Larga das Nações Unidas 51% da população mundial está conectada à rede No Brasil, três em cada quatro brasileiros acessam a internet, conforme a pesquisa TIC Domicílios 2019 realizada pelo Centro Regional para o Desenvolvimento de Estudos sobre a Sociedade da Informação. Isso quer dizer que, se anteriormente apenas a elite dispunha de meios para expor suas ideias com vasto alcance, hoje, qualquer indivíduo com uma conta em alguma das dezenas de redes sociais existentes pode "viralizar" nesse mundo.

Entretanto, o poder de expor na rede intimidades que outrora se restringiam à escritos em diários (trancados por cadeados, diga-se de passagem) trouxe consequências que o ordenamento jurídico brasileiro ainda não foi capaz de disciplinar, criando danos à honra dificilmente revertidos, diante da rapidez com que as informações se propagam. De acordo com o levantamento da Digital in 2018, no Facebook, há mais de 2 bilhões de usuários ativos e no Instagram mais de 1 bilhão de usuários, entre eles inúmeros perfis pessoais e páginas responsáveis pelo estímulo ao linchamento virtual e exposição da intimidade alheia.

Portanto, é difícil manter-se alheio ao mundo virtual devido à crescente facilidade ao acesso das tecnologias aliada a uma oportunidade de liberdade de expressão a qual nunca existiu antes. A internet permite que qualquer pessoa publique atos que vão dos mais irrelevantes até aqueles que podem ferir a honra de terceiro e que, por isso, ensejam responsabilização jurídica. Neste contexto de fluidez de informações, o direito ao esquecimento virtual, anteriormente pleiteado especialmente por famosos (vide o célebre caso "Xuxa vs. Google") tornou-se um instituto acessível também ao cidadão anônimo vítima de fake news ou linchamento virtual que requeira o esquecimento de fatos a seu respeito.

O direito ao esquecimento ou também denominado "direito de ser deixado em paz", ou ainda "the right to be let alone" na língua inglesa consiste na prerrogativa que o indivíduo possui de não permitir que a exposição de fatos ocorridos em algum momento de sua vida lhe cause sofrimento na atualidade. Isso significa que é indiferente a discussão da veracidade do fato, bastando apenas prejuízo ao titular para que seja requerido o esquecimento. Deve-se atentar ainda, que o direito ao esquecimento diverge do direito à privacidade, visto que este último aborda fatos contemporâneos e não passados do indivíduo.

Na esfera penal há um tipo de direito ao esquecimento previsto no artigo 202 da lei de Execução Penal (lei 7.210/84). Trata-se do instituto da reabilitação criminal que consiste na ocultação em atestados e certidões dos antecedentes criminais de sentenciados que já cumpriram condenação, visto que a exposição desses dados, inegavelmente, traz inúmeros prejuízos para a ressocialização do ex-detento. O artigo supramencionado possui a seguinte redação:

"Art. 202. Cumprida ou extinta a pena, não constarão da folha corrida, atestados ou certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da Justiça, qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para instruir processo pela prática de nova infração penal ou outros casos expressos em lei."

Como observado, o instituto da reabilitação criminal limita-se apenas a ocultar referências a condenações em atestados e certidões, ou seja, esse mecanismo não alcança outras áreas da vida do indivíduo, tal como a virtual. Sendo assim, no contexto de uma sociedade informatizada, a não ocultação desses dados em páginas de internet e redes sociais traz danos severos a aquele que já cumpriu sua parcela com a Justiça.

Ainda que amplamente discutido no Brasil e em outros países, (vide julgamento do Tribunal de Paris em 1983) o direito ao esquecimento aplicado ao ambiente virtual não está previsto expressamente no ordenamento jurídico brasileiro. Sendo assim, o direito em questão é derivado principalmente do princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988 e do direito à privacidade, intimidade e honra assegurados pelo art. 5º, inciso X da CF/88 e pelo Código Civil de 2002 em seu artigo 21.

Em 2013 houve progresso quanto à formalidade do direito ao esquecimento com a aprovação na VI Jornada de Direito Civil do CJF do Enunciado n. 531, que conta com a seguinte redação: "A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento".

Além disso, tendo em vista a ausência de previsão legal, a jurisprudência possui papel crucial para a efetivação do direito ao esquecimento. Um dos casos mais célebres e que é base para a discussão no campo virtual foi contra a Rede Globo. A menção do nome de um acusado de participar da Chacina da Candelária no programa "Linha-Direta Justiça" exibido em 2006 desencadeou na ação, visto que suspeito fora absolvido do crime. O STJ decidiu favoravelmente ao autor, sob o argumento da possibilidade de se contar a história da Chacina sem a necessidade de mencionar o nome do acusado.

Recentemente, a 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo negou um pedido de exclusão nos buscadores Google e Bing da condição de cotista racial de um homem aprovado em concurso público. O autor argumenta que é preterido nos processos seletivos de empresas privadas quando estas tomam conhecimento de sua aprovação por cota. Ainda assim, o TJ entendeu que o fato de ser aprovado com uso de cota racial não constitui violação alguma à honra e imagem do autor e que, portanto, não faz jus ao instituto do esquecimento.

Observando-se os casos expostos acima, há uma linha tênue entre direito ao esquecimento e o cerceamento da liberdade de expressão e informação. Devido à falta de parâmetros legais para determinar o esquecimento, cabe ao Judiciário analisar, caso a caso, as múltiplas demandas submetidas a apreciação. Além disso, sabe-se que uma decisão favorável à ocultação do fato dificilmente não enfrentará discussões técnicas no campo da tecnologia, pois a informação raramente é completamente removida.

Diante das novas celeumas jurídicas decorrentes da sociedade da informação, a normatização se mostra uma via adequada para dessobrecarregar o Judiciário da missão de adequar normas antigas à realidade atual. Sobretudo, a primeira etapa é ter ciência de que a dignidade da pessoa humana deve ser resguardada não só no campo físico, como também no mundo virtual.

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NOBERTO, Cristiane e LOIOLA, Catarina. 51% da população mundial têm acesso à internet, mostra estudo da ONU. Disponível aqui.

VALENTE, Jonas. Brasil tem 134 milhões de usuários de internet, aponta pesquisa. Disponível em aqui. Acesso em: 05 abr. 2020.

TOURRUCOO, Juliana. Veja quantos usuários tem o Facebook, YouTube, Instagram e as outras redes sociais. Disponível em: https://www.goobec.com.br/blog/redes-sociais-dados-estatisticos-2018/. Acesso em: 05 abr. 2020

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PECK, Patrícia. Direito Digital. 6ª Edição. São Paulo. Saraiva. 2016.

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OLIVA, Afonso Carvalho de.  CRUZ, Marco A. R. Cunha e. Um estudo do caso Xuxa vs. Google Search (REsp 1.316.921): O direito ao esquecimento na internet e o Superior Tribunal de Justiça. 2014. 22 f. I Congresso Internacional de Direitos da Personalidade. UniCesumar. Paraná. 2014.

CANÁRIO, Pedro. STJ aplica 'direito ao esquecimento' pela primeira vez. Acesso em: 20 mai. 2020.

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*Vitória Ramos é acadêmica de Direito e pesquisadora do programa de Iniciação Científica. 

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