Quem seria o responsável perante um consumidor que não consegue acessar seu pet digital de compra no DLT?
A necessidade de definir a responsabilização da cadeia consumerista quando se trata de DLT é cada vez mais necessária e urgente.
quinta-feira, 5 de novembro de 2020
Atualizado às 11:02
Hoje em dia a tecnologia avançou muito rapidamente, de modo que os sistemas jurídicos devem buscar soluções de regulação e proteção. O e-commerce e a aquisição de produtos digitais e virtuais propriamente ditos estão em uma curva ascendente e cada vez mais distribuídos quando se trata de criação e desenvolvimento de tais produtos.
O direito dos compradores desses produtos, ou seja, os consumidores, deve ser levado em consideração para definir os requisitos e deveres dos fornecedores desses produtos digitais a fim de protegê-los.
Além disso, pode-se utilizar DLT (Distributed Ledger Technology), inclusive para o desenvolvimento de tais pets digitais, com um processo de criação através dos registros em banco de dados, até então a criação do produto final, mas a responsabilidade nestes casos deve ser verificada .
1- Responsabilidade para com o consumidor final no âmbito da DLT. Breve análise da legislação europeia.
DLT (Distributed Ledger Technology) é uma estrutura de dados distribuída geograficamente. Assim, existem vários servidores que tratam simultaneamente das informações básicas, sem ter um administrador principal. Ou seja, um cadastro distribuído nada mais é do que um banco de dados gerenciado por um coletivo de participantes.
Cada um deles possui uma cópia do registro para que quaisquer variações sejam fáceis de detectar já que as atualizações básicas deles possuem uma cópia do registro, de forma que quaisquer variações serão fáceis de detectar, uma vez que as atualizações básicas são realizadas por consenso de todos participantes.
Os DLTs armazenam dados nos nós e, portanto, após passar pelo processo de validação, uma rede distribuída é adicionada à rede. Os nós são um meio de demonstrar os participantes da rede, onde cada participante possui um nó. Assim, os dados são armazenados nos nós da rede de forma distribuída, configurando um DLT.
O desenvolvimento de softwares e aplicativos pode ser feito utilizando a plataforma DLT, podendo envolver a participação simultânea de vários profissionais para o referido desenvolvimento.
Após finalizado o desenvolvimento e o produto pronto para ser colocado publicamente no mercado, como no caso dos pets digitais, ele será comercializado, o que gerará responsabilidades e obrigações na relação jurídica entre vendedor e consumidor.
Restringindo-se ao tema, e para efeito de verificação dos responsáveis pelo produto posto à venda, devem ser analisadas as Directivas do Parlamento Europeu em vigor, tendo em conta a competência legislativa dos Estados-Membros na matéria.
Em primeiro lugar, existe a Diretiva 2019/771 sobre determinados aspetos dos contratos de compra e venda de bens, que, no seu artigo 6.º, alínea a), d), trata dos requisitos objetivos que os produtos devem ter para cumprir o contrato de compra e venda.
Observa-se que a diretriz garante o aspecto material dos contratos de compra e venda, sendo que o fornecedor deve entregar a mercadoria conforme contratado. Porém, no caso de bens digitais, a finalidade do produto dá a expectativa de funcionamento correto.
Por sua vez, a Diretiva 2019/771, que trata de determinados aspetos relativos aos contratos de fornecimento de conteúdos e serviços digitais, tem regras semelhantes às da Diretiva 2019/770, nomeadamente no que diz respeito aos requisitos de conformidade do produto e à responsabilidade do profissional para com o consumidor.
O artigo 6.º da referida diretiva estabelece que é obrigação do comerciante fornecer aos consumidores produtos que cumpram os requisitos de conformidade, tanto subjetivos como objetivos.
Nesse sentido, o artigo 7 (a) e 8 (1) (a) (b) prevêem que o fornecedor entregue o produto adquirido de acordo com a funcionalidade, compatibilidade e demais características esperadas do bem, conforme exigido pelo contrato.
