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O impacto dos benefícios emergenciais previstos na lei 14.020/20 no cálculo do 13º salário e das férias

Daniel Sebadelhe Aranha title=Daniel Sebadelhe Aranha e Írio Dantas da Nóbrega

Como será o pagamento e a concessão do 13º salário e das férias?

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Atualizado às 08:29

Após a edição da medida provisória 936/20, transformada na lei 14.020/20, criou-se para empregados e empregadores novas possibilidades de suspensão do contrato de trabalho e de redução da jornada de trabalho proporcional à redução do salário, mas que também trouxeram implicações jurídicas nunca antes vivenciadas, que estão impondo um intrigante debate sobre os efeitos práticos desse inédito formato de cessação, ao menos em tese, das obrigações contratuais.

Diante do anúncio, efetuado pelo Governo Federal, o sentido de prorrogar por até 240 (duzentos e quarenta) dias as medidas emergenciais que culminam no pagamento do Bem - Benefício Emergencial e considerando proximidade do final do ano e até a concreta possibilidade de prolongamento do estado de calamidade pública, com consequente afetação dos mais variados setores da economia, urge um questionamento que atormenta ambos os integrantes dos polos ativo e passivo da relação de emprego: como será o pagamento e a concessão do 13º salário e das férias?

De fato, a questão é controvertida, comporta interpretações jurídicas antagônicas, não foi devidamente enfrentada pela norma produzida pelo Poder Legislativo, que, frise-se, perdeu uma grande chance de positivar quais as consequências destas medidas emergenciais para fins de pagamento destes importantes títulos salariais que, de um lado, impactam sobremaneira a folha de pagamento do empregador, mas que são um bálsamo para os empregados que os recebem, o que certamente seria capaz de fazer repousar maior segurança jurídica acerca da matéria.

Pois bem, na intenção de apresentar uma melhor didática ao leitor, concatenando fundamentação e conclusão, inicia-se pelos efeitos práticos da suspensão do contrato de trabalho e da redução da jornada de trabalho proporcional em relação ao 13º salário.

Mister se pontuar, primeiramente, que a gratificação natalina se concretiza pelo trabalho acumulado do empregado durante os meses anteriores ao seu pagamento. Desse modo, a cada ano, dividido em 12 partes (correspondente aos meses do nosso calendário), concluído um mês de trabalho, o empregado adquire o direito de perceber 1/12 do valor do trezeno. Esta é a exegese que se extrai da lei 4.090/62 a qual faz concluir, numa análise não aprofundada, pela impossibilidade de cômputo desse tempo de serviço, para fins de pagamento do 13º salário, no transcorrer do período de suspensão contratual.

Todavia, em obediência ao disposto no § 2º do art. 1º da legislação retromencionada, o empregado só disporá desse mês na integração da sua base do 13º salário se permanecer ativo, prestando serviços, por mais de 15 dias.

E essa informação é de sobrelevada importância porque, de fato, pode ocorrer do empregado que teve seu contrato de trabalho suspenso, mesmo assim ter direito ao 13º integral ao final do ano. Exemplo simples é cogitar de um acordo de suspensão contratual no qual os termos inicial e final sejam fixados para um período de 30 dias, englobando dois meses, mas que permita que o trabalhador labore pelo menos 15 dias em cada mês.

Com isso, finca-se a primeira baliza: se o empregado não trabalhou pelo menos metade do mês, esse período não entra na base de cálculo da gratificação natalina.

Induvidosamente, os desdobramentos remuneratórios no 13 º salário para àqueles trabalhadores que permaneceram com seus contratos suspensos por meses e mais ainda os que continuam em gozo do Bem são evidentes e incontestáveis, pedindo-se vênia a entendimentos em contrário. Exemplificativamente, caso o empregado permaneça pelo prazo de 6 meses em regime de suspensão contratual, o seu 13 º salário será calculado, tão somente, em 6/12, oportunidade em que receberá, portanto, metade do que auferiria pelo trezeno em um ano normal.

Não custa lembrar, aliás, que as consequências práticas dessa assertiva espraiam seus efeitos para além dos contratos de trabalho, afinal a economia, já sofrida com a pandemia, deixe de receber importante combustível que, via de regra, aquece a circulação de bens e serviços, melhor distribuindo riquezas e o capital.

Por outro lado, a questão se torna mais densa quando se adentra no exame da gratificação natalina à luz da redução de jornada e salário, essencialmente nos casos em que houve redução em percentual superior a 50%, observadas as formalidades e requisitos previstos na lei 14.020/20 as quais não necessitam de aprofundamento por escaparem ao escopo deste ensaio.

É que para os casos em que houve a redução da jornada até o limite de 50%, não há dúvidas de que esse período deve ser computado e incluído na base de cálculo do 13º salário. A despeito da principiologia protecionista invocada pelos que defendem irrestritamente a quitação integral do trezeno, não há como se transmudar a natureza dos institutos jurídicos, aplicando interpretação casuística que desvia a real finalidade da norma, especificamente a Lei nº 4.090/1962. Se a regra de contagem está fixada em lei e a norma de emergência produzida silencia, por opção legislativa, não se pode dar interpretação extensiva a dito silencio, que deve ser analisado restritivamente.

O que se defende, pois, é o uso da hermenêutica para se submeter os fatos às normas que sobre eles tem aplicação, de forma conglobada, e não alijando uma em benefício da outra. Se a pandemia não lastreia muitas condutas dos empregadores e isso muitas vezes acarreta ônus, também deve o empregado, na medida do que determina a lei, suportar igualmente o peso dessa relação jurídica privada bilateral.

