Os impactos da LGPD no Direito do Trabalho
A ausência de regulamentação das relações de trabalho face a LGPD tende a gerar inúmeros conflitos, principalmente para as pequenas empresas, que não possuem, em muitos casos, orientação e conhecimento necessários sobre as disposições da lei.
quarta-feira, 14 de outubro de 2020
Atualizado às 08:21
A lei 13.709/18, também conhecida por Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), foi criada com o intuito de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade, inclusive no meio digital, da pessoa natural ou jurídica de direito público ou privado.
Cumpre ressaltar que o direito de privacidade abordado na LGPD já possuía base legal no ordenamento jurídico brasileiro, inclusive com status de direito fundamental, a exemplo do artigo 5º, X, da Constituição Federal (inviolabilidade da intimidade e da vida privada)1. No plano infraconstitucional os artigos 43, 44 e 46 do Código de Defesa do Consumidor2 (exigência consumerista para formalização de banco de dados, acesso e suas alterações), além da lei 12.965/14 que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil.
Referida legislação vem movimentando as empresas dos mais variados setores da economia para a devida adequação, o que inclui questões referentes aos dados pessoais de empregados, candidatos a emprego e ex-empregados.
Verifica-se, portanto, um grande problema, já que a lei 13.709/18 não traz diretrizes para a aplicação das regras ali previstas nas relações empregado/empregador, que deveriam ter sido reguladas de forma específica, trazendo tão somente "o que deve ser protegido", já que o "tratamento de dados" é feito em inúmeras situações vivenciadas pelos empregadores e/ou contratante, tais como: entrevistas de emprego; recebimento de currículos; formalização/rescisão de contratos e aditivos; compartilhamento de dados com seguradoras, planos de saúde, entidades sindicais, entre tantas outras.
Com relação ao indivíduo já empregado, onde parte dos dados pessoais são necessários para o empregador, não há necessidade de consentimento, exceto aqueles considerados sensíveis previstos no art. 5º, II, da LGPD3. Neste caso, cabe ao empregador informar aos seus empregados que os dados pessoais serão utilizados para fins legais e poderão ser compartilhados entre empresas do mesmo grupo econômico com vistas a permitir a gestão dos dados e o cumprimento das obrigações legais, além do repasse de informações do empregado a órgãos públicos ou a terceiros de outras empresas, como planos de saúde, bancos, seguradoras e consultorias contratadas pela empresa.
Entretanto, em relação aos candidatos às vagas de emprego, será imprescindível o consentimento livre, informado e inequívoco do candidato para que as empresas acessem, armazenem e/ou compartilhem os dados, ainda que fornecidos no currículo entregue por ele. O candidato também deverá ser informado sobre o tempo em que o currículo permanecerá salvo no banco de talentos.
Ainda sobre a manutenção dos currículos pela empresa, é preciso destacar que o 18º artigo da LGPD confere ao titular de dados pessoais, dentre outros, o direito de obter do controlador, a qualquer momento e mediante requisição: acesso aos dados; correção; anonimização, bloqueio ou eliminação de dados; portabilidade dos dados a outro fornecedor de serviço ou produto; eliminação dos dados pessoais.
Destarte, cumpre esclarecer que a LGPD tutela não apenas o empregado, mas todo e qualquer prestador de serviços, haja vista o direito tutelado referir-se a privacidade da pessoa, ou seja, independente da forma de contratação, da existência ou não de vínculo empregatício.
Conclui-se, portanto, que os contratantes/empregadores devem ter um maior zelo ao "tratar" os dados pessoais que lhe são repassados, devendo distinguir a natureza no que tange a dados pessoais ou a dados pessoais sensíveis para, então, executar o tratamento adequado, caso contrário poderão estar sujeitos a multa que pode chegar até R$ 50 milhões.4
Evidencia-se, portanto, que a ausência de regulamentação das relações de trabalho face a LGPD tende a gerar inúmeros conflitos, principalmente para as pequenas empresas, que não possuem, em muitos casos, orientação e conhecimento necessários sobre as disposições da lei.
Assim, a melhor conclusão seria a de que a nova legislação de proteção de dados deve, sim e positivamente, ser aplicada no âmbito do contrato de trabalho, mas não sem uma boa dose de ponderações e ajustes, inclusive para preservar o objetivo da lei.5
De qualquer modo a adequação à LGPD exigirá uma adequação as boas práticas, treinamentos, normas internas e revisão de contratos e manuais a fim de garantir que os controladores busquem se adequar à lei visando minimizar ou mesmo eliminar os riscos de não observância aos preceitos da Lei Geral de Proteção de Dados.
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1 X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
2 Art. 43. O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes.
§ 1° Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos.
§ 2° A abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele.
§ 3° O consumidor, sempre que encontrar inexatidão nos seus dados e cadastros, poderá exigir sua imediata correção, devendo o arquivista, no prazo de cinco dias úteis, comunicar a alteração aos eventuais destinatários das informações incorretas.
§ 4° Os bancos de dados e cadastros relativos a consumidores, os serviços de proteção ao crédito e congêneres são considerados entidades de caráter público.
§ 5° Consumada a prescrição relativa à cobrança de débitos do consumidor, não serão fornecidas, pelos respectivos Sistemas de Proteção ao Crédito, quaisquer informações que possam impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores.
§ 6º Todas as informações de que trata o caput deste artigo devem ser disponibilizadas em formatos acessíveis, inclusive para a pessoa com deficiência, mediante solicitação do consumidor. (Incluído pela Lei 13.146, de 2015) (Vigência)
Art. 44. Os órgãos públicos de defesa do consumidor manterão cadastros atualizados de reclamações fundamentadas contra fornecedores de produtos e serviços, devendo divulgá-lo pública e anualmente. A divulgação indicará se a reclamação foi atendida ou não pelo fornecedor.
§ 1° É facultado o acesso às informações lá constantes para orientação e consulta por qualquer interessado.
§ 2° Aplicam-se a este artigo, no que couber, as mesmas regras enunciadas no artigo anterior e as do parágrafo único do art. 22 deste código.
Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.
3 Art. 5º Para os fins desta Lei, considera-se:
(...)
II - dado pessoal sensível: dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural;
4 Art. 52. Os agentes de tratamento de dados, em razão das infrações cometidas às normas previstas nesta Lei, ficam sujeitos às seguintes sanções administrativas aplicáveis pela autoridade nacional:
II - multa simples, de até 2% (dois por cento) do faturamento da pessoa jurídica de direito privado, grupo ou conglomerado no Brasil no seu último exercício, excluídos os tributos, limitada, no total, a R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais) por infração;
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*Juliana Reis é sócia do Petrarca Advogados.
*Midiã Cristina Procópio é sócia do Petrarca Advogados.