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Férias e 13º salário em tempos de covid-19

No campo do Direito do Trabalho surgiram várias legislações regulamentando inúmeras situações surgidas nesse período de isolamento social.

terça-feira, 3 de novembro de 2020

Atualizado às 08:16

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Com a pandemia ocasionada pela covid-19 foi necessária a adoção de várias medidas de segurança, dentre elas o isolamento social, e, com isso, houve a paralisação de várias empresas dos mais diversos ramos. Por conta disso, o Governo adotou algumas medidas para tentar manter o equilíbrio social, comercial, empregatício, financeiro e econômico.

No campo do Direito do Trabalho surgiram várias legislações regulamentando inúmeras situações surgidas nesse período de isolamento social. Citamos, por exemplo, a lei 13.892/20, a lei 13.979/20, a medida provisória 927/20, já extinta, entre outras. Mas a principal medida legislativa adotada pelo Governo Federal foi a medida provisória (MP) 936/20, convertida pelo Parlamento na lei 14.020/20.

A partir dela, certo é que foram criadas duas saídas para que empresas e empregados pudessem manter o contrato de trabalho em vigor, ou nos termos da própria legislação, manter o emprego e a renda. Com isso, também foi criado o Benefício Emergencial para que, de alguma forma, mantivesse o equilíbrio financeiro dos empregados abarcados pelas hipóteses desta nova Legislação.

Essas duas saídas criadas pela MP 936 e pela lei 14.020/20, já são muito conhecidas, representam a redução da jornada de trabalho, com proporcional redução salarial, e a suspensão do contrato de trabalho. Atualmente o prazo de uso destas saídas pode chegar até 180 dias, limitando-se, porém, até 31/12/20, última data do período considerado como de Calamidade Pública, firmado pelo decreto legislativo 6/20.

Muitas dúvidas surgiram e surgem por conta desta novidade legislativa no campo do Direito do Trabalho, em especial a dúvida que tentaremos esclarecer, claro que sem a pretensão de esgotar o tema, nem mesmo de que nosso posicionamento seja algo de aplicação obrigatória.

A dúvida é a seguinte: Como fica o cálculo das férias e do 13º salário, para fins de pagamento na rescisão contratual, para os trabalhadores que tiverem seus respectivos contratos suspensos? A solução é a mesma nos casos em que houve a redução de jornada e do correspondente salário?

Portanto dentro do recorte feito pelo questionamento que pretenderemos responder, temos definido que o tema é a suspensão do contrato de trabalho e a forma de apuração e cálculo das férias e 13º salário, na rescisão do contrato de trabalho.

Partimos, portanto, da análise das consequências jurídicas da suspensão do contrato de trabalho de forma geral.

Vale dizer que há dois institutos que podem ocorrer na vigência do contrato de trabalho, a interrupção e a suspensão. Ambos os institutos cessam temporariamente obrigações oriundas do contrato de trabalho, de forma que o que diferencia um do outro é a abrangência de seus efeitos.

A interrupção do contrato de trabalho, cujas principais hipóteses estão previstas no artigo 473 da CLT, grosso modo interrompe apenas as obrigações atribuídas ao empregado, mantendo-se, porém, as obrigações a serem cumpridas pelo empregador. Ou seja, há uma ausência provisória de prestação de serviços, mas com a manutenção da obrigação da empresa de pagar salário e a contagem do tempo de serviço para todos os fins trabalhistas. Frise-se que apenas as obrigações do trabalhador serão cessadas temporariamente.

Já a suspensão do contrato de trabalho tem como objetivo paralisar temporariamente as obrigações das partes envolvidas no contrato de trabalho, tendo como consequência a desobrigação de empregado e empregador por um certo período de tempo. Ou seja, ausência provisória de prestação de serviços, sem que se tenha o pagamento de salários e sem a contagem do tempo de serviço. As obrigações de empegado e empregador são cessadas.

Há várias hipóteses previstas na CLT quanto à suspensão do contrato de trabalho, a exemplo dos artigos 472, 474, 475, 476 e 476-A, todos da CLT, que dizem respeito à suspensão disciplinar, greve, prestação de serviço militar obrigatório, afastamento previdenciário por auxílio doença ou acidentário, qualificação profissional e licença maternidade.

E também existe a mais nova hipótese prevista no artigo 8º da lei 14.020/20, que é a suspensão do contrato de trabalho autorizada durante o período de estado de calamidade pública que, como já dito alhures, tem seus efeitos estendidos até 31/12/20.

