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Os 68 anos do Sindicato dos Advogados de São Paulo, e a derrocada dos Direitos Sociais

O que facilita a nossa missão, é o fato da história do SASP estar íntima e intrinsecamente relacionada com o Direito e a Justiça do Trabalho.

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Atualizado às 08:04

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

A missão de escrever a pedido do Sindicato dos Advogados de São Paulo, a propósito das comemorações pelos seus 68 anos de fundação, não é tarefa simples, principalmente para quem acompanhou apenas metade dessa rica história, iniciada em 15 de setembro de 1952, com a homologação da sua carta sindical, cabendo ao dr. Cristovam Pinto Ferraz conduzir a entidade em primeiro mandato, como presidente.

O que facilita a nossa missão, é o fato da história do SASP estar íntima e intrinsecamente relacionada com o Direito e a Justiça do Trabalho. Tendo o nosso escritório, fundado pouco depois, em 1957, por João Maurício Holtz Cardoso e Paulo Cornacchioni, ladeado o SASP na defesa dos Direitos Sociais, consolidados no decreto-lei 5.452 de 1º de maio de 1943, e erigidos ao status de direitos e garantias fundamentais, na Constituição Cidadã de 1988.

E essas quase sete décadas de lutas não foram nada fáceis, vivenciando o Direito do Trabalho momentos tormentosos, notadamente com o golpe militar de 1964, e, nos últimos tempos, com os arroubos do liberalismo. Tendo encontrado no SASP uma trincheira na defesa não apenas da classe dos advogados, como também, e sobretudo, na defesa dos Direitos Sociais e do Estado Democrático de Direito.

Para tanto, o SASP sempre teve em sua linha de frente grandes advogados trabalhistas, a começar pelo dr. Cristovam Pinto Ferraz, então advogado do Sindicato dos Metalúrgicos, passando por personalidades como José Carlos Arouca, João José Sady, Valter Uzzo, Ricardo Gebrim, Aldimar de Assis, e, nos dias atuais, pelo valoroso e incansável Fábio Gaspar.

A verdade é que, de tempos em tempos, o emprego formal e o Direito do Trabalho são colocados em cheque. Sendo apontados por alguns setores da sociedade como os responsáveis pelo aumento do desemprego e pelo chamado "custo Brasil".

A Constituição de 1988 veio de assegurar os direitos sociais básicos dos trabalhadores urbanos e rurais, direitos esses inseridos, premonitória e cautelarmente, em cláusula pétrea da Carta Política. Os direitos sociais previstos na Constituição Cidadã, representam, portanto, o patamar civilizatório mínimo garantido aos trabalhadores, intuindo-se do caput do artigo 7º da Lei Maior, que, desde 1988, ficou vedado o retrocesso social. Tudo como, aliás, já se encontra pacificado na doutrina e na jurisprudência, inclusive do Excelso Pretório.

Nada obstante, mesmo após a Constituição de 1988, foram diversas as tentativas de flexibilizar a legislação trabalhista, sempre esbarrando, contudo, na rigidez do artigo 7º da CF.

Mas 2017 foi ano que marcou a maior ofensiva contra os direitos sociais, algo jamais vivenciado desde a promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho, logo após o chamado golpe parlamentar de 2016. E isso não foi uma mera coincidência.

Exemplos claros dessa ofensiva foram a liberação da terceirização em toda e qualquer atividade e setor, e a aprovação da lei 13.467/17, em tempo recorde e sem prévio e detido debate com a sociedade, a chamada "reforma trabalhista", que apesar de em seu bojo prever o respeito ao artigo 7º da CF, como nem poderia ser diferente, criou instrumentos para obstar o acesso dos trabalhadores ao Poder Judiciário trabalhista. Você tem direitos, mas não pode reclamá-los!

Também com a reforma trabalhista veio a desconstrução de todo o movimento sindical, da qual não saiu incólume o SASP, com o súbito fim da contribuição sindical compulsória, sem nenhuma contrapartida, mecanismo ou instrumento de preservação dos sindicatos.

E diferente do que prometeu o Poder reformador trabalhista, e os entusiastas da "reforma", nenhum emprego formal foi criado, mantendo-se o País, decorridos 3 anos da lei 13.467/17, no patamar de 14 milhões de desempregados.

Até mesmo a contratação dos precários trabalhadores intermitentes foi pífia, embora o CAGED, que contabiliza o número de empregados e desempregados, tenha sido inflado com tais "empregados", do chamado "contrato zero".

O Brasil, então, criou uma classe de trabalhadores, o precarizado.

