A relevância da opção ortotanásia em tempo da COVID 19 - ciência e direito
Existem linhas atenues que permeiam e interferem na atuação do profissional médico, assim descritas no código de ética do CFM e em uma vertente mais ampla, já direcionando para as leis brasileiras, que estão descritas na CF/88 e no CP.
quinta-feira, 8 de outubro de 2020
Atualizado às 11:51
Introdução
Este artigo tem o objetivo de levar os leitores para uma reflexão referente a dignidade humana, baseado no parâmetro das leis brasileiras, com referências especiais na CF/88 e no Código Penal.
Em meados do mês de janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS), anuncia que o mundo começaria a enfrentar uma pandemia, nomeada como COVID 19, uma doença pouco conhecida, sem um histórico, que por consequência deixa os médicos sem uma eficaz referência medicamentosa e até mesmo um diagnóstico preciso. Inicia-se uma demanda significativa que sobrecarrega os serviços de saúde tanto público quanto privado, ai então chegamos no nosso ponto principal que é tratar sobre as questões jurídicas referente a vida e morte, assunto esse que permeia em nossa sociedade pareado de preceitos filosóficos, religiosos e de direito. Esse assunto é carregado de significados que vão ser alterados e interpretados primeiramente de forma subjetiva, uma vez que mexe com as relações e assim cada um traz muito mais do que as leis e sim os sentimentos e emoções existentes na relação entre o indivíduo em estado crítico devido o avanço da doença e o seu familiar ou pessoa próxima.
Já é possível pontuar o quanto não é uma decisão fácil uma pessoa decidir por autorizar ou não o desligar dos aparelhos de uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI), que mantem vivo um ente querido que apresenta um prognóstico negativo, porém entramos aí no quesito da ortotanásia, e direcionamos para a CF/1988 acessando o Art. 5º acrescido do inciso I, II e III, e o Art. 196.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
II - Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante.
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Com base nestes artigos já temos a validação da ortotanásia em relação a pessoa que está em uma UTI, indiferente se o seu prognóstico seja negativo, pois havendo a interrupção da sua vida, sob influência humana, ocorrerá a eutanásia e iremos ao desencontro dos preceitos da lei.
Com a falta de leito em Unidades de Terapia Intensiva (UTI), inicia-se conflitos em relação a outra pessoa ,pessoa essa que aguarda este leito para assim ter uma assistência adequada e perante a lei possui os mesmo direito, devido o avanço da doença, neste ponto acrescentamos que com a ausência de assistência para esta pessoa, com a falta de leitos de UTI e demais insumos para o possível controle do avanço da doença, ocorrerá então a mistanásia.
Este é um tema pouco difundido na nossa sociedade, mais já conhecido e no âmbito da bioética e adjacentes.
A ortotanásia, eutanásia, mistanásia são situações que envolvem o direito à vida e morte, remetendo os indivíduos a reflexões que ultrapassam os paramentos jurídicos, afinal desenvolvem consideráveis alterações emocionais e saindo do campo jurídico, temos outras questões que até mesmo a Organização Mundial da Saúde (OMS), deixa claro, afirmando que o indivíduo é um ser biopsicossocial e espiritual, sendo assim vamos acrescendo de muitos conceitos os parâmetros deste artigo.
Teremos envolvimento de políticas públicas, quando fica claro as fragilidades dos serviços de saúde em um âmbito público e privado, isso apresentando que houve uma ausência de acesso aos exames que poderiam fechar um diagnóstico preciso, isso tanto no âmbito de ter um diagnóstico fechado para o COVID, quanto exames auxiliares para validarem as possíveis complicações e prognostico negativo frente as complicações causadas pelo desenvolvimento da doença em um indivíduo.
2.1 Ortotanásia
Conhecido como morte natural, classifica-se como a morte que ocorre de forma natural sem interferência alguma do homem.
O não estender ou abreviar a vida, através de tratamentos consideráveis fúteis, invasivos ou artificiais para que isso ocorra.