Com efeito, temos então uma suspensão do contrato de trabalho (artigo 8º, da lei 14.020/20), por determinado período de tempo e, após isso, respeitado o período da estabilidade provisória de emprego a que o empregado faz jus por conta de ter tido seu contrato suspenso (artigo 10, da lei 14.020/20), haverá a rescisão do contrato de trabalho. Como apurar as férias e o 13º salário devidos por ocasião do fim do contrato de trabalho, considerando, para tanto, a demissão sem justo motivo ou o pedido de demissão, pois nestas formas de extinção do contrato de trabalho, as férias e o 13º salário proporcionais não serão afetados, como ocorre se a dispensa se der por justo motivo, ou seja, por alguma das hipóteses previstas no artigo 482 da CLT.

Dessa forma, a fim de ilustrarmos melhor a resposta à primeira parte da pergunta, criaremos um exemplo de um caso concreto. Pensemos em um empregado que foi admitido em dezembro de 2018, cujo contrato de trabalho foi suspenso nos meses de maio e junho de 2020, com rescisão contratual sem justo motivo programada para o mês de novembro de 2020. Pensemos, ainda, que esse empregado gozou de férias referente ao período aquisitivo de 2018/19, ou seja, não há férias vencidas no momento da dispensa.

A CLT, no artigo 146 e seu parágrafo único c/c o artigo 3º da lei 4.090/62, estabelecem, respectivamente, que em caso de rescisão do contrato de trabalho as férias e o 13º salário serão pagos junto com as verbas rescisórias, proporcionalmente, caso o período aquisitivo ainda não tenha sido completado.

Pois bem, tomando por base as premissas acima, é certo que o segundo período aquisitivo ao direito de férias desse empregado do nosso exemplo se iniciou em dezembro de 2019, cuja contagem ocorre normalmente até o mês de abril de 2020, já que nos meses de maio e junho houve a suspensão do contrato de trabalho. Assim, temos computados 4/12 de férias (janeiro, fevereiro, março e abril).

Diante da suspensão do contrato de trabalho dita acima, vale lembrar que não há contagem do respectivo período como tempo de serviço, conforme abordamos acima. Nesse passo, não serão computados os meses de maio e junho de 2020, na apuração do cálculo das férias e 13º salário proporcionais, devidos por ocasião da rescisão do contrato de trabalho sem justa causa.

Assim, retoma-se a contagem a partir de julho de 2020, até o mês de novembro do mesmo ano, quando se opera o fim do contrato de trabalho. Portanto, no momento do pagamento das verbas rescisórias, esse empregado fará jus ao recebimento de 9/12 a título de férias proporcionais, que deverão ser pagas com o acréscimo de 1/3, conforme artigo 7º, inciso XVII, da Constituição Federal.

Essa mesma lógica e sistemática se aplicará quanto ao 13º salário, com a ressalva de que, nesse caso, o início da apuração da fração devida no momento da rescisão contratual sempre será o mês de janeiro de cada ano. Assim, no nosso exemplo, o empregado fará jus ao recebimento de 9/12 a título de 13º salário.

Vale registrar que, para fins didáticos, fizemos as apurações das frações devidas a título de férias e 13º salário, sem contar a chamada projeção do aviso prévio, para que ficasse mais clara a visualização da sistemática da apuração de tais verbas quando há uma causa de suspensão do contrato de trabalho.

Passemos para a segunda parte da pergunta que nos motivou a escrever este texto, que repetiremos a seguir: a solução é a mesma nos casos em que houve a redução de jornada e do correspondente salário?

A resposta, de forma objetiva, é negativa. Isso porque, no caso da redução da jornada de trabalho, com redução proporcional de salário, previstas no artigo 7º da lei 14.020/20, não opera nenhuma causa que importe a não contagem do tempo de serviço para tais fins. Ou seja, o contrato de trabalho, ainda que com jornada reduzida, mantem-se plenamente ativo para ambas as partes e, portanto, com as respectivas obrigações e efeitos em vigor.

Vale dizer que, neste caso, não há sequer modificação na base de cálculo para pagamento de férias com o terço constitucional e para o pagamento do 13º salário, de forma que será a base de apuração de tais verbas será a remuneração integral e normal percebida pelo empregado antes da redução, considerando os reajustes legais, como por exemplo, o dissídio, caso ocorra nesse ínterim.  

Esperamos termos sido claros na presente exposição e de alguma forma termos contribuído para sanar as dúvidas que nos foram colocadas, ainda que de forma parcial e por óbvio que não de forma absoluta. 

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 *Ricardo Jorge Russo Junior é advogado Trabalhista. Pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho, Direito Desportivo e  Direito e Processo Civil. Especialista em Direito do Trabalho Coletivo e em Cálculos Trabalhistas. MBA em Direito Empresarial.




 *Ricardo Calcini é mestre em Direito pela PUC/SP. Professor de pós-graduação em Direito do Trabalho da FMU. Palestrante e instrutor de eventos corporativos "in company" pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos.

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