O agronegócio nos Tribunais Superiores
Tais precedentes acabarão por impactar diretamente a atividade do agronegócio, em razão da interpretação de dispositivos da legislação infraconstitucional e da CF que têm relação direta com as atividades desempenhadas pelo setor.
quinta-feira, 22 de outubro de 2020
Atualizado às 08:06
As definições de teses pelos Tribunais Superiores, reforçadas pelas diretrizes do CPC/15 e também pelos institutos da repercussão geral e dos recursos repetitivos, têm atraído o interesse do mercado empresarial por impactarem diretamente suas atividades ao trazerem, em diversos casos, segurança jurídica sobre temas envolvendo relações contratuais e práticas diretamente a ele relacionadas.
Na busca pela formação de precedentes qualificados é importante uma contribuição estratégica e estruturada perante os tribunais de Brasília, inclusive em ações de controle de constitucionalidade perante o STF, com destaque para participações em audiências públicas e ingresso como amicus curiae, tudo de modo a abrir espaço a maiores debates no âmbito dessas Cortes.
Especificamente no tocante ao agronegócio, tendo em vista o crescimento desse setor mesmo neste momento econômico tão delicado, impulsionado também pela recém-sancionada lei 13.986/20 ("Lei do Agro"), essa atuação participativa perante as Cortes superiores tornou-se ainda mais oportuna na busca da consolidação de teses jurídicas e, assim, no fortalecimento da segurança jurídica, na medida em que devem ser observados também pelos Tribunais Estaduais e Federais.
A título de exemplo dessa atuação dos Tribunais Superiores, recentemente a 4ª turma do STJ - tribunal que tem o papel constitucional de uniformizar a interpretação da legislação infranconstitucional -, ao julgar o REsp 1.800.032/MT (caso Pupin), decidiu sobre a natureza da inscrição do produtor rural no Registro de Empresas Mercantis, assentando que sua inscrição é ato declaratório, de modo que atua regularmente com ou sem o registro. Consequentemente, concluiu, por maioria, que "não se pode distinguir o regime jurídico aplicável às obrigações anteriores ou posteriores à inscrição do empresário rural que vem a pedir recuperação judicial, ficando também abrangidas na recuperação aquelas obrigações e dívidas anteriormente contraídas e ainda não adimplidas".
No julgamento supramencionado, a turma julgadora teve a oportunidade de debater e decidir sobre a interpretação dos artigos 48 e 51 da lei 11.101/05 e dos artigos 966, 967, 968, 970 e 971, do CC.
Outra situação que merece atenção é REsp 1.834.932/MT (Grupo Viana), no qual o STJ deliberará se o produtor rural individual, ou seja, empresário rural (pessoa física) que exerce atividade empresarial há mais de dois anos, pode pedir recuperação judicial, ainda que sua inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis tenha se efetivado antes do decurso de tal prazo. O resultado desse julgamento formará um importante precedente e também deverá ser observado pelos demais tribunais do Brasil.
Na mesma esteira é o papel do Supremo Tribunal Federal como intérprete da Constituição, em cuja pauta de julgamento até o final deste ano estão causas de grande repercussão.
Vale destacar, em especial, o debate no ARE 1121633/GO (Tema 1046) sobre validade de norma coletiva de trabalho que limita ou restringe direito trabalhista não assegurado na Constituição. Nesse caso concreto, discute-se a validade de cláusula de acordo coletivo que prevê o fornecimento de transporte para deslocamento dos empregados ao trabalho (horas in itinere) e a supressão do pagamento do tempo de percurso.
Tanto o TRT da 18ª Região (GO) quanto o TST entenderam que, apesar da previsão no acordo coletivo, a empresa está situada em local de difícil acesso e o horário do transporte público era incompatível com a jornada de trabalho. Isso conferiria pagamento de horas in itinere ao empregado. Para o Ministro Gilmar Mendes, do STF, em despacho que suspendeu os processos que tratam do tema em âmbito nacional, apontou que "existe o justo receio de que as categorias sejam novamente inseridas em uma conjuntura de insegurança jurídica, com o enfraquecimento do instituto das negociações coletivas", e ainda admitiu a Confederação Nacional da Indústria como amicus curiae.
Dentre outros temas relevantes, ainda se destacam a rediscussão dos requisitos para demarcação de terras indígenas (RE 1017365/DF - Tema 1031, Rel. Min. Edson Fachin) e a abrangência do limite territorial para eficácia das decisões proferidas em ação civil pública, disposto no artigo 16 da lei 7.347/85 (RE 1101937/SP - Tema 1075, Rel. Min. Alexandre de Moraes). Neste específico, o TRF da 3ª Região e o STJ já asseguraram que o direito reconhecido nos autos não pode ficar restrito ao âmbito regional, pois o interesse é nacional. Caberá ao STF decidir se o referido artigo 16 da lei 7.347/85 está em harmonia ou não com a Constituição Federal.
Como se nota, tais precedentes acabarão por impactar diretamente a atividade do agronegócio, em razão da interpretação de dispositivos da legislação infraconstitucional e da Constituição Federal que têm relação direta com as atividades desempenhadas pelo setor, sinalizando a necessidade de um olhar mais ampliado para atuação estratégica nessas Cortes.
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*André Macedo de Oliveira é sócio da área Tribunais Superiores do BMA - Barbosa, Müssnich, Aragão em Brasilia e Professor da Faculdade de Direito da UnB.
*Raquel Mansanaro é sócia da área contencioso do BMA - Barbosa, Müssnich, Aragão em SP.