Este conceito, utilizado pela bioética é o único que não inflige as leis brasileiras no quesito vida e morte de um cidadão em todo território nacional.
2.2 Eutanásia
O termo foi criado foi criada no séc. XVII pelo filósofo inglês Francis Bacon, conceituando como conduta de abreviar a vida de um paciente em estado terminal ou que esteja sujeito a dores e intoleráveis sofrimentos físicos ou psíquicos.
Tema polémico que é aceito juridicamente em alguns países, porém no Brasil, considerado crime, mais por ser uma classificação cientifica não é apresentado por artigo especifico na CF/88 e nem mesmo no CP, apenas descrito de forma clara no código de ética do Conselho Federal de Medicina, no Artigo 41
Art. 41. Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal.
Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal.
2.3 Mistanásia
Mistanásia é um termo pouco conhecido pelas pessoas, no âmbito da reflexão bioética brasileira, o termo mistanásia foi evidenciado por Márcio Fabri dos Anjos, significando morte infeliz, miserável, precoce e evitável em nível social, coletivo. Trata-se da "vida abreviada" de muitos, em nível social, por causa da pobreza, violência, droga, chacinas, falta de infraestrutura e condições mínimas de se ter uma vida digna, entre outras causas.
Afirma-se que grande parte das pessoas atingidas pela mistanásia, são os vulneráveis socialmente que vivem em situação de rua, acometidos ou não por transtornos mentais e sem acompanhamento e convívio familiar.
Quando descrevemos o conceito de mistanásia, novamente fazemos uma referência ao Art. 5º da CF/1988, quando nos deixa claro em relação que todos são iguais. Aqui pontuamos que esta igualdade fica comprometida quando a pessoa é cometida de vulnerabilidade social, não havendo alguém que responda por ela no caso de um comprometimento físico na qual não existe alguém que responda pela vida deste indivíduo.
Entramos aqui na questão que transforma o médico em réu, baseado nos preceitos da lei descrito, como já citado no Art. 121 do CP, porém não só o profissional de medicina como o poder público, ai então descrito no Art. 5º da CF/1988, no qual a pessoa acometida pela mistanasia fica de fora deste bem jurídico.
Conclusão
Diante dos conceitos apresentados neste artigo, concluímos que existem linhas atenues que permeiam e interferem na atuação do profissional médico, assim descritas no código de ética do CFM e em uma vertente mais ampla, já direcionando para as leis brasileiras, que estão descritas na CF/88 e no CP.
Aprofundamos a reflexão para instigar novas produções referente ao tema, levando ao desenvolvimento de políticas públicas e medidas socioeducativas, na qual a sociedade poderá adquirir conhecimento e deselitizar conceitos que são apresentados para uma porção da sociedade, mais que poderá, em algum momento da vida humana afetar qualquer cidadão brasileiro.
Não é possível uma discussão e melhor desenrolar para alteração ou ampliação, até mesmo nos preceitos da lei, por uma única área de profissionais, este é um assunto que necessita de estudos e discussões multidisciplinares com indicativos estatísticos para validação da condição de decisão pela continuidade da vida ou morte de uma pessoa.
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1- BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 29 ed. São Paulo: Vade Mecuem Saraiva, 2020.
2- BRASIL. Código Penal. 29 ed. São Paulo: Vade Mecuem Saraiva, 2020.
3- Ética médica. Código de Ética Médica - Resolução CFM nº 1.931, de 17 de setembro de 2009. Disponível aqui.. Acesso em 09 de setembro de 2020, ás 15h23min.
4- LAVOR. Francisco Paula Ferreira. Mistanásia: uma breve análise sobre a dignidade humana no Sistema Único de Saúde no Brasil. Disponível aqui. Acesso em 10 de setembro de 2020, às 06h54min.
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*Bianca Ribeiro é bacharel em Psicologia e Acadêmica de Direito da UNIESP - Faculdade Fapan - SBC.