Abrimos 2019 com a extinção do Ministério do Trabalho, transformado em secretaria do Ministério da Economia, e com ameaças de extinção da própria Justiça do Trabalho, tema que já circulara durante o governo neoliberal de FHC, num cenário de verdadeira destruição, que motivou a criação do Movimento de Defesa da Justiça do Trabalho, o MDJT, do qual o SASP não se furtou de participar, logo nos seus primórdios.

Outras ondas de flexibilização da legislação do trabalho se seguiram, com o aprofundamento da "reforma trabalhista", prometido pelos chefes do Poder Executivo e Legislativo, que veio a reboque da MPV 905, a pretexto da abertura de novos postos de trabalho, com o nome de "carteira verde amarela". Outra medida fracassada do Executivo, que em seu bojo trouxe uma série dos chamados "jabotis"; drásticas alterações na legislação trabalhista, fulminando conquistas históricas da classe trabalhadora, como a jornada reduzida dos bancários, a facilitação do labor em jornada suplementar e em folgas, a limitação do poder do Ministério Público do Trabalho, a eliminação dos juros e da correção monetária dos créditos trabalhistas, dentre outras medidas de precarização.

E embora não tenha sido convertida em lei, revogada que foi por outra MPV, ouve-se ainda nos corredores do Congresso Nacional ameaças de que alguns dispositivos da malfadada MPV 905 venham a ser reeditados ou inseridos em outras medidas provisórias. O que enseja preocupação e merece a atenção daqueles que ainda prezam pelo Estado Social preconizado pela Constituição de 1988, como o sempre vigilante SASP.

Não bastasse tudo isso, o ano de 2020 nos reservaria ainda mais. O mundo é abatido por uma nova doença, uma pandemia, algo sem precedente nos últimos cem anos, impondo a todos o isolamento ou distanciamento social, com direto impacto nas atividades econômicas, em todos os seus segmentos e espectros, e, consequentemente, na empregabilidade.

O até então preconizado "Estado Mínimo" dá lugar ao "Estado Máximo" e necessariamente interventor. O Estado é chamado a dar suporte às empresas e empregadores em geral, com vistas à manutenção da atividade econômica, do emprego, e estabilidade da economia, sendo editadas as ditas "medidas provisórias de crise", de que foram exemplo as MPVs 927 e 936.

E, mais uma vez, contrariando o postulado de não-retrocesso social, tais medidas provisórias na verdade foram permeadas pela redução na tutela do trabalhador, sendo os Sindicatos alijados de suas funções primordiais, relegando-se à negociação individual, entre empregadores e empregados, questões relevantíssimas.

A MPV 927 chegou a trazer em um dos seus dispositivos a possibilidade de negociações individuais entre empregados e empregadores preponderarem sobre instrumentos normativos, legais e negociais. E a suspender exigências administrativas em relação à segurança e saúde no trabalho!

Enquanto a MPV 936, que criou o chamado benefício emergencial de preservação da renda e do emprego, na verdade excluiu da negociação coletiva, para redução de jornada e salários e para a suspensão dos contratos, trabalhadores com salários inferiores a 3 salários mínimos, justamente a categoria de empregados mais vulnerável e que mais necessita de assistência sindical!

E o que dizer da ausência da negociação coletiva para redução e jornada e suspensão dos contratos dos trabalhadores com salários superiores a doze mil reais? Os chamados hiperssuficientes estariam alijados das garantias constitucionais do artigo 7º ou do princípio basilar da igualdade?

De modo que, nem mesmo a pandemia, foi capaz de impedir o movimento reformador trabalhista, e a sana flexibilizadora do Estado, chegando ao ponto do Ministro da Economia publicamente afirmar que não adianta ter direitos e não ter emprego, como se o emprego formal fosse o grande óbice ao desenvolvimento econômico e à abertura de postos de trabalho.

Enquanto isso, e paradoxalmente, os Sindicatos e a Justiça do Trabalho, vítimas de seguidos ataques nos últimos anos, mostram-se agora indispensáveis na luta pela preservação da atividade econômica, do emprego e dos direitos sociais, e na pacificação dos litígios entre o capital e o trabalho.

Nesse cenário de devastação, de verdadeira derrocada dos direitos sociais, agiganta-se o papel do Sindicato dos Advogados de São Paulo, que ao longo de seus 68 anos de existência, jamais se furtou na defesa do Direito e da Justiça do Trabalho.

Vida longa ao SASP!

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 *Heitor Cornacchioni é advogado graduado pela Faculdade de Direito pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito Privado e Processo Civil pela FADUSP. Colaborador do Sindicato dos Advogados do Estado de São Paulo (SASP).

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