Analisando o artigo 2.º, n.º 5, da Diretiva 2019/770, entende-se por profissional a pessoa que atua, direta ou indiretamente, mesmo que outra pessoa aja em seu nome, para fins relacionados com a sua atividade comercial. No caso em questão, há o desenvolvedor e o fornecedor, que pode ou não ser a mesma pessoa.
Pois bem, dito isto, é importante notar que o artigo 11.º, n.º 2, da Diretiva 2019/770 estabelece que o profissional será responsável pela falta de conformidade dos produtos digitais.
É possível perceber que a responsabilidade, em tese, deve estar bem definida no contrato, no entanto, há casos em que o contrato não prevê cabalmente, pelo que o considerando 45 da Diretiva 2019/770 parece resolver o problema.
Para estar em conformidade e garantir que os consumidores não sejam privados de seus direitos, por exemplo, nos casos em que o contrato estabelece padrões muito baixos, o conteúdo digital ou serviço digital não deve apenas cumprir com os requisitos subjetivos de conformidade, mas deve, além disso, cumprir os requisitos objetivos de conformidade estabelecidos na presente diretiva. A conformidade deve ser avaliada, inter alia, considerando a finalidade para a qual os conteúdos ou serviços digitais do mesmo tipo seriam normalmente utilizados. Deve também possuir as qualidades e características de desempenho que são normais para conteúdo digital ou serviços digitais do mesmo tipo e que os consumidores podem razoavelmente esperar, dada a natureza do conteúdo digital ou serviço digital, e levando em consideração quaisquer declarações públicas sobre o características do conteúdo digital ou serviço digital feito por ou em nome do profissional ou outras pessoas em elos anteriores da cadeia de transações. (grifo nosso)
A colocação de um pet digital criado a partir de um DLT no mercado atrai a responsabilidade do profissional nos casos em que o produto não tenha a funcionalidade, compatibilidade e demais características presentes, e que impossibilitem o consumidor de utilizá-lo, neste caso, acesso ao produto (pet digital).
Considerando a criação por DLT, é importante para fins de prestação de contas entender qual participante do processo de criação gerou o erro de desenvolvimento que impossibilitou o acesso do consumidor ao pet digital, ou seja, é necessário identificar o responsável pelo registro no DLT dessa etapa, independentemente de ter sido produzida (desenvolvida) na UE ou importada.
Neste caso, para ser responsável pelo registo, o artigo 20.º da Diretiva 2019/770 estabelece que será garantido ao comerciante o direito de regresso ao responsável pela ação ou omissão durante o processo de criação do animal digital, no entanto , a legislação nacional será quem definirá a pessoa que pode ser alvo para o exercício do direito de regresso, bem como as ações e condições de exercício.
Conclusão
Em resposta ao questionamento, entende-se que nos casos em que um consumidor adquire um produto digital, atrai a aplicação das Diretivas 2019/770 e da Diretiva 2019/771, que definem que a responsabilidade pela impossibilidade de acesso ao animal digital será do profissional, mesmo quando o vício ocorre na fase de desenvolvimento do produto (pet digital) no seio da DLT, com exceção dos produtos gratuitos.
Por outro lado, para ser responsável pela pessoa que contribuiu para o problema durante as fases de desenvolvimento do pet digital, seja por ação ou omissão, dois requisitos devem ser cumpridos, a saber:
(i) verificar o responsável pelos registros efetuados no DLT que geraram a impossibilidade de acesso e;
ii) ser sujeito passivo que exerça o direito de regresso exercido pelo profissional, nos termos do direito nacional.
_________
*Rafael Gama da Costa Soares é advogado. Mestrando em Direito e Tecnologia pela NOVA Law School da Universidade Nova de Lisboa. Po's-graduado em Compliance, Governança Corporativa, Lei Anticorrução e Gestão da Administração Pública pela Faculdade de Direito de Vito'ria (FDV). Pós-Graduado em Direito Fiscal pela Pontifícia Universidade Cato'lica do Rio de Janeiro (PUC-RJ).