É preciso adaptar as sociedades e as associações ao novo Código Civil?
No próximo dia 10 de janeiro de 2004 termina o prazo para as sociedades por quotas, de responsabilidade limitada, as sociedades civis e as associações se adaptarem ao novo Código Civil.
quinta-feira, 8 de janeiro de 2004
Atualizado às 07:29
É preciso adaptar as sociedades e as associações ao novo Código Civil?
José Gabriel Assis de Almeida*
No próximo dia 10 de janeiro de 2004 termina o prazo para as sociedades por quotas, de responsabilidade limitada, as sociedades civis e as associações se adaptarem ao novo Código Civil.
Cumpre destacar que, caso não haja adaptação, as sociedades e associações passam a ser consideradas em situação irregular, o que acarretará a responsabilidade pessoal e ilimitada dos administradores dessas sociedades, por infração à lei (arts. 1.011 e 1.016 c/c arts. 1.053 e 2.031). Acresce que, não havendo a adaptação, as sociedades poderão ser consideradas irregulares, ou seja, sociedades em comum, tornando os sócios pessoal e ilimitadamente responsáveis pelas atividades desenvolvidas pelas sociedades.
Certo é que há uma corrente que sustenta não ser necessária a adaptação das sociedades e associações, pois as mesmas estariam protegidas pelo dispositivo da Constituição da República, segundo o qual a lei nova, no caso o novo Código Civil, não pode modificar o direito adquirido e o ato jurídico perfeito (ou seja, os contratos sociais destas sociedades). Esta corrente encontra apoio na decisão do Supremo Tribunal Federal, proferida na ADIN 493/0-DF (25/06/92): "Se a lei alcançar efeitos futuros de contratos celebrados anteriormente a ela, será essa lei retroativa (retroatividade mínima) porque vai interferir na causa, que é um ato ou fato ocorrido no passado. O disposto no art. 5°, XXXVI, da CF se aplica a toda e qualquer lei infraconstitucional, sem qualquer distinção entre lei de direito público e lei de direito privado, ou entre lei de ordem pública e lei dispositiva".
No entanto, esta corrente não nos parece totalmente segura, eis que, por um lado, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de não haver direito adquirido a um regime jurídico. A este respeito o Supremo Tribunal Federal já decidiu, no RE 105.137 (31/05/85): "Não há direito adquirido a um determinado padrão monetário pretérito, seja ele o mil réis, o cruzeiro velho ou a indexação pelo salário mínimo. O pagamento se fará sempre na moeda definida pela lei no dia do pagamento".E, mais recentemente, o mesmo Supremo Tribunal Federal foi taxativo, no RE 226.855 (31/08/00): "O FGTS, ao contrário do que sucede com a caderneta de poupança, não tem natureza contratual, mas sim estatutária, por decorrer de Lei e por ela ser disciplinado. Assim, é de aplicar-se a ele a firme jurisprudência desta Corte no sentido de que não há direito adquirido a regime jurídico".
Ora, é possível sustentar que o regime jurídico das sociedades por quotas, de responsabilidade limitada, das sociedades civis e das associações foi extinto pelo novo Código Civil e que um novo regime foi instituído por este diploma legal. Deste modo, haveria a necessidade de se proceder à adaptação das sociedades ao novo regime.
Por outro lado, parece-nos que, salvo em hipóteses excepcionais, não se justifica o risco. Com efeito, uma decisão final do Supremo Tribunal Federal sobre a necessidade ou não de adaptação somente ocorrerá no mínimo após 3 ou 4 anos de vigência do novo Código Civil. Deste modo, se o Supremo Tribunal Federal decidir pela obrigatoriedade da adaptação, aos sócios poderá ser imputada responsabilidade pessoal e ilimitada pelas atividades da sociedade durante esse período, eis que a mesma será considerada uma sociedade em comum.
Acresce que a maior parte dos pontos polêmicos relativos ao novo regime das sociedades e associações já se encontram, se não solucionados, pelo menos identificados. Deste modo, é possível aproveitar a adaptação das sociedades por quotas, de responsabilidade limitada, das sociedades civis e das associações para inserir nos contratos sociais das duas primeiras e nos estatutos da última, as disposições necessárias para garantir a harmonia entre os sócios ou entre os associados e a tranquilidade de todos nas relações com terceiros.
A este propósito, cumpre assinalar que os principais pontos sobre os quais deve ocorrer a adaptação dizem respeito ao sistema de deliberações sociais, às normas relativas à administração, e às disposições sobre a exclusão, a retirada, a falência ou a morte de sócio.
Alguns exemplos demonstram a importância da adaptação, face às modificações introduzidas pelo novo Código Civil. No regime atual, qualquer modificação do contrato social, inclusive a nomeação de gerentes da sociedade, é deliberada pelo voto dos sócios titulares de 50% + 1 do capital social. De acordo com o regime do novo Código Civil, a modificação do contrato social passa a depender do voto dos sócios titulares de pelos menos 75% do capital social.
Um outro exemplo é relativo à administração da sociedade, que passa a ser exercida apenas por pessoas físicas, cabendo salientar que a nomeação de terceiro (não sócio) como administrador depende da aprovação da totalidade dos sócios ou de 2/3 dos sócios, consoante a situação. Por outro lado, o sócio nomeado, no contrato social, como administrador somente pode ser destituído pelo voto de 2/3 do capital social.
Um terceiro exemplo é claríssimo. As sociedades civis, previstas no Código Civil anterior, simplesmente desapareceram. O novo Código Civil não prevê a existência das sociedades civis. Assim, as atuais sociedades civis devem adaptar-se, transformando-se em sociedades limitadas (se exercerem atividade empresarial) ou em sociedades simples (se a sua atividade não tiver cunho empresarial).
Acresce que o novo Código Civil também modifica profundamente o regime da participação dos sócios estrangeiros nas sociedades por quotas, de responsabilidade limitada brasileiras, obrigando a alguma adaptação no contrato social destas sociedades.
Em virtude de tudo o que fica exposto acima, é dever de alertar sobre a necessidade e a utilidade da adaptação das sociedades por quotas, de responsabilidade limitada, das sociedades civis e das associações.
Cabe ainda alertar para a utilidade de se realizar, desde logo, a referida adaptação. Com efeito, dado o acréscimo de trabalho que será gerado ao longo do mês de Janeiro de 2004, provavelmente as Juntas Comerciais e os Registros Civis de Pessoas Jurídicas, apesar de todo o empenho, terão dificuldade de arquivar/registrar, com celeridade, os instrumentos de adaptação.
Ora, a exibição de um contrato social ou de um estado regularmente arquivado/registrado é condição indispensável para a prática de inúmeros atos da vida corrente das sociedades e associações, desde a simples abertura de conta corrente em banco até à assinatura de contratos.
Deste modo, é importante que os empresários, desde logo, tomem as medidas cabíveis para evitar os transtornos que poderão dificultar, e muito, o exercício da sua atividade em 2004.
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* Advogado do escritório Siqueira Castro Advogados
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