Prisão ou liberdade durante a crise do coronavírus?
O presente artigo versa sobre os atuais desafios do advogado, frente à dicotomia estabelecida entre o direito de liberdade ou dever de encarceramento, diante da pandemia do Covid-19.
segunda-feira, 26 de outubro de 2020
Atualizado às 11:38
Quais os direitos da pessoa privada de liberdade frente à pandemia de Covid-19? Afinal, são muitas as perguntas, contudo poucas as respostas. Em todos os meios de comunicação, inclusive as redes sociais, o assunto é apenas o novo coronavírus - Covid-19.
Se para as pessoas "livres" já está difícil lidar com a pandemia que vivemos, imagine para as pessoas que estão presas, de forma preventiva ou em cumprimento de penas e, ainda, em muitas situações penas leves.
Por outro lado, pessoas mais radicais, sem se importarem com o sofrimento alheio, ou com as famílias dos presos, diriam que mereciam morrer por lá mesmo. Contudo, essas pessoas acham que nunca acontecerá com elas e, quando pensam assim, são cruéis.
De qualquer forma, é legítimo travar com a sociedade um debate aberto sobre os meios para a plena realização do pluralismo de ideias e opiniões.
Com efeito, a realidade é que os bens mais valiosos do ser humano são a vida e a liberdade. A população presa está privada de sua liberdade. Além disso, está sendo privada da possibilidade de se proteger da pandemia que vivemos.
No cenário atual de efetiva violação aos direitos básicos e à dignidade da pessoa humana, o maior desafio está, certamente, na redução de riscos epidemiológicos do novo coronavírus.
Os presídios são ambientes que, evidentemente, favorecem a proliferação de doenças, principalmente de vírus, pelo alto índice de transmissão e risco de contágio. Celas superlotadas, sem as básicas condições de higiene, as pessoas privadas de liberdade não podem ser isoladas para evitar o contágio dos outros presos e o agravamento da situação.
Quando uma pessoa leiga fica espantada com os direitos assistenciais dos presos (vestuário, alimentação, remédios etc), deve ter em mente que referidos Direitos Humanos são para todos, inclusive para nós. A diferença é que temos a liberdade de ir e vir onde quisermos, mas o preso depende do Estado: para comer, para dormir, ter acesso a medicamentos etc. Desse modo, o Estado fornece ao preso o direito mínimo existencial.
Enfim, a saúde é direito de todos e para todos. Nesse sentido, o CNJ, diante da pandemia, por meio da RECOMENDAÇÃO 62/20, manifestou-se no sentido de que a saúde das pessoas privadas de liberdade é essencial não só à garantia do direito individual, mas principalmente em garantida da saúde coletiva.
Logo, a Recomendação estabelece uma série de medidas preventivas à propagação do Covid-19, entre elas a necessidade de reavaliação das prisões preventivas, de ofício ou a requerimento das partes.
O CNJ sinaliza a clara necessidade de se reduzir a população carcerária, de maneira a evitar os riscos de propagação do novo coronavírus. Aponta como prioridades: a liberação de mulheres gestantes, idosos, indígenas e pessoas cuja prisão preventiva já tenha ultrapassado 90 (noventa) dias, desde que não sejam acusadas de crimes cometidos com violência ou grave ameaça.
E para os presos definitivos, ou seja, que estão cumprindo pena, a Recomendação indica a possibilidade de saída antecipada, a concessão de saídas temporárias, inclusive com ampliação do prazo de retorno e o encaminhamento para "prisão domiciliar" de todos os presos do regime semiaberto e aberto, bem como das pessoas com diagnóstico de Covid-19.
De qualquer forma, é bom lembrar que o nosso país ocupa a terceira posição no ranking de países com a maior população carcerária do mundo, fato que, por si só, demonstra a ineficiência do sistema no tocante à tão almejada ressocialização do indivíduo, de modo que, ao invés de coibi-lo na prática de novos crimes, aproxima-o de novas organizações criminosas.
Portanto, cabe aos advogados, sejam públicos ou privados, a tarefa de ajuizar pedidos de liberdade ou de providências com vista à garantia do direito fundamental à saúde da pessoa privada de liberdade. A importância da advocacia é diretamente proporcional à tendência repressiva do Estado. Logo, nunca o esforço do advogado foi tão importante como agora.
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*Sadao Ogava Ribeiro de Freitas é advogado, pós graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhaguera Uniderp, graduando em Ciências Sociais.