Logo, ainda no afã de aclarar o entendimento, conclui-se que, se as horas trabalhadas no mês não representarem mais da metade da carga mensal ordinariamente prevista, tecnicamente, esses casos seguirão a mesma lógica até aqui defendida, impactando diretamente na proporcionalidade do 13º salário.

Ressalte-se, por oportuno e em arremate, que a variação do valor do salário pelo gozo do BEm não impacta negativamente no cálculo da gratificação natalina, posto que, sedimentado na já citada Lei do 13º Salário, o trezeno é calculado com base na remuneração devida em dezembro ou, no caso de ruptura contratual, no valor da remuneração do respectivo mês.

Lado outro, em relação aos efeitos práticos da suspensão do contrato de trabalho e da redução da jornada de trabalho proporcional em relação as férias, reside similar controvérsia, com aguerrida discussão na comunidade jurídica e contábil.

Notadamente, com as férias, segue-se o mesmo raciocínio de contagem mensal, sem considerar o período anual de janeiro a dezembro, mas sim o período de 12 meses que se inicia com a contratação do empregado. No fim desse período conclui-se o chamado período aquisitivo de férias e em ato contínuo tanto inicia-se uma nova contagem de período aquisitivo quanto se deflagra o período concessivo de descanso anual o qual irá perdurar pelos 12 meses seguintes.

Para fins legais, tal como no 13º salário, o empregado só haverá de contabilizar o mês como tempo necessário para tirar férias se laborar mais de 15 dias, observado o disposto nos arts. 130 e segs. da CLT.

Logo, sem maiores delongas, para efeito de cálculo de férias, os meses em que não houve trabalho por força de suspensão do contrato de trabalho também não serão computados no cálculo do período aquisitivo de 01 ano.

Exemplificativamente, o empregado que completaria 01 (um) ano de labor em 31 de dezembro de 2020 e passou 06 meses do ano de 2020 com o contrato de trabalho suspenso, não haverá de completar o seu período aquisitivo no final do ano, de modo que resta o termo ad quem prorrogado para o dia 30 de junho de 2020, oportunidade em que se iniciará o período concessivo das férias, frise-se, sempre a critério do empregador.

Não se pode olvidar que a suspensão do contrato leva a interrupção das obrigações contratuais e como as férias possui natureza de repouso, descanso e desconexão, por óbvio, o empregado não estava se ativando em favor do empregador, tampouco ficando à disposição deste, razão pela qual entende-se inviável a contagem desse tempo para fins de período aquisitivo de férias, até por aplicação analógica do disposto no art. 476 da CLT.

Novamente, os contornos mais complexos recaem não sobre os contratos de trabalho em que a redução da jornada e salário alçou percentual inferior a 50%, mas naqueles superiores a 50%, já que a quinzena de trabalho mensal não resta completada ao final do período. Adota-se, destarte, posição consentânea com a defendida quando da abordagem da gratificação natalina para os que gozaram o BEm, ou seja, se as horas trabalhadas representem menos da metade carga de labor do mês, tecnicamente, haverá impacto negativo, em desfavor do empregado, quando do cálculo do título salarial.

Finalizando, valendo a observação para ambos os títulos salariais em discussão, não há dúvidas de que os valores a serem pagos serão bem reduzidos, já que, para algumas categorias, especialmente dos comissionistas puros ou mistos, tanto o 13º como as férias são calculados com a utilização da média dos últimos 12 rendimentos. Há de haver surpresas no ambiente de trabalho como o reagendamento de gozo de férias e pagamentos a menor de 13º salários.

Efetivamente, as posições mais vanguardistas aqui defendidas, as quais pendem na balança em favor do empregador, devem ser sopesadas com parcimônia pelos empregadores, aplicadas mediante assessoramento jurídico e contábil eficiente, com expertise na área trabalhista, a fim de que, ao invés de dar um xeque mate no problema, reduzindo, num primeiro momento, até mesmo despesas em face do pagamento a menor dos títulos salariais em discussão, acabe por criar um passivo trabalhista capaz de sucumbir a atividade empresarial no futuro, fazendo com que o empregador projete dívidas impagáveis.

E vai-se além no dever de cautela: caso a posição mais arrojada seja tomada, ou seja, em caso de labor em menos da metade da carga horária de cada mês de redução, sugere-se fazer provisões contábeis desses valores para que, posteriormente, a empresa não seja surpreendida com passivos desse porte.

Para as empresas mais conservadoras, sugere-se a adoção do entendimento mais moderado, isto é, a redução de jornada não deve impactar na concessão de férias e 13º salário.

Bem, face a tormenta normativa pela qual passa os contratos de trabalho, com situações jurídicas a grosso modo reguladas, mas sempre com lacunas e inexatidões cruciais para definições importantes do que é devido ou não pelos empregadores, do que é direito ou dever do empregado, forçoso concluir que o cenário que se avizinha é de extrema judicialização dessas e de tantas outras controvérsias trabalhistas nascidas com a pandemia, também motivadas pelas normas emergenciais editadas.

A única certeza disso tudo é que o Poder Judiciário Trabalhista já está sendo e será protagonista nesse período de pandemia e pós pandemia, o qual faz aflorar a litigiosidade de empregados e empregadores, de modo que é na justiça laboral que se deposita a esperança de entrega de uma prestação jurisdicional célere, plena e, acima de tudo, equilibrada, capaz de dirimir tantos conflitos.

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 *Daniel Sebadelhe Aranha é advogado do escritório Sebadelhe Aranha & Vasconcelos Advocacia.

 

 

 

 *Írio Dantas da Nóbrega é advogado do escritório Dantas, Nóbrega & Liotti Advogados Associados.

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