Considerações sobre o julgamento unipessoal do mérito recursal
A lei permite que, em dadas hipóteses, o relator julgue, monocraticamente, o mérito do recurso, atalhando o curso considerado "normal", que seria o do proferimento do voto e a remessa para julgamento pelo colegiado.
sexta-feira, 23 de outubro de 2020
Atualizado às 08:56
Inequivocamente, dentre as grandes marcas do Código de Processo Civil de 2015 está a valorização da jurisprudência como forma de promover a segurança jurídica (em seus diversos aspectos, dentre eles a previsibilidade e a estabilidade do Direito, que culminam na isonomia entre os litigantes) e fazer frente ao imenso (e crescente) acervo de processos pendentes de julgamento.
Esses fins são buscados pelo CPC/15 tanto por meio da criação de novas técnicas quanto pelo aprimoramento das já conhecidas, como bem se nota dos róis constantes dos arts. 332 e 927, que aludem a decisões proferidas em procedimentos específicos, cujos entendimentos devem ser necessariamente considerados pelo magistrado ao proferir as decisões que lhe couberem.
O maior peso conferido à jurisprudência é lembrado em diversas passagens do CPC/15, desde o início do procedimento comum (quando é dado ao magistrado julgar liminarmente improcedente a demanda - v. art. 332), passando por um dos momentos processuais pinçados para este estudo: o da decisão unipessoal de mérito no âmbito recursal. A lei permite que, em dadas hipóteses, o relator julgue, monocraticamente, o mérito do recurso, atalhando o curso considerado "normal", que seria o do proferimento do voto e a remessa para julgamento pelo colegiado.
Embora não se trate de inovação, essa técnica voltada à eficiência processual1 foi claramente aprimorada no CPC/15, como se tratará a seguir.
Origens do julgamento unipessoal do mérito recursal
Araken de Assis2 retrata que o julgamento monocrático do mérito foi previsto inicialmente pelo art. 90, § 2º, da lei complementar 35/79, para aplicação no extinto Tribunal Federal de Recursos (TFR); passou a ser copiado pelos tribunais, que incorporaram a técnica em seus regimentos internos, e evoluiu até àquele formato que constou do art. 557 do CPC/73, com a redação que lhe foi dada pela lei 9.756/06:
Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.
§ 1º - A Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso. (...)
Embora louvável o fim pretendido pelo legislador ao instituir aquele mecanismo, é inegável que a redação conferida à lei era sujeita a críticas em razão de seu alto grau de vagueza e subjetividade: o que seria "manifestamente inadmissível" ou "manifestamente improcedente"? Manifesto aos olhos de quem? Qual o critério a ser adotado para chegar-se a uma conclusão válida a esse respeito? Todas essas questões não encontravam balizas objetivas para serem respondidas com a segurança esperada.3
De todo modo, não apenas os recursos em sentido estrito, mas também o reexame necessário era passível de decisão unipessoal pelo relator (súmula 253/STJ).
Às vésperas da vigência do CPC de 2015, a Corte Especial do STJ editou o enunciado sumular 568, verbis:
O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema. (súmula 568, corte especial, julgado em 16/3/16, DJe 17/3/16)
Infelizmente, norteado pela redação do CPC/73, o enunciado sumular persistiu na criticada vagueza da expressão "entendimento dominante", a qual não se repetiu na nova legislação processual, à época já esgotando o período de vacatio legis.
Para ler o artigo na íntegra clique aqui.
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1 Quanto ao princípio da eficiência processual, sugerimos: SCARPINELLA BUENO, Cassio. Curso sistematizado de direito processual civil, vol. 1: teoria geral do direito processual civil - parte geral do código de processo civil. 9. Ed. São Paulo: Saraiva, 2019, pp. 152-155.
2 ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. 8. Ed. São Paulo: RT, 2016, p. 352.
3 Também quanto a esse ponto: ARENHART, Sérgio Cruz. A nova postura do relator no julgamento dos recursos. In Revista de Processo, vol. 103/2001, pp. 37-58, Jul-Set/2001, DTR\2001\314.
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*Mário Henrique de Barros Dorna é bacharel e mestre em Direito Processual Civil pela PUC